ovacionado e aplaudido de pé
Emoção e autenticidade no discurso do Presidente Lula no Parlamento
Europeu no dia de ontem
"Eu quero começar falando não da
América Latina, nem da União Europeia, nem de algum país, continente ou bloco
econômico em particular, e sim do vasto mundo em que vivemos todos nós –
latino-americanos, europeus, africanos, asiáticos, seres humanos das mais
diferentes origens.
Vivemos em um planeta que tenta a
todo momento nos alertar de que precisamos de novas atitudes e de uns dos
outros para sobreviver. Que sozinhos estamos vulneráveis às tragédias
ambientais, sanitárias e econômicas. Mas que juntos somos capazes de construir
um mundo melhor para todos nós.
No entanto, ignoramos esses alertas.
Insistimos em não aprender com os erros do passado.
O resultado da nossa falta de
compreensão está à vista de todos: pandemia, desigualdade, fome, emergências
climáticas que no futuro próximo poderão comprometer a sobrevivência da espécie
humana na Terra.
Apesar de tudo isso, quero reiterar
aqui minha crença inabalável na humanidade.
Não nasci otimista – aprendi a ser.
Porque vi em vários momentos da minha vida o quanto um ser humano é capaz de
realizar, e o quanto um povo é capaz de construir, quando existe força de
vontade e geração de oportunidades.
Quem vive hoje no Brasil, ou
acompanha o noticiário sobre o país, tem todos os motivos para estar
pessimista. Mas aonde quer que eu vá, faço questão de dizer: o Brasil tem jeito
– apesar do projeto de destruição colocado em prática por um bando de
extremistas de direita sem a menor noção do que seja cuidar de um país e de seu
povo.
O Brasil tem jeito, apesar dos 19
milhões de brasileiros que passam fome. Apesar dos 19 milhões de desempregados
e desalentados, que já desistiram de procurar um novo emprego. Apesar dos
ataques constantes contra a população negra e indígena. Apesar do avanço da
destruição do meio ambiente, inclusive na Amazônia.
E apesar, sobretudo, das mortes de
mais de 610 mil brasileiros, muitas delas evitáveis – caso houvesse por parte
do atual governo o interesse em combater com seriedade o coronavírus.
Apesar de tudo, digo com total
convicção: o Brasil tem jeito. Sei disso porque num passado muito recente nós
fomos capazes de reconstruir e transformar o país, e temos plena capacidade de
reconstrui-lo outra vez.
Da mesma forma que acredito que o
Brasil tem jeito, acredito também que o mundo tem jeito. Apesar dos 750 milhões
de pessoas que passam fome, apesar dos 5 milhões de mortos pela Covid-19,
apesar da desigualdade que não para de crescer, apesar dos conflitos étnicos,
religiosos e geopolíticos que não raro alimentam as guerras.
Como disse no início desta fala, meu
otimismo não nasce do acaso, mas da experiência. Acredito que a humanidade tem
jeito porque estou aqui hoje, neste Parlamento Europeu, reunido com
representantes de países que em meados do século 20 eram inimigos ferozes no
campo de batalha, numa das maiores carnificinas da história.
60 milhões de pessoas morreram na
Segunda Guerra Mundial. É bem provável que os antepassados de vocês tenham
lutado em lados opostos. Que tenham matado, morrido e sofrido na pele as
atrocidades da guerra.
Vocês e seus países teriam, portanto,
razões para se odiarem uns aos outros. No entanto, são protagonistas de uma das
mais extraordinárias experiências da história moderna, que foi a construção da
União Europeia.
Vocês estão hoje aqui, neste
Parlamento Europeu, em clima de paz, buscando juntos soluções para a construção
de uma Europa melhor.
Conhecemos o imenso poder de destruir
que o ser humano tem em suas mãos, e que ele tantas vezes não hesitou em usar.
Mas não podemos jamais esquecer que a humanidade tem também uma extraordinária
capacidade de construir e reconstruir.
A União Europeia, o Parlamento
Europeu e vocês, senhoras e senhores eurodeputados, são portanto exemplos dessa
virtude humana. A União Europeia não é perfeita, como nada é, mas é um
patrimônio da humanidade, como exemplo de cooperação e construção da paz entre
os povos.
Senhores deputados e senhoras
deputadas
Somos 7 bilhões e seiscentos milhões
de seres humanos habitando este planeta. Homens, mulheres, crianças e velhos,
ricos e pobres, pretos, brancos, gente de todas as cores.
Cada um de nós carrega dentro de si o
seu universo particular. Somos diferentes uns dos outros, cada qual com sua
individualidade, mas unidos todos por uma certeza ancestral: o ser humano não
nasceu para ser sozinho.
O que me faz lembrar do pequeno
trecho de uma das grandes obras primas da Bossa Nova, esse gênero musical
brasileiro que conquistou o mundo. Um verso que diz o seguinte: “É impossível
ser feliz sozinho.”
A verdade é que não é possível sermos
felizes enquanto milhões de crianças ao redor do mundo vão dormir esta noite
com fome, e acordarão amanhã sem saber se terão o que comer.
Não é possível sermos felizes em meio
a tamanha desigualdade, que cresceu de forma inaceitável em plena pandemia. Os
ricos ficaram muito mais ricos e os pobres, ainda mais pobres.
A desigualdade entre ricos e pobres
manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas.
O 1 por cento mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30
vezes o limite necessário para evitar que um aumento da temperatura global
ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030.
O 1 por cento mais rico, que
corresponde a uma população menor que a da Alemanha, está a caminho de emitir
70 toneladas de gás carbônico per capita por ano.
Enquanto isso, os 50 por cento mais
pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per capta por ano,
segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado recentemente na COP 26.
A luta pela preservação do meio
ambiente para mim é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos
desigual e mais justo.
É preciso deixar bem claro que o
otimismo, a esperança e a fé não podem ser jamais sinônimos de resignação. Por
conta disso, eu me considero um otimista indignado.
Em 2009, os países ricos se
comprometeram em aumentar para 100 bilhões de dólares ao ano, a partir de 2020,
a contrapartida para os países em desenvolvimento preservarem a natureza e
enfrentarem as mudanças climáticas. Esse compromisso não foi cumprido, e agora
está sendo postergado para mais dois anos, ou seja, a partir de 2023, a transferência
de 100 bilhões ao ano para enfrentar a emergência climática.
Iniciativa louvável, que merece ser
celebrada. Mas não podemos esquecer que na crise de 2008, os Estados
Unidos destinaram 700 bilhões de dólares para salvar da falência bancos que de
forma irresponsável investiram em títulos imobiliários podres.
Na mesma época, o G-20 destinou mais
1,1 trilhão de dólares aos países emergentes e ao comércio mundial, para
combater os efeitos da crise.
É preciso lembrar também que os
Estados Unidosgastaram8 trilhões de dólares nas guerras pós-11 de setembro.
Quantia suficiente para eliminar a fome no mundo e preparar o planeta para
lidar melhor com as mudanças climáticas. E que no entanto foi usada para causar
a morte direta de mais de 900 mil pessoas em países como Iraque, Afeganistão,
Síria, Iêmen e Paquistão. Sem contar as mortes provocadas pela perda de água,
esgoto e infraestrutura relacionadas com a guerra.
Ou seja, não faltam recursos para
salvar bancos e para causar a morte ou o deslocamento forçado de milhões de
seres humanos. Mas na hora de salvar vidas humanas ou o próprio planeta em que
vivemos, a solidariedade dos países ricos é dezenas de vezes menor.
Uma das maiores alegrias que tive
quando presidente do Brasil, e mesmo depois de deixar a Presidência, foi
percorrer o mundo, a convite dos mais diferentes países, para falar dos nossos
extraordinários avanços econômicos e sociais.
Tive a honra de conduzir o Brasil ao
posto de 6ª maior economia mundial. E de fazer do país um exemplo para o mundo
de como é possível superar a extrema pobreza e a fome, com total respeito à
democracia, em um curto espaço de tempo.
Vocês podem, portanto, imaginar o
quanto dói participar de grandes eventos internacionais como este e ter que
declarar o quanto o Brasil andou para trás desde o golpe de 2016 contra a
presidenta Dilma Rousseff e a chegada da extrema direita ao poder.
O Brasil vive hoje uma tragédia
social, econômica, ambiental e sanitária sem precedentes. Temos 2,7 por cento
da população mundial. No entanto respondemos por 12 por cento das mortes por
Covid registradas no mundo.
Choramos a morte de mais de 610 mil
brasileiros. Não chegamos a essa trágica estatística por alguma fatalidade, e
sim pela atitude criminosa do atual governo.
O atual presidente ironizou a
gravidade da doença. Zombou dos mortos. Atrasou o quanto pôde a compra das
vacinas. Fez propaganda enganosa e distribuiu medicamentos comprovadamente
ineficazes contra o vírus.
Deixou faltar oxigênio em hospitais.
Incentivou e promoveu aglomerações. Induziu a população à desconfiança quanto à
eficácia das máscaras. Ajudou a espalhar fake news contra as vacinas, chegando
a dizer que elas podem levar as pessoas com HIV a desenvolverem AIDS.
Experiências com medicamentos
ineficazes, usando seres humanos como cobaias involuntárias, chegaram a ser
realizados no Brasil, reeditando os horrores do nazismo.
Além disso, cerca de 116 milhões de
brasileiros, metade da nossa população, vive hoje em situação de insegurança
alimentar, de moderada a muito grave. Desses, cerca de 19 milhões, quase duas
vezes a população da Bélgica, chegam a passar um dia& inteiro sem ter o que
comer.
Isso está acontecendo no Brasil, que
é o terceiro maior produtor mundial de alimentos.
E está acontecendo porque o Brasil,
que em 2014 saiu do Mapa da Fome da ONU pela primeira vez na história, hoje
copia o que o neoliberalismo trouxe de pior ao mundo: alta concentração de
renda, baixa geração de empregos, destruição de direitos trabalhistas, desmonte
das políticas sociais, ausência do Estado, abandono dos mais pobres à própria
sorte.
O resultado dessa trágica equação não
poderia ser outro: miséria, fome, desesperança.
Mas eu estou aqui para dizer outra
vez a vocês e ao mundo: o Brasil tem jeito. Porque ele é muito maior do que
qualquer um que tente destruí-lo.
O Brasil é o país que num passado
muito recente encantou o mundo com as suas políticas inovadoras, que retiraram
da extrema pobreza 36 milhões de pessoas – o equivalente à soma das populações
inteiras de Portugal, Suécia, Dinamarca e Irlanda.
O Brasil é o país que assumiu
voluntariamente diante do mundo o compromisso de reduzir em 75 por cento o
desmatamento na Amazônia, como forma de conter a emissão de gases poluentes.
E cumprimos antecipadamente nossa
promessa – entre 2004 e 2012, nós, de fato, reduzimos em 80 por cento o
desmatamento da Amazônia, contribuindo para minimizar o avanço das mudanças
climáticas.
Infelizmente, os países ricos,
justamente os principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa,
não cumpriram a sua parte. Talvez porque os ricos acreditem que tenham como se
proteger, e as mudanças climáticas afetarão com maior intensidade os mais
pobres, o que é a triste realidade.
Mas o que eles esqueceram é que todos
nós – ricos e pobres – precisamos do mesmo oxigênio para respirar, precisamos
de água limpa para sobreviver, precisamos de um planeta saudável, onde nossos
filhos possam viver com saúde e paz.
Felizmente, essa era de trevas que se
abateu sobre o planeta, por conta da ascensão de governos de extrema direita
pelo mundo afora, emite claros sinais de que está chegando ao fim.
Partidos e candidatos progressistas
vêm conquistando importantes vitórias. Isso está acontecendo em vários países,
e estou certo de que vai acontecer também no Brasil, a partir da eleição
presidencial do ano que vem.
O Brasil voltará a ser uma força
positiva no mundo. Voltaremos a ser criadores de políticas públicas capazes de
mudar para melhor o nosso planeta.
Acreditamos num mundo multipolar.
Voltaremos a ter uma política externa altiva e ativa. Vamos fortalecer o
Mercosul, reconstruir a União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, e ampliar
nossas parcerias com a União Europeia.
Vamos aperfeiçoar os termos do acordo
Mercosul-União Europeia.Não queremos uma América Latina voltada exclusivamente
para o agronegócio e a mineração. Temos total capacidade de sermos também
países industrializados, tecnologicamente avançados.
O acordo hoje se encontra paralisado,
por conta da desconfiança de países europeus quanto ao cumprimento dos
compromissos ambientais assumidos pelo governo brasileiro.
Temos imensas extensões de terras
agricultáveis, temos tecnologia, pesquisas agropecuárias avançadas. Nossa
produção de alimentos não precisa desmatar a Amazônia para exportar soja ou
criar gado. As atividades criminosas dos que destroem o meio ambiente devem ser
punidas, e não podem prejudicar toda a economia brasileira.
Temos uma biodiversidade
extraordinária, e os nossos biomas haverão de se regenerar após a extinção do
atual governo, que estimula o desmatamento e as queimadas, o avanço do garimpo
em áreas de proteção ambiental, os ataques aos povos indígenas.
O povo brasileiro não quer que essa
destruição continue. Os brasileiros querem a Amazônia viva e de pé. E para
isso, é necessário construir alternativas sociais e de desenvolvimento, com
ciência, tecnologia e o protagonismo e respeito aos povos que vivem na
floresta, seus saberes e sua cultura.
Meus amigos e minhas amigas,
Acreditamos num mundo cada vez mais
plural, unido em torno de valores como solidariedade, cooperação, humanismo e
justiça social. Acreditamos numa nova governança mundial, começando pela
ampliação do Conselho de Segurança da ONU, e vamos continuar lutando por
ela.
Acreditamos que somos capazes de
construir no mundo uma economia justa, movida a energia limpa, sem a destruição
do meio ambiente e livre da exploração desumana da força de trabalho.
Acreditamos que outro Brasil é
possível, outra Europa é possível e outro mundo é possível – porque, num
passado muito recente, fomos capazes de construí-lo.
Podemos ser felizes juntos. E
seremos.
Muito obrigado a todos."