PAULO MOREIRA LEITE
Política, opinião e cultura em parceria com Brasil 247
AJUDANDO QUEM ?
Diante do caráter seletivo das investigações sobre corrupção no país, é difícil compreender a postura de parcelas do PT diante dos acusados da Lava Jato
Há algo
de muito estranho na postura de uma parcela de petistas diante da prisão do
tesoureiro do tesoureiro João Vaccari Neto. No pior momento da história do
Partido dos Trabalhadores, quando a legenda parece estar sendo conduzida
calculadamente até a beira do abismo pela ofensiva do juiz Sérgio Moro,
eles preferem tomar distância dos acusados, exigem que entreguem seus cargos no
partido e só reapareçam depois que não houver um fiapo de dúvida a respeito de
sua conduta.
Em vez de demonstrar solidariedade com os envolvidos nas
acusações, integrantes reunidos em torno da corrente Mensagem ao Partido, formada por políticos
respeitáveis e de prestígio, como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
o deputado Paulo Teixeira, o ex-ministro, ex-prefeito de Porto Alegre e
ex-governador do Rio do Sul Tarso Genro, todos com reconhecida formação
jurídica, parecem ter invertido as regras elementares da Justiça. Exigem que os
acusados demonstrem a própria inocência — em vez de aguardar que o Ministério
Público e a Polícia Federal sejam capazes de demonstrar sua culpa, a partir de
provas robustas e inquestionáveis.
O comportamento causa estranheza por seu efeito político duvidoso como
instrumento de proteção à reputação dos petistas, já que mesmo em casos menores
da vida cotidiana a falta de apoio das pessoas próximas — como parentes e
amigos — costuma ser vista como um indício frequente de culpa pela maioria dos
cidadãos.
Em vez de auxiliar o
partido no esforço politicamente compreensível — em qualquer legenda que se
encontre em situação semelhante — para questionar as acusações e denúncias em
fase inicial de apuração, contribui para reforçar a convicção, extremamente
danosa para o PT e para
o governo Dilma, de que a Lava Jato é um processo essencialmente jurídico,
conduzido de forma equilibrada e isenta pelo juiz Sérgio Moro. Só a disposição
para defender uma visão desse tipo, que nega o caráter essencialmente injusto e
seletivo das investigações sobre boa parte dos casos corrupção ocorridas no
país — algo tão fácil de demonstrar como a existência da lei da gravidade —
pode justificar uma postura de quem pretende punir militantes e dirigentes,
aliados até a véspera, antes que a Justiça tenha dado sua palavra final.
Em 2005, durante o processo que levou à AP 470, uma parcela
igualmente ponderável de petistas assumiu essa postura pela primeira vez.
Dizia-se, na época, que entregar alguns troféus do partido — a começar por José
Dirceu — às fogueiras da cassação pelo Congresso poderia até ser uma medida
injusta, mas aceitável como uma tentativa de encerrar uma crise e garantir a sobrevivência do
partido. Dez anos depois, o saldo dessa estratégica está aí, à vista de todos.
Outro aspecto diz respeito à natureza opaca das denúncias de
corrupção e ao caráter dos crimes que podem — ou não — serem associados ao
sistema de financiamento de campanha, historicamente promíscuo. No mesmo dia em
que os jornais estampavam uma foto da prisão de Vaccari, Fernando Henrique
Cardoso apresentava o empresário e vereador Andrea Matarazzo — nome frequente
em boa parte das denúncias de irregularidades na tesouraria tucana — como
candidato do PSDB a prefeitura de São Paulo em 2016.
Soube-se, na mesma data, que o deputado estadual Barros Munhoz (PSDB-SP)
livrou-se de uma denúncia em que era acusado de formação de quadrilha e fraude em
licitação. Isso só aconteceu porque ocorreu uma retenção — por três anos — da
ação penal na qual poderia ser condenado. Passado este prazo, o parlamentar
completou 70 anos e a denúncia prescreveu. Para a Folha de S. Paulo, que noticiou o
benefício assegurado ao parlamentar, o desembargador Armando Sergio Prado de
Toledo, que manteve a denúncia na gaveta, é “suspeito de haver retardado a
sentença para beneficiar o parlamentar tucano.”
Num partido que conseguiu livrar-se de uma denúncia vigorosa como sobre
propinas do metrô paulista, empurrada com a barriga durante uma década e meia,
e que ameaça sair do julgamento do mensalão-PSDB-MG sem uma única condenação
efetiva, essas situações não chegam a surpreender. Apenas confirmam as conexões
sempre apontadas por observadores entre a luta política e a investigação
judicial em nosso país, permitindo que se imagine uma engrenagem capaz de fazer
movimentos de mão dupla. Não só é capaz de trabalhar para proteger e inocentar
seus aliados prediletos, mas ainda se permite investigar e condenar seus
adversários políticos com ferocidade, não apenas pelo uso extravagante de
ideias jurídicas como a teoria do domínio do fato, mas também pelo emprego
excessivo de medidas como prisões preventivas e delações premiadas.
Para quem compreende que
escândalos costumam traduzir uma pequena fração da política real,
frequentemente distorcida, essas imagens são um escárnio — quando colocadas ao
lado das cenas de condução de João Vaccari à prisão.
O uso de caixa
2 nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso foi admitido pelo tesoureiro
principal, Luiz Carlos Bresser Pereira, e também por um publicitário que atuava
a seu lado, Luiz Fernando Furquim. Os dois também sustentaram que o candidato a
prefeito Andrea Matarazzo participou da coleta de recursos, coisa que ele
próprio negou — sempre. Anos atrás, as suspeitas andavam em água morna até que
explodiu — fora do país, naturalmente — o escândalo da multinacional Alstom, tradicional
fornecedora de equipamentos para o governo paulista. Apareceram memorandos
internos em que um diretor se dizia disposto a pagar uma comissão de 7,5%
para obter um contrato de R$ 100 milhões junto à Eletropaulo.
Os papéis
detalhavam: os 7,5% seriam divididos entre “as finanças do partido”, “o
tribunal de contas” e a “Secretaria de Energia”. Não havia nomes, mas os
endereços comprometiam vários figurões do PSDB paulista, inclusive Matarazzo que, na época, ocupava a
Secretaria de Energia, a quem a Eletropaulo estava subordinada. Matarazzo
chegou a ser indiciado pela Polícia Federal. Acabou descartado, ao lado de
outros tucanos de primeira linha.
Sem exagerar no
simplismo sociológico, é curioso notar que Vaccari é um sindicalista, assim como Delúbio Soares, enquanto os
tesoureiros do PSDB vêm de outra linhagem, situada no topo social, sugerindo algo de preferência
pela punição de Pobre, Preto e Puta.
Sérgio Motta, o
paraninfo da turma tucana, era um grande empresário, com ideias de esquerda,
capaz de atos generosos como empregar presos políticos que deixavam a cadeia
durante o regime militar — e prestar auxílio financeiro a jornais que faziam
oposição à ditadura. Caixa forte da eleição e do primeiro mandato de Fernando
Henrique Cardoso, inclusive dos projetos de privatização da telefonia, foi um
dos arquitetos do esquema que garantiu os votos necessários para aprovar a
emenda que permitiu a FHC disputar a reeleição, em 1998.
“Os deputados votavam pela reeleição e na saída encontravam um empresário que lhes dava o endereço para receber o pagamento”, me disse o deputado Pedro Correa (PP-PE), numa entrevista em que estava acompanhado por seu assessor de imprensa. Narciso Mendes, parlamentar do PP do Acre, disse a Palmério Doria, autor de O Príncipe da Privataria, que a reeleição envolveu a compra de 150 votos, adquiridos por R$ 200 000 cada.
“Os deputados votavam pela reeleição e na saída encontravam um empresário que lhes dava o endereço para receber o pagamento”, me disse o deputado Pedro Correa (PP-PE), numa entrevista em que estava acompanhado por seu assessor de imprensa. Narciso Mendes, parlamentar do PP do Acre, disse a Palmério Doria, autor de O Príncipe da Privataria, que a reeleição envolveu a compra de 150 votos, adquiridos por R$ 200 000 cada.
Herdeiro de uma das
principais construtoras do país, o empresário Marcio Fortes sempre ocupou postos altos no PSDB. Foi
tesoureiro de Fernando Henrique e de José Serra, em 2002. Acusado de usar notas
frias, o esquema financeiro tucano, naquela campanha, recebeu uma multa de R$ 7 milhões. Ex-presidente do BNDES
por dois anos, Fortes apareceu entre os 8 000 brasileiros com contas no HSBC,
na Suíça. Titular de três contas na instituição, que somavam US$ 2,4 milhões em
2007, ele nunca informou o TRE-RJ desse investimento, revelou o Globo. No
início de 2001, o então senador Antonio Carlos Magalhães fez uma acusação
pesada a respeito da privatização das teles.
Segundo ACM, teria havido irregularidade na venda de uma delas.
Ele contou que o consórcio Telemar, que explora a telefonia fixa em dezesseis
Estados, do Rio de Janeiro ao Amazonas, teria feito um acerto para pagamento de
90 milhões de reais para levar o negócio. Em 2002 ficou-se sabendo que pedido
semelhante de comissão pode ter ocorrido também no processo de venda da Vale. O
valor é menor, 15 milhões, mas a história é igualmente grave. Nos dois casos,
as denúncias recaem sobre uma mesma pessoa: o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo
Sérgio de Oliveira, que
atuou no passado como um dos arrecadadores de fundos do alto tucanato. Ele foi
gravado quando admitiu, em conversa telefônica, que estava atingindo o “limite
da irresponsabilidade” na montagem de consórcios que disputaram as teles.
Diante dessas
circunstâncias, envolvendo tantos personagens, chega a ser espantoso que dirigentes do Partido dos Trabalhadores, a
principal vítima de investigações preferenciais, evitem confrontar uma situação tão desigual, e
procurem tratar com reverência jurídica uma questão que é, claramente,
política. Chega ser deseducativo do ponto de vista da população em geral, que
nunca foi devidamente formada sobre o valor dos direitos e garantias
individuais, o que explica a popularidade de soluções fáceis e demagógicas,
como redução da maioridade penal e mesmo a pena de morte. Também é
desmobilizador, do ponto de vista dos petistas, em particular num momento em
que a legenda necessita, mais do que nunca, recuperar energias para enfrentar
tormentas que se avizinham. Em 2015, adversários mais despudorados sonham
inclusive em colocar o partido na ilegalidade, medida que privaria a democracia
brasileira do único partido de massas nascido da luta popular, das organizações
de trabalhadores e da mobilização dos mais pobres, desfalcando o universo
político brasileiro de uma voz de ressonância histórica.
(Por um lapso, a chamada
do facebook para esse texto publicou a foto de um homônimo de Marcio Fortes,
tesoureiro de várias campanhas tucanas. A foto correta está nesta página).
ATENÇÃO: as palavras na cor vermelha
constam originariamente no texto, mas os destaques são deste BLOGUEIRO.
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