quarta-feira, 27 de março de 2013

Um presente aos que tem mais de sessenta !!!

Do livro “cartas da mãe”, página 13 editado pela CODECRI, do Rio de Janeiro em 1980.
Para os leitores da Revista IstoÉ, nos idos de 1977, 1978, 1979 e 1980, Henrique de Souza Filho, mais conhecido como HENFIL, escrevia semanalmente na última página da revista. Eis uma delas.


cartas da mãe

Mãe,
                Deixei passar uma semana de propósito para comentar com a senhora a coisa. Agora que esfriou a cabeça do mundo, podemos comentar.
                Quando liguei a televisão naquela sexta-feira, vi que o presidente Geisel não me olhava nos olhos. Olhava mas era como se não me conhecesse. A senhora sabe como eu sou desapontado, não é? Abaixei os olhos e fiquei escutando.
                Ele começou a falar e logo ficou nervoso com a gente. Teve hora que fiquei com medo, mãe. Parecia que ele estava gritando com a gente. Aí percebi que ele estava falando num volume normal. Mas a impressão que dava é que ele estava gritando muito com a gente. Aí me lembrei do papai. De quando o papai ralhava conosco. Minha cabeça ficava grande e a bexiga apertava. Foi assim, mãe. O presidente ralhando com a gente.
                Quando Geisel acabou de ralhar e saiu, eu continuei ali na frente da televisão. Fiquei esperando, lembrando do papai, que, depois que ralhava, às vezes voltava e me dava um coque na cabeça de brincadeira. Para reatar as pazes. Aí eu fingia de emburrado pra não perder a moral e saía de alma levinha: papai ainda gosta de mim! Fiquei esperando o presidente voltar na televisão e me dar um coque e dizer: 1º de abril!
                Não voltou. Desliguei a televisão com a orelha ardendo. Desapontado. Eu ia ao cinema e achei melhor não ir. Me lembrei que, quando papai ralhava com a gente, ficava suspenso o cinema por uma semana.
                A bênção do seu filho.
                                                                                              Henfil

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