O absolutismo monárquico do
“Estado sou eu” da ‘lava
jato’ não
deixou saudades
A
"lava jato" incorporou perversões ao longo dos mais de seis anos de
existência. Entre as mais graves estão a transgressão contumaz e o vitimismo,
cuja paranoia extrema delirava com o cosmo conspirando diuturnamente contra
Curitiba.
Os
êxitos da operação não apagam as arbitrariedades, a violência contra o Estado
de Direito, a ordem jurídica e a afronta à própria democracia. A operação
começou a morrer quando Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça. É
diversionismo atribuir o malogro a terceiros.
O cadáver foi eviscerado a partir dos diálogos entre Moro e sua
"equipe" do Ministério Público Federal. A primeira leva de conversas,
publicada no The
Intercept, revela uma tocaia institucional, da qual Moro é o teórico,
organizador e comandante. Ele sequestrou um poder de Estado para perpetrar
perseguições e criminalizar a política indistintamente.
A
"lava jato" nasceu como projeto de poder, por isso se perdeu.
Moro
sugeria inversão de fases, cobrava frequência das mesmas, escalava procuradores
para as audiências, ditava notas para desqualificar a defesa, blindava
políticos de sua preferência e indicava testemunhas para encorpar a acusação.
A partir da publicidade dos diálogos, Moro começou a empilhar derrotas. Foram
mais de 40. As mais emblemáticas foram a perda da gerência sobre R$ 2,5 bilhões
de recursos públicos da Petrobras; derrota no Coaf; aprovação da lei de abuso
de autoridade; sentenças reformadas; nomeação do atual PGR, três tentativas
frustradas de instaurar CPI contra o STF; revisão da prisão após a segunda
instância; o juiz de garantias; a democratização do pacote anticrime; a saída
do ministério e a cassação da "Moro de saias", Selma Arruda.
O maior
revés foi o compartilhamento da integralidade dos diálogos. É inevitável a
declaração da parcialidade do ex-juiz diante da condução facciosa, onde não
atuou como magistrado, mas como parte.
Envergando a toga de carrasco, Sergio Moro vazou o áudio de uma
presidente da República, suspendeu o sigilo imprestável de Antonio Palocci no
ápice da eleição, grampeou advogados e atuou, em férias, para impedir a soltura
de Lula. Incorporando o ícone máximo da perversão inquisitorial, Tomás de
Torquemada, o ex-juiz atuou simultaneamente como investigador, acusador e
julgador.
Na
baixa Idade Média, como em Curitiba, as prisões eram rotineiras, as acusações
precárias e havia testemunhas secretas. Os expedientes recorrentes eram a
perseguição, intimidação e ausência da defesa.
Fui alvo permanente de uma sanha persecutória, de uma obsessão
destrutiva e da sofreguidão por criminalizar o símbolo maior da política,
quando era o presidente do Congresso Nacional.
Dentro
da lei, enfrentei os desmandos sem me curvar ou temer o potencial destrutivo da
"equipe de Moro", que encontrava em parte da imprensa receptividade
acrítica e reservava linhas burocráticas às defesas.
Seguindo
a lógica goebbeliana de reiteração da mentira, abriram contra mim 24
investigações, extraídas de ouvi dizer em delações fajutas. Mais de 2/3 das
investigações foram arquivadas por absoluta falta de provas. As demais terão o
mesmo destino.
Representei
no CNMP contra Deltan Dallagnol, onde ele foi punido. Mas isso é apenas o
início do calvário.
Nas
mensagens apreendidas pela operação spoofing, a procuradora Carolina Resende
não deixou dúvidas quanto à perseguição: "Para nós da PGR, acho que o segundo alvo mais
relevante seria Renan".
Aqueles que leram o artigo de Sergio Moro
aplaudindo a operação "Mãos Limpas" certamente não foram
surpreendidos. Em seu texto, de 2004, condensou um sucinto manual fascista que
aplicou quando coordenou a "lava jato". A presunção da inocência foi
relativizada para encarcerar indefinidamente, as prisões se tornaram regra,
muitas apenas para delatar e abusou-se da publicidade opressiva, com os
vazamentos como "peneira" para deslegitimar a política. O ícone
italiano de Moro, Antônio Di Pietro, foi pilhado com as mãos sujas e a desonra
o acompanhou.
Moro agora presta serviços para o outro lado do
balcão, o lado que ele dizia combater. O próprio TCU apura o conflito de
interesses. O ex-juiz espreita sua própria ruína a partir da enxurrada de novos
diálogos, todos repugnantes.
Moro é fruto do casamento espúrio entre Torquemada e Luís 15, onde houve a prevalência das pessoas sobre as leis. Não deixou saudades o absolutismo monárquico do "Estado sou eu".
José Renan Vasconcelos Calheiros
Senador da República
pelo MDB de Alagoas