Um conto persa
para o juiz Sérgio Moro: a condenação dos pintos
Certo dia, um ladrão, em ocasião
propícia, foi informado de que o rico Djelal-ed-Din, mercador em Chiraz, havia
conduzido para casa uma considerável soma destinada às festas com o casamento
da sua filha, Zuleika, e resolveu apropriar-se de uma parte desse tesouro. Para
entrar na casa era preciso, porém, saltar um muro muito alto e, nessa
ginástica, o salteador caiu e fraturou uma perna. Arrastando-se, ele foi
queixar-se ao cádi, o juiz local, que mandou chamar à sua presença o rico
Djelal-ed-Din.
— Por que, filho de um cão, fizeste
um muro tão alto em torno do seu jardim, que este pobre ladrão quebrou uma
perna ao tentar saltá-lo? – indagou o magistrado.
— Sombra de Deus sobre a terra, que
seja eu sacrificado sobre o altar da tua prosperidade! Mas se o muro que cerca
o meu jardim é tão alto, a culpa não é minha; é que o empreiteiro o levantou
mais do que eu desejava. Ele me cobrou tal preço por esse trabalho que tive de
vender parte dos meus bens para pagá-lo, chegando quase a arruinar-me.
— Que se faça vir à minha presença o
empreiteiro! – ordenou o cádi.
— Por que, filho de um cão, por que
construíste um muro tão alto em torno do jardim de Djelal-ed-Din, de modo que
ele teve as maiores dificuldades em pagar-te, e que esse desventurado ladrão,
ao saltá-lo, quebrou a perna? – gritou-lhe.
— Sombra de Deus sobre a terra, que
seja eu imolado sobre o altar da tua prosperidade! Mas foi meu pedreiro que
assim elevou o muro, no qual empregou tanto material que, não obstante o preço
que cobrei de Djelal-ed-Din, fiquei quase na miséria.
— Que se faça vir o pedreiro à minha
presença! – respondeu o juiz.
— Por que, filho de um cão, elevaste
o muro de tal forma, que teu patrão, o empreiteiro, se arruinou, não obstante o
preço cobrado de Djelal-ed-Din, o qual, por seu turno, viu o seu patrimônio
diminuído por essa enorme despesa, e de modo que esse infortunado ladrão
quebrou uma perna?
— Sombra de Deus sobre a terra, que
eu seja sacrificado no altar da prosperidade! Mas quando eu estava construindo
esse muro, vi no jardim uma mulher tão bela, com o rosto descoberto, que fiquei
fascinado e perdi a razão. E pus tijolo sobre tijolo, sem me aperceber, e se
tivesse mais material, mais teria posto no atordoamento daquele espetáculo de
mulher!
— Que me tragam essa mulher! –
determinou o cádi.
— Por que, mulher impura, foste tu
passear no jardim de Djelal-ed-Din, com o rosto descoberto como uma
amaldiçoada, mostrando a tua face a este humilde operário, que, tendo por isso
perdido a calma, construiu um muro tão alto que arruinou o seu empreiteiro,
empobreceu Djelal-ed-Din, e provocou o deplorável acidente de que se queixa
esse desventurado ladrão?
— Sombra de Deus sobre a terra, que
eu seja sacrificada no altar da tua prosperidade! Mas eu pensava não me tornar
criminosa, eu Zuleika, filha de Djelal-ed-Din, dando inocentemente, no jardim
do meu pai, comida aos meus pintos!
— Que tragam os pintos à minha
presença! – ordenou o juiz!
E mandou torcer o pescoço dos pintos.

Osvaldo Bertolino
É jornalista e escritor.
É paranaense nascido em Maringá, noroeste do
estado.
Foi diretor de imprensa do Sindicato dos
Metroviários de São Paulo.
Foi assessor de imprensa na Câmara dos
Vereadores de São Paulo
e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Escreveu os livros Testamento de luta
- a vida
de Carlos Danielli (2002)
e a primeira edição
da biografia de Maurício Grabois (2004).
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