Cuidado com ele
Recado aos senhores: se Lula entrar na briga, vai provar sua condição de líder do povo brasileiro
Trinta e cinco anos depois, este cenário talvez se repita em ponto maior
por Mino Carta
A situação
de caos que o País vive precipita um grande equívoco e duas urgências. Destas,
uma investe Dilma Rousseff. Esgota-se o tempo que lhe sobra para tentar rever
posturas, orientações, escolhas.
Não esqueço a última vez em que estive com
ela, em companhia de Sergio Lirio e André Barrocal, para entrevistá-la às
vésperas das últimas eleições. Impressionou-me o isolamento da presidenta sobrepujada
pelo álgido cenário fascistoide transplantado para o Trópico no Palácio da
Alvorada, enorme redoma de solidão. A outra urgência diz respeito a Lula. O
ex-presidente chegou a uma peremptória encruzilhada e tem de escolher a saída
que mais lhe convém.
Recordo o dia, mais ou menos recente, em
que ouvi de Lula a seguinte frase: “Um presidente considera-se bem-sucedido quando se reelege, e digno da excelência quando elege seu
sucessor”. Inviável oimpeachment de
Dilma sonhado por muitos opositores, é difícil, nas circunstâncias atuais,
deixar de imaginar um final melancólico para o segundo mandato da presidenta.
Se for assim, ela não fará seu sucessor.
Como observava Mauricio Dias em sua Rosa dos
Ventos, na edição passada, faltam para a sucessão quadros potáveis no governo e
no PT. Resta mirar em Lula. A própria oposição ajusta a alça. Eis o verdadeiro inimigo, antes de qualquer outro. O que a elite brasileira mais teme é a
volta por cima do ex-presidente. O ex-operário, de novo!? Vaias e panelaços que de
uns tempos para cá lhe são reservados, além de patéticos, não escondem o medo,
e não exagero no emprego da palavra. Resta ver se Lula pretende, ou não,
transformar o Brasil em uma infinda Vila Euclydes.
Ele pode, é
o único, verdadeiro líder do povo brasileiro, se quiser, enche as praças.
Ao longo de dois mandatos
realizou avanços importantes, inferiores a meu ver, àqueles que poderia e
deveria realizar. Bastou, contudo, para deixar a Presidência com altíssima
aprovação, nunca dantes navegada. O que pretende a partir deste momento não
está claro. Evidente é sua irritação. Não contemplo
somente os comportamentos midiáticos, as acusações de envolvimento em
escândalos variados, os apupos do preconceito elitista, como prova seu discurso
no evento da CUT promovido em São Paulo dia 1º de maio. De fato, abala-se
também a críticas ao governo Dilma, a rigor as primeiras públicas.
Estamos na encruzilhada e
o equívoco seria a consequência, a depender da escolha de Lula ao determinar
seu caminho. Se decidir, em lugar da aposentadoria, pela disputa do poder,
assistiremos a um imperioso retorno à ribalta, mesmo
que agora não seja seu objetivo descer à liça em 2018. Quanto ao equívoco,
suponho ser geral, da oposição, da chamada elite, da mídia, bem como do PMDB,
do próprio PT, e do governo que o partido haveria de sustentar.
Lula tem todas as condições, e mais
algumas, de reassumir uma liderança avassaladora, em parte abandonada para
deixar espaço a Dilma Rousseff. Quem supõe que, ao sabor do dito
petrolão, da tibieza governista e do martelar midiático, Lula esteja
encurralado, engana-se além da conta. Quem se
ilude, corre o risco de, como se diz, cutucar a fera com vara curta.
O
Brasil vai mal, graças a um acúmulo de erros e desmandos, de resto encadeados
no decurso das décadas de sorte a se tornarem mal endêmico, mas o jogo, o
trágico enredo que entrega o País ao caos, não está encerrado. Diz um antigo
provérbio italiano: non destar
il cane che dorme. Não desperte o cão que
dorme.
Mino Carta nasceu na Itália e no Brasil desde 1946.Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital onde atualmente é Diretor de
Redação. Também foi o criador do Jornal da Tarde.
ATENÇÃO: as palavras na cor vermelha constam originariamente no texto, mas os destaques são deste BLOGUEIRO.
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