terça-feira, 8 de março de 2022

COMOVENTE E ESTARRECEDOR ! ! !

deputado chicoteando mulher com olhar complacente de bolsonaro

 

MULHERES VIOLADAS

Em carta comovente direcionada ao deputado Arthur do Val, correspondente internacional Jamil Chade descreve o que viu por duas décadas em campos de refugiados e em filas de pessoas desesperadas para escapar da guerra e da pobreza

porJamil Chade*

A CONDIÇÃO FEMININA NA GUERRA E NA PAZ


Senhor deputado,

Confesso que não conhecia seu nome, e nem sua denominação de guerra. Mas os áudios indigestos que vazaram com seus comentários sobre a situação na Ucrânia me obrigaram a escrever aqui algumas linhas sobre o que eu vi em campos de refugiados e filas de pessoas desesperadas para escapar da guerra e da pobreza ao longo de duas décadas.

Não estou acusando o senhor e sua comitiva do que estará exposto abaixo. Mas considero que, sem entender essa dimensão do sofrimento humano, fica impossível justificar uma viagem como a que o senhor faz para ajudar a defender um povo.

Ao longo da história, a violência sexual é uma das armas de guerra mais recorrentes para desmoralizar uma sociedade. Ela não tem religião, nem raça. Ela destrói. Demonstra o poder sobre o destino não apenas das vidas, mas também dos corpos e almas.

Percorrendo campos de refugiados em três continentes, o que sempre mais me impressionou foi a vulnerabilidade das mulheres nessa situação.

Mas, antes, vamos ser claros aqui. Não precisamos sair do Brasil para saber que as mulheres, simplesmente por serem mulheres, precisam passar a vida se explicando. Como se necessitassem de chancela ou justificativa para determinar o destino de seu corpo ou coração, se podem trabalhar ou ter tesão. Intolerável, não?

Então, o senhor pode imaginar o que isso significa em tempos de guerra, onde a lei e a moral são suspensas?

Conheci certa vez uma garota yazidi. Ela me contou como, depois de sua cidade ser tomada por islamistas, ela foi transformada em escrava sexual. Aqueles olhos verdes intensos se enchiam de lágrimas quando contava que, num calabouço, ela e as demais meninas se dividiam em dois grupos.

Aquelas que rezavam para sobreviver e aquelas que rezavam para morrer logo.

Ela também me contou que, num ato de solidariedade com as outras mulheres que viriam depois delas, foi iniciado um gesto espontâneo de escrever mensagens nas paredes daqueles quartos imundos, inclusive com dicas de como agir. Escreviam com a única cor que tinham. O vermelho do sangue de suas vaginas estupradas.

O senhor me diria: claro, isso é coisa de terrorista islâmico. Sim, sem dúvida. Mas quero lhe contar o que investigações e auditorias revelaram em um local mais próximo de nós: o Haiti.

Ali e em outros locais onde estão destacadas, as tropas de paz da ONU – repletas de moral, credibilidade e protocolos – foram acusadas de estupro e de abusos com mulheres, meninas e meninos. Alguns, em troca de comida. Num caso específico, um garoto era semanalmente estuprado por oficiais, em troca de bolachas. Há até mesmo uma categoria de crianças hoje nesses países, “os filhos da ONU”.

Na Sérvia, num barracão onde eram depositados os refugiados que aguardavam para chegar até a Europa Ocidental, conheci uma mulher que não falava. Sua irmã, depois, veio me explicar que ela ficou muda depois de ter sido estuprada pelo “guia” que seus pais tinham contratado na Turquia para que elas cruzassem as fronteiras. Para pagar pelo guia, os pais venderam as únicas coisas que tinham: uma casinha e dois animais.

Em Dadaab, no Quênia, entendi toda a minha ignorância quando fui perguntar para um grupo de crianças do que elas tinham mais medo. Achei que a resposta seria: as bombas de Mogadíscio. Mas era do escuro do campo de refugiados. Quando pedi para saber o motivo, uma delas sussurrou: “não podemos nem ir ao banheiro pela noite. Um homem pode fazer coisas ruins com nosso corpo”.

Anos depois, voltei a viajar para a África. Da janela do avião a hélice em que eu voava, podia ver como um garoto usava um pedaço de galho para tentar dirigir o destino de vacas e outros animais. Enquanto ele conseguia dar direção ao gado, algumas reses escapavam um pouco adiante.

Do assento em que eu estava, quase não consegui ouvir quando o piloto se virou para trás e, competindo com o barulho do motor, gritou que estávamos iniciando a aterrissagem. Jamais imaginaria que, minutos depois, era sobre aquele local de terra de onde o garoto estava retirando os animais que o avião iria pousar. O que de fato eu tinha visto era a preparação da pista de pouso.

Eu tinha viajado para um lugar a oeste da cidade de Bagamoyo, na Tanzânia, para escrever sobre o impacto da Aids numa das regiões mais pobres do planeta. Mas seria naquele local que eu descobriria, de uma maneira inusitada, a dimensão do drama de imigrantes e refugiados. Ao longo dos anos, visitei campos de refugiados na fronteira do Iraque, entre o Quênia e a Somália, em Darfur, na rota entre a Turquia e a Europa. Vi milhares de pessoas sem destino. Mas, nas proximidades de Bagamoyo, aquela história era diferente. Oficialmente, não havia uma guerra. Não havia um acampamento de refugiados. Mas eu logo descobriria que nem por isso o desespero deixava de estar presente naquela população.

Eu fazia uma visita a um hospital e esperava para falar com o diretor. Por falta de médicos, ele fora chamado para fazer um parto. Sabia que aquilo significava que eu passaria horas ali, à espera de minha entrevista. Restava fazer o que eu mais gostava nessas viagens: descobrir quem estava ali, falar com as pessoas, perambular pelo local, ler os cartazes e simplesmente observar. No portão do centro de atendimento, centenas de mulheres com seus véus coloridos aguardavam de forma paciente. Tentavam afastar as moscas, num calor intenso, enquanto o choro de crianças rompia os muros descascados daquela entrada de um galpão transformado em sala de espera.

Ao caminhar para uma das alas, fui barrado. Os enfermeiros me pediram que não entrasse no local. Quando perguntei qual era a especialidade daquela área, disseram que não podiam revelar. Em partes da África, o preconceito e o estigma em relação aos pacientes de Aids obrigam os hospitais a não indicar nem em suas paredes o nome da doença. Decidi sair do prédio em ruínas e, num dos pátios do hospital, vi duas garotas brincando.

Não tinham mais de 10 anos de idade. E o único momento em que olharam para o chão, sem resposta, foi quando perguntei o que faziam ali. Mas a curiosidade delas em saber o que um rapaz branco, com um bloco de notas na mão e uma câmera fotográfica, fazia lá era maior que sua vontade de contar histórias. Desisti de seguir com minhas perguntas. Expliquei que era jornalista brasileiro e, para dizer meu nome, mostrei um cartão de visita, que acabou ficando com elas.

Quando iam responder à minha pergunta sobre os seus nomes, nossa conversa foi interrompida por uma senhora que, da porta do hospital, me avisava que o diretor já estava à disposição para a entrevista. Deixei aquelas crianças depois de menos de cinco minutos de conversa. Já caminhando, virei e disse uma das poucas expressões que tinha aprendido em suaíli: kwaheri – “adeus”. Ganhei em troca dois enormes sorrisos.

Terminada a entrevista com o diretor do hospital, confesso que nem sequer notei se as meninas continuavam ou não no pátio. Estava ainda sob o choque de um pedido do gerente da clínica, que, ao terminar de me explicar o que faziam, me perguntou se eu não poderia deixar para eles qualquer comprimido que tivesse na mala. Qualquer um. Até mesmo se o prazo de validade já tivesse expirado.

Alguns meses depois, já na Suíça, abri minha caixa de correio de forma despretensiosa ao chegar em casa. Num envelope surrado e escrito à mão, chegava uma carta de Bagamoyo.

Pensei comigo: deve ser um erro e a carta deve ter sido colocada na minha caixa por engano. Eu não conheço ninguém em Bagamoyo. Mas o envelope deixava muito claro: era para Jamil Chade.

Antes mesmo de entrar em casa, deixei minha sacola no chão e abri o envelope. Uma vez mais, meu nome estava no papel, com uma letra visivelmente infantil. Eu continuava sem entender. Até que comecei a ler. No texto, em inglês, quem escrevia explicava que tinha me conhecido diante do hospital e que tinha meu endereço em Genebra por conta de um cartão que eu lhe havia deixado.

Como num sonho, as imagens daquelas garotas imediatamente apareceram em minha mente. Mas o conteúdo daquela carta era um verdadeiro pesadelo. A garota me escrevia com um apelo comovedor. “Por favor, case-se comigo e me tire daqui. Prometo que vou cuidar de você, limpar sua casa e sou muito boa cozinheira.” A carta contava que sua mãe havia morrido de Aids – naquele mesmo hospital – e que seu pai também estava morto.

Cada um dos oito filhos fora buscar formas de sobreviver e ela era a última da família a ter permanecido na empobrecida cidade. “Preciso sair daqui”, escrevia a garota. A cada tantas frases, uma promessa se repetia: “Eu vou te amar.”

Uma observação no final parecia mais um atestado de morte: “Com as últimas moedas que eu tinha, comprei este envelope, este papel e este selo. Você é minha última esperança.”

Deputado, talvez o senhor classificaria essa pessoa no grupo de “meninas fáceis”. Eu, porém, chorei de desespero e de impotência diante daquele pedido de resgate.

Eu e o senhor – homens brancos – nascemos como a classe mais privilegiada do planeta. Eu e o senhor não tivemos de fazer nada para adquirir esses privilégios. Existimos.

É nossa obrigação, portanto, desmontar o processo de profunda desumanização de uma guerra e da miséria. Cada um com suas armas.

Não sei qual será o destino que a Assembleia Legislativa em São Paulo, seu partido e seus eleitores darão ao senhor. Qualquer que seja ele, só espero que esse episódio revoltante sirva para que haja alguma insurreição de consciências sobre a condição feminina. Na guerra e na paz.

Grato pela atenção

*Jamil Chade é jornalista, graduado em Relações Internacionais e já percorreu mais de 70 países. Nos últimos dez anos, Chade publicou cinco livros no Brasil e nos EUA. Dois deles foram finalistas do Prêmio Jabuti. Na Suíça, também recebeu o prêmio Nicolas Bouvier por sua obra sobre a fome.


As 'coisas' estão CLAREANDO - bem diferente do que a Globo mostra ! ! !

THOMAS DE TOLEDO 


Quem acompanha meu trabalho há vários anos sabe porque tenho um envolvimento com este tema da Ucrânia e Rússia. Quando aconteceu o golpe de estado em 2014 na Ucrânia, eu participava do Conselho Mundial da Paz e da articulação da juventude do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Na ocasião, recordo-me de algo que me dói no fundo da alma até hoje. Jamais esquecerei do depoimento de um líder sindical de Lugansk contando no Congresso da Federação Sindical Mundial os crimes do governo ucraniano em sua república. Mas nada se compara à dor que foi ter acompanhado quase em tempo real o massacre de Odessa. Eram centenas de trabalhadores voltando do protesto do 1o de maio, dia do trabalhador, que se reuniram na Casa dos Sindicatos para um ágape fraternal. Só que de forma organizada, um grupo de mais de mil nazistas ucranianos com bandeiras de suásticas, tochas e gritando "Heil Hitler!" cercou a *Casa dos Sindicatos e começou a incendiá-la.* Pareciam voltados das catacumbas de 70 anos atrás, sem que ninguém esperasse. *Havia cerca de 250 sindicalistas lá dentro do prédio e os nazistas não os deixaram sair. Foram inúmeras mortes de pessoas carbonizadas.* Outras foram agredidas e mortas por espancamento. No dia seguinte, os nazistas divulgaram memes fazendo piadas das fotos dos sindicalistas mortos. Não houve condenação por parte dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia. Esse massacre não entrou na primeira página do Estadão nem teve editorial na Globo. Nem a Rússia interviu em Odessa. Trabalhadores jogados à própria sorte, traídos pelo seu próprio país e ignorados pelo mundo, recebendo apenas a solidariedade de outros trabalhadores internacionais. Aí, o que aconteceu na Ucrânia desde então? Os partidos de esquerda foram proibidos. Nazistas invadiram-nos queimando seus livros e violentando suas secretárias. Os sindicatos foram fechados e seus líderes perseguidos por esses nazistas. Os nazistas participaram das eleições e fizeram bancadas. A esquerda está fora da institucionalidade desde 2014. Seus partidos foram proibidos de existir e seus símbolos criminalizados. Ou seja, a UCRÂNIA NÃO É UMA DEMOCRACIA. Aí, esse tal de Zelensky foi fabricado nos porões dos serviços de inteligência ocidentais para ser uma marionete dos interesses da indústria bélica. Foi colocado no poder com um discurso de extrema-direita para transformar o seu próprio país num palco de guerra, provocando a Rússia até chegar à situação atual. Agora, simplesmente ignoram que de 2014 pra cá, o governo Ucrânia já matou 14 mil pessoas em Donetsk e Lugansk. Nunca mais tive notícias daquele dirigente que conheci na Federação Sindical Mundial. Será que está vivo? Também conheci russas da região de Donbass. Nunca mais consegui falar com elas. Será que ainda habitam o mundo dos vivos? Bom, é isso. Não virei "analista de rede social" em uma semana. Este tema faz parte da minha trajetória de vida como professor de Relações Internacionais. Inclusive orientei monografias e fiz simulação da ONU com meus alunos da época. Havia decidido sair das redes sociais, mas essa situação me fez voltar. Não vou mais me calar vendo tanta gente falando bobagem sem saber. Tá na hora de mostrar o que de fato acontece. Vim pra ficar.


THOMAS DE TOLEDO - professor de Relações Internacionais da UNIP, historiador pela USP, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e especialista em BRICS