Sobrevivi
Americanos e europeus ainda estão acostumados a
mandar
Há
poucos dias, o governo brasileiro, em nota oficial, divulgou a minha designação
para Vice-Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento. Agora posso falar sobre
o assunto. Na verdade, era um segredo de polichinelo; a informação já havia
vazado para tudo quanto é lado. Quando veio a nota oficial, a repercussão foi
bem modesta.
É
sempre assim, leitor. O jornalista sempre quer publicar, de preferência, o que
o governo não quer divulgar. O que é off the record ganha manchetes. O que é
oficialmente divulgado permanece rigorosamente inédito.
Mas,
enfim, estou de mudança para Xangai no início de julho, em menos de um mês
portanto. Nelson Rodrigues dizia que brasileiro não pode viajar. O brasileiro,
a caminho do Galeão, já na Avenida Brasil, adquire automaticamente um descarado
sotaque espiritual. Se o grande cronista tinha razão, a minha nacionalidade
deveria estar em avançado estado de decomposição.
Em
março de 2007, quando estava preparando as malas para Washington, publiquei um
artigo sob o título “Escrevam, reclamem!”, no qual
antecipava as dificuldades que teria no FMI e discorria sobre o adestramento
das elites dos países em desenvolvimento na capital do Império — esta cidade de
onde ora vos escrevo outra vez, mais de oito anos depois.
Sobrevivi.
Não diria intacto, claro. Tive que enfrentar umas barras e tenho as minhas
cicatrizes. Mas lutei. Lutei para que o Brasil, aquele Brasil idealizado, que
só existe no coração de alguns brasileiros, pudesse se orgulhar um pouco de
mim.
Exagero?
Só quem passou alguns anos em Washington ou qualquer outra cidade importante no
mundo desenvolvido pode ter noção completa das dificuldades com que se defronta
um subdesenvolvido quando transplantado para o centro do sistema internacional
de poder. A verdade, leitor, é a seguinte: americanos e europeus ainda estão
acostumados a mandar, acreditam que têm o direito de mandar, que não há outra
solução. E ponto final.
O
subdesenvolvido quando chega por aqui se defronta, portanto, com a seguinte
disjuntiva: ou adere, sem qualquer restrição e objeção, acompanhando mansamente
as diretrizes do Ocidente, ou será considerado um elemento hostil, um estranho
no ninho.
Alguém
perguntará: mas não há meio-termo? Não, infelizmente não. Conformismo total é o
que se espera de um periférico que aporta por aqui. E subdesenvolvido que não
conhece o seu lugar é caçado a pauladas, feito ratazana prenhe, diria Nelson
Rodrigues (outra vez esse homem fatal!).
Ah,
mas o subdesenvolvido que se acomoda, este pode ter uma boa vida por aqui.
Depois de um período de experiência, é acolhido como membro leal de um clube
confortável, com saunas, piscinas e toalhas felpudas — membro de segunda
classe, é verdade, sem direito de decidir, mas membro mesmo assim.
Quero
acrescentar um elemento importante a essa pequena fábula. O brasileiro não é
dos piores. A subserviência internacional encontra muitos representantes mais
entusiasmados e mais convictos. O brasileiro tem os seus escrúpulos, os seus
arroubos, os seus surtos de independência. O Brasil, afinal, é um grande país —
ainda que nós, brasileiros, não estejamos sempre à sua altura.
Paulo Nogueira
Batista Jr.é carioca, economista, professor e pesquisador da
Fundação Getúlio Vargas em São Paulo desde 1989. Foi secretário especial de
assuntos econômicos do Ministério do Planejamento em 1985-86, durante a gestão
de João Sayad, e assessor para assuntos de dívida externa do ministro da
Fazenda, Dilson Funaro, em 1986-87. Chefiou o Centro de Estudos Monetários e de
Economia Internacional da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro de 1986 a
1989. Foi pesquisador visitante no Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo entre 1996 e 1998 e, novamente, entre 2002 e 2004. Em fevereiro de 2007 foi indicado para representar o Brasil, e mais dez países, no Cargo de Diretor-Executivo do FMI - Fundo Monetário Internacional.
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