A agressão da Globo à
jornalista sueca
Por Miguel do Rosário, postado em abril 15th, 2015
Lotten Collin
“Você, que tem fama de esquerdista”:
o estranho caso da jornalista sueca na GloboNews
A jornalista Lotten Collin está há dois anos no Rio de Janeiro. Trabalha
como correspondente da rádio pública da Suécia.
Após as manifestações de 15 de março, Lotten foi convidada a participar
de um programa da GloboNews com dois colegas estrangeiros. Eles dariam suas
impressões sobres o evento.
Ali se deu um fato inusitado. A certa altura, a apresentadora Leila
Sterenberg embutiu uma observação no início de uma questão para Lotten: “Você,
que tem fama de esquerdista…”.
Pega no contrapé, Lotten passou batido e contou o que viu no domingo,
especialmente seu choque com as pessoas que pediam intervenção militar e a
quantidade de brancos.
Findo o programa, porém, um produtor ainda a saudaria, cheio de
confiança: “Olha a nossa comunista”.
Parte dessa conversa está no site da Globo News (com um banner dos
Correios, aliás). A íntegra com a provocação — chamemos assim — é só para assinantes.
Lotten relatou essa experiência em seu boletim, intitulado “Uma
comunista na TV brasileira”. Nele, apontou a onipresença, em seu cotidiano
carioca, das opiniões de Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e Miriam
Leitão.
Eu conversei com ela sobre a sutil enquadrada e seu choque cultural:
***
“Eu achei muito ruim. Ela me falou, do nada, que eu tinha fama de
esquerdista. Não acho certo me dar essa marca. Os outros dois convidados não
tiveram esse tratamento. ‘Vocês, que são conhecidos por ser de direita…’
Por que eu?
Fiquei tão surpresa que nem pensei em responder na hora. Aquilo foi
colocado junto com a pergunta sobre a manifestação. Depois da gravação, um
produtor ainda me falou: “E aqui temos nossa comunista…”.
Recebi muitas mensagens sobre o episódio. A maioria me dando apoio, mas
muitos afirmando que eu deveria ir embora. Houve quem no Facebook afirmasse que
eu fui cortada quando ela chamou os comerciais. Isso, na minha opinião, não
aconteceu.
Eu sou jornalista, não sou partidária, não sou pró-PT. Por que me
caracterizar assim?
Não entendi muito as felicitações pela minha coragem. Eu estava tentando
apenas fazer o meu trabalho.
No meu texto para a rádio, contei do poder da Globo: ‘Quando acordo pela
manhã no Brasil, eu quero ouvir e ver fatos e perspectivas que possam retratar
a diversidade do país. Só que, aqui, aparecem sempre as mesmas pessoas. É muito
estranho que isso ocorra num país com 200 milhões de habitantes’. E por aí vai.
E pensar que eu fiquei lisonjeada de aparecer na Globo.”
***
Nos anos 70, tornou-se folclórica a maneira como Roberto Marinho teria
se referido a alguns de seus funcionários que incomodavam o regime. “Dos meus
comunistas, cuido eu”, disse ele a um ministro, segundo a historiografia oficial.
Essa passagem aparece em geral para realçar a “hombridade” do doutor Roberto.
A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como
farsa.
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