Uma nova frente de esquerda está em gestaçãopor André BarrocalO ex-ministro Roberto Amaral articula uma Frente Nacional Popular para conter o conservadorismo
Bettmann/Corbis/Latinstock, Valter Campanato/ABr,
Diogo Xavier, Saulo Cruz e Olga Vlahou
A campanha "O Petróleo É Nosso", lançada
há mais de 60 anos, uniu políticos, movimentos, intelectuais e personalidades
de diversas correntes e acabou vitoriosa graças a essa variedade de
integrantes. Seria possível repetir algo parecido hoje no Brasil para enfrentar
uma ofensiva conservadora que não se limita a pregar a repartição
do pré-sal com companhias estrangeiras, mas também o impeachment, a volta da ditadura, o
retrocesso em direitos sociais e trabalhistas? Há quem aposte
que sim e prepare o lançamento de uma reação por ora chamada de Frente Nacional
Popular.
A Frente deverá ganhar vida em junho, a partir de
um ato público. Entre seus articuladores circula um esboço de manifesto. Embora
o objetivo principal seja o de resistir à onda conservadora, o documento elenca
bandeiras propositivas. Prega-se a defesa da democracia e seu aprofundamento
pela reforma
política, o
fortalecimento da soberania nacional contra os efeitos da crise da Petrobras, a volta do
crescimento com distribuição de renda e sem arrocho fiscal, o combate às
desigualdades e a manutenção de direitos trabalhistas.
Um dos principais mentores é o cientista
político e ex-ministro Roberto Amaral, um dos fundadores do
Partido Socialista Brasileiro e colunista de CartaCapital. Para ele, assiste-se hoje no País a uma ofensiva da direita conservadora como não se via desde o governo
João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Tal avanço, diz Amaral, ameaça
conquistas sociais históricas e só pode ser detido por uma união de forças que não se limite a partidos,
pois estes estão sob suspeita da sociedade, a começar pelo PT. “Diante da
emergência reacionária, os partidos estão atônitos, sem resposta política”,
afirma. “A saída é uma frente de massa. Até para defender reformas profundas
que nossos governos não tiveram forças sequer para tentar.”
A ideia começou a germinar com inquietações surgidas logo
depois da eleição presidencial de outubro. O pedido do PSDB à Justiça Eleitoral
de uma auditoria nos votos obtidos por Dilma Rousseff provocou apreensões.
Deu uma pista sobre o tamanho e a gana do conservadorismo, mais tarde expressos
com clareza em passeatas pelo impeachment da presidenta e a favor da intervenção
militar. A apreensão aproximou intelectuais, políticos com e sem mandato, sindicalistas,
movimentos sociais e empresários, que começaram a se reunir a partir de
novembro, de forma discreta, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília. E
ganhou corpo durante um debate, em março, no Sindicato dos Professores do
Rio, do qual participaram Amaral, os ex-ministros José Gomes Temporão e Luiz
Dulci, o economista Theotonio dos Santos, o empresário Pedro Celestino e uma
série de acadêmicos.
Foi citada em público pela primeira vez em abril, quando uma
mesa-redonda no Clube de Engenharia, também no Rio, discutia a possibilidade de
a crise na Petrobras levar a uma invasão do País por petroleiras e empreiteiras
estrangeiras. O batismo provisório, sugestão do líder de um famoso movimento
social, despontou no dia seguinte, em um debate semelhante ocorrido no
sindicato paulista dos engenheiros.
Presidente do Clube de Engenharia e mediador
da mesa-redonda de abril, o empresário Francis Bogossian declara-se
“inteiramente de acordo com a ideia da Frente”. Foi por essa razão que ele
topou acolher debates sobre os rumos do País na entidade, condicionando apenas
que não fossem de caráter partidário. “Vemos nitidamente um movimento em prol
dos interesses estrangeiros”, avisa.
O caráter suprapartidário ficará nítido caso
se confirme a adesão do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC, hoje
crítico da oposição, e o jurista Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo. Não
é de hoje, os dois disparam contra a insurgência reacionária. Segundo
Bresser-Pereira, a distribuição de renda nos governos Lula e Dilma produziu um
ódio de classe contra o PT por parte dos ricos e de uma “classe média que virou
muito conservadora, infelizmente”. Ele aponta o fim do pacto nacional-popular
da era Lula. Lembo, que esteve no debate de abril no sindicato dos engenheiros,
repele o “Fora Dilma” e os clamores em prol da volta dos militares ao poder.
“Há uma coisa diabólica acontecendo no Brasil”, resume.
Um dos combustíveis da Frente, o desgaste do PT, é
reconhecido até por petistas. Não por acaso o ex-ministro e ex-governador Tarso
Genro tornou-se um aliado de primeira hora da proposta e tem se reunido com
frequência com Amaral. “A Frente é fundamental para neutralizar o antipetismo
instrumentalizado por setores reacionários. Por isso o PT não pode estar
sozinho, tem de estar ao lado de outras forças democráticas e populares”,
considera o deputado Alessandro Molon, outro participante das discussões.
O papel mais importante do
movimento, enxerga Molon, é enfrentar os retrocessos da Câmara dos Deputados,
que sob a regência do peemedebista Eduardo Cunha adotou uma pauta marcadamente
retrógrada, incluídas a terceirização total do mercado de trabalho, a revogação
do Estatuto do Desarmamento e a constitucionalização das doações empresariais
de campanha. “Os maiores riscos de retrocesso hoje estão na Câmara. Há
conquistas com as quais sonhamos, mas a situação da Câmara é tão grave, que
impedir retrocessos já será uma vitória.” A proposta da Frente mostra, enfim,
que uma ala progressista da sociedade decidiu reagir. Já era hora.
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