Assista Vídeo do STF no final deste artigo sobre o HC
Pedro Canário, via ConJur
Se
é recente o primeiro julgamento de mérito de habeas corpus da
Operação Lava-Jato pelo Supremo Tribunal Federal, o trabalho do juiz federal
Sérgio Fernando Moro, responsável pelos processos da operação, já é discutido
pelo STF e pelo Conselho Nacional de Justiça há alguns anos. Ao longo de sua
carreira, Moro foi alvo de procedimentos administrativos no órgão por d de sua
conduta, considerada parcial e até incompatível com o Código de Ética da
Magistratura. Todos os procedimentos foram arquivados e correram sob sigilo.
Entre
as reclamações há o caso em que ele mandou a Polícia Federal oficiar a todas as
companhias aéreas para saber os voos em que os advogados de um investigado
estavam. Ou quando ele determinou a gravação de vídeos de conversas de presos
com advogados e até familiares por causa da presença de traficantes no presídio
federal de Catanduvas (PR).
O
caso das companhias aéreas é famoso entre os advogados do Sul do Brasil. Ganhou
destaque depois que a 2ª Turma do Supremo mandou os autos do processo para as
corregedorias do CNJ e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para que
apurassem irregularidades. Um habeas corpus (95.518) alegava suspeição de
Sérgio Moro. O Supremo entendeu que não houve suspeição, mas que “há fatos
impregnados de subjeição” (clique aqui para
ler o acórdão).
Foi
um dos episódios da atribulada investigação sobre evasão de divisas para o
exterior conhecida como caso Banestado, nos anos 1990. Foi esse o processo que
deixou Sérgio Moro famoso e o levou às manchetes nacionais pela primeira vez.
Passo
a passo
O
HC rejeitado pelo Supremo pretendia anular a investigação por imparcialidade de
Sérgio Moro, o que o tornaria suspeito para julgar o caso. O processo ficou
famoso porque Moro decretou, em 2007, a prisão preventiva de um dos
investigados, que não foi encontrado no seu endereço em Curitiba. Estava no
Paraguai, onde também tinha uma casa.
Moro
não sabia. Por isso mandou a PF oficiar a todas as companhias aéreas e a
Infraero para ficar informado sobre os voos com origem em Ciudad del Este, no
Paraguai, ou Foz do Iguaçu, para Curitiba a fim de que se encontrasse o
investigado. Também mandou fazer o mesmo com os voos de Porto Alegre para
Curitiba, já que os advogados do investigado, Andrei Zenkner Schmidt e Cezar
Roberto Bittencourt, poderiam estar neles.
Segundo
o HC impetrado pelos advogados, Moro também expediu quatro mandados de prisão
com os mesmos fundamentos, todos revogados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região; determinou o sequestro prévio de bens do investigado por entender que
os bens apresentados por ele seriam insuficientes para ressarcir os cofres
públicos em caso de condenação.
“Magistrado
investigador”
O
HC foi rejeitado por quatro votos a um. A maioria dos ministros da 2ª Turma do
Supremo – por coincidência, colegiado prevento para julgar a “lava jato” –
seguiu o voto do relator, ministro Eros Grau, segundo o qual havia indícios de
subjetividade, mas nada que provasse suspeição ou parcialidade do juiz.
Quem
ficou vencido foi o ministro Celso de Mello. O decano do STF se referiu a
“fatos extremamente preocupantes”, como “o monitoramento de advogados” e o
“retardamento do cumprimento de uma ordem emanada do TRF-4”.
“Não
sei até que ponto a sucessão dessas diversas condutas não poderia gerar a
própria inabilitação do magistrado para atuar naquela causa, com nulidade dos
atos por ele praticados”, votou Celso. “O interesse pessoal que o magistrado
revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem à
ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca à disposição do poder
público, transformando-se a atividade do magistrado numa atividade de
verdadeira investigação penal. É o magistrado investigador.”
Moro
atua como “magistrado investigador”, disse ministro Celso de Mello, ao julgar
caso no STF.
Os
demais ministros argumentaram que todas as ordens de prisão expedidas por Moro
foram fundamentadas, embora posteriormente cassadas pelo tribunal, o que faz
parte do devido processo legal. Mas Celso de Mello respondeu que o problema não
é a ausência de fundamentação ou o conteúdo delas, mas “a conduta que ele [Moro]
revelou ao longo deste procedimento”.
O
ministro listou, ainda em seu voto, as normas que estariam sendo violadas pelo
juiz. Ele questiona: “[Ao negar o HC], nós não estaríamos validando um
comportamento transgressor de prerrogativas básicas? Consagradas não apenas na
nossa Constituição, mas em declarações de direitos promulgadas no âmbito global
pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos da pessoa Humana, de 1948, a
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos de 66, a Carta Europeia de Direitos Fundamentais, de
2000.”
O
ministro Gilmar Mendes discordou da decisão de anular a investigação, porque a
sentença condenatória foi mantida pelo TRF-4. Mas concordou que “todos os fatos
aqui narrados são lamentáveis de toda ordem”. O julgamento do HC terminou em
março de 2013, e dele participaram, além de Gilmar, Celso e Eros Grau, os ministros
Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki.
Sem
problema
A
Corregedoria de Justiça Federal da 4ª Região arquivou o caso, por entender que
os mandados de prisão foram fundamentados. Discuti-los seria entrar em seara
jurisdicional, o que não pode ser feito pela Corregedoria, um órgão
administrativo.
Sobre
o rastreamento das viagens, o vice-corregedor do TRF-4, desembargador, Celso
Kipper, entendeu “haver certo exagero na afirmação que o magistrado estaria
‘investigando a vida particular’ dos advogados. Não há qualquer indício de que
a vida particular dos advogados interessasse ao magistrado”. A decisão é de 1º
de dezembro de 2014.
O
CNJ também arquivou o pedido. A corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy
Andrighi, em fevereiro deste ano, entendeu que não poderia reanalisar uma
questão já debatida pela corregedoria local. Isso porque a Corregedoria
Nacional não é uma instância recursal.
Sem
sigilo
Outra
atuação célebre de Sérgio Moro é de quando ele foi juiz federal de Execução
Penal da Seção Judiciária do Paraná. Ele dividia o cargo com o juiz federal
Leoberto Simão Schmit Junior. Naquela época, a coordenação das execuções penais
federais era feita por juízes em regime de rodízio.
Reportagem da ConJur de
2010 mostrou que o monitoramento das conversas entre presos e advogados
acontecia no Paraná pelo menos desde 2007. As gravações eram feitas no
parlatório do presídio federal de segurança máxima de Catanduvas.
Foi
lá que ficou preso o traficante de drogas colombiano Juan Carlos Abadia e é
onde está o brasileiro Fernandinho Beira-Mar. Sob a justificativa de eles terem
uma grande rede de contatos em diversos lugares do mundo, os dois juízes de
execuções penais federais determinaram que fossem instalados microfones e
câmeras nas salas de visitas e nos parlatórios do presídio para que fossem
gravadas todas as conversas dos internos.
Eram
monitorados, portanto, todos os encontros dos presidiários. Segundo reclamação
feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao CNJ, os dois
juízes “autorizam e permitem a gravação de áudio e vídeo de conversas entre
presos e visitantes/familiares, inclusive advogados, de forma irrestrita e
aberta”.
De
acordo com a entidade, “a existência e funcionamento desses aparelhos ultraja
os direitos dos advogados de avistar-se, pessoal e reservadamente, com seus
clientes, violando, ainda, a própria cidadania, o Estado Democrático de Direito
e o sagrado direito de defesa”.
A
OAB chegou a oficiar os dois juízes de execução. E Moro respondeu, em 2009, que
a instalação desses equipamentos teve o objetivo de “prevenir crimes a prática
de novos crimes, e não interferir no direito de defesa”. Ele diz haver ordem
para que todo “material probatório colhido acidentalmente” que registre
contatos do preso com seu advogado seja encaminhado ao colegiado de juízes de
execução para evitar que as gravações sejam usadas em processos.
Estado
policial bisbilhoteiro
Moro
ressalva, no entanto, que “o sigilo da relação entre advogado e cliente não é
absoluto. Legítimos interesses comunitários, como a prevenção de novos crimes e
a proteção da sociedade e de terceiros, podem justificar restrição a tal
sigilo”. Ele se justifica com base em um precedente de uma corte federal
norte-americana, segundo o qual o sigilo das comunicações entre advogado e
cliente pode ser quebrado se ele for usado para facilitar o cometimento de
crimes.
Para
a OAB, a argumentação comprova que as gravações eram feitas sem base em
qualquer indício de crime, ou sequer investigação em curso. “É absurda e
teratológica a determinação judicial que impõe a gravação de todas as conversas
sem efetivar um juízo de individualização em relação a certos visitantes e
eventual participação dos mesmos na organização criminosa do preso. Ou seja, é
o Estado policial bisbilhoteiro chancelado pelas autoridades.”
O
Conselho Nacional de Justiça sequer analisou o pedido. A argumentação descrita
acima consta de uma Reclamação Disciplinar levada à então corregedora nacional
de Justiça, ministra Eliana Calmon. Mas, em 2011, ela arquivou a Reclamação com
base na decisão do plenário do CNJ de arquivar um Pedido de Providências sobre o
mesmo fato.
A
decisão era de que as gravações de conversas entre presos e advogados foram
feitas no âmbito de processos judiciais. O caso, portanto, esbarrou na
“incompetência do CNJ para rever questões já judicializadas”.
Havia
também um pedido para que o CNJ regulamentasse o monitoramento dos parlatórios,
que também foi negado. A ementa da decisão afirma que “providência sujeita à
análise de especificidades locais. Inviável a fixação de critérios uniformes”.
Hoje
a OAB prepara uma Ação Civil Pública para encaminhar à Justiça Federal. O
pedido será para que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do
Ministério da Justiça responsável pelos presídios federais brasileiros, se
abstenha de gravar os encontros entre presos e seus advogados.
Big
brother
A
investigação do caso Banestado levou Moro ao CNJ algumas vezes. Outra delas foi
quando a vara da qual ele era titular, a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba,
tocou a operação com o sugestivo nome de big brother.
O
apelido foi uma brincadeira com as iniciais do Banco do Brasil, o “irmãozão”
que, segundo a PF, “deu” milhões de reais a uma suposta quadrilha. Mas o
prolongamento de grampos telefônicos por pelo menos seis meses, aliado ao fato
de a operação ter sido inteiramente derrubada, lembra mais o Grande Irmão do
romance 1984, de George Orwell, um Estado totalitário que
bisbilhotava a vida privada de todos os cidadãos.
No
mais, foi um caso que entrou para os anais do Direito Penal. O Ministério
Público denunciou uma quadrilha pela prática de “estelionato judicial”, tipo
penal criado no ato do oferecimento da denúncia.
A
investigação tinha como alvo uma quadrilha supostamente montada para falsificar
liminares (daí o estelionato e daí o judicial) para sacar, junto ao Banco do
Brasil, títulos emitidos pela Petrobras e pela Eletrobrás. A operação nasceu
depois que um dos investigados na big brother sacou R$90 milhões em título
emitido pela estatal de energia.
Segundo
o advogado Airton Vargas, que defendeu um dos investigados, foi “tudo suposição
grosseira, sem indícios, com o uso da expressão ‘provável’”. No curso do
processo fiou provado que os títulos eram verdadeiros e que as decisões
judiciais de fato foram tomadas. E o tal do “estelionato judicial” foi
considerado conduta atípica num habeas corpus julgado pelo TRF-4.
Eliana
Calmon julgou que acusação contra Moro por permitir grampos por seis meses não
poderia ser rediscutida.
Outros
meios, mesmo fim
O
problema foi a condução da operação. Segundo Lagana, seu cliente ficou preso
preventivamente por 49 dias pela acusação de “estelionato judicial”. Antes
disso, teve a interceptação de seu telefone renovada por 15 vezes em 2005. Ou
seja, a PF ficou ouvindo suas conversas telefônicas por seis meses
ininterruptos, embora a Lei das Interceptações Telefônicas só autorize grampos
de 15 dias de duração, renováveis uma vez.
Há
discussão judicial sobre a possibilidade de mais renovações. Mas a reclamação
do advogado é que, se a acusação é de fraude a títulos de dívida e de
falsificação de decisões judiciais, não era necessário grampear telefone algum.
“Havia outros meios idôneos e recomendáveis para apuração de eventuais delitos
por parte do investigado, e o principal recurso era a diligência com a
Eletrobrás acerca da falsificação dos títulos cobrados judicialmente, o que foi
realizado apenas depois das interceptações e da prisão.”
A
Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região decidiu por arquivar a reclamação.
Entendeu que “não cabe qualquer atuação correcional pelo singelo motivo de a
matéria suscitada estar absolutamente vinculada ao exercício da jurisdição”.
O
caso chegou ao CNJ por meio de um recurso. E, segundo a corregedora nacional de
Justiça à época, ministra Eliana Calmon, o pedido não se enquadrava em nenhum
dos casos descritos pelo Regimento Interno do Conselho para autorizar
rediscussão da matéria.
Assista
o julgamento do HC 95.518 – alegando a suspeição de Sérgio Moro – pela 2ª Turma
do STF acessando www.youtube.com/embed/VUa7u-HVTMA
Fonte Blog:
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