A lição de bons modos que Alckmin deu a Míriam
Leitão
por Paulo Nogueira
Meu pai, Emir Macedo Nogueira,
estudou latim.
Era um conhecedor profundo do
português. Durante anos, ele manteve na Folha de S. Paulo uma coluna chamada A
Língua Nossa de Cada Dia, em que abordava o português do cotidiano das pessoas.
Papai costumava dizer que a língua
portuguesa é, acima de tudo, generosa. Há poucos pontos em que ela é
irredutível, e não dá alternativas a quem a usa.
Lembro que certa vez, muitos anos
atrás, meu pai falou sobre o uso de presidente ou presidenta para a líder
argentina Isabelita Perón.
As duas formas, explicou meu pai, são
aceitáveis e defensáveis, e ali estava um pequeno exemplo da generosidade do
português.
Fiz este introito porque soube, por
meu irmão, que Míriam Leitão, numa entrevista, encrencou com Alckmin porque
ele se referiu a Dilma como “presidenta”.
Míriam Leitão, que até então cumulava
Alckmin de sorrisos e engoliu passivamente todos os números que ele lhe enfiou
para tentar explicar a seca de São Paulo, ficou brava com o “presidenta”.
Segundo ela, quem chama Dilma de
presidenta é petista. Me pareceu que ela fez uma careta ao falar “petista”, mas
pode ter sido impressão apenas.
Alckmin, com sua mediocridade
simpática e sorridente, se saiu muito bem. Disse que chama as pessoas como elas
gostam de ser chamadas.
Se a série confusa de estatísticas
que ele apresentou para Míriam Leitão não resolve a falta de água dos
paulistas, sua atitude civilizada ao explicar por que “presidenta” merece
aplausos.
Míriam Leitão, em compensação, faz jus
a vaias de pé.
Se a língua portuguesa é generosa,
como falava um dos jornalistas que a conheciam com mais profundidade, Míriam
Leitão mostrou pequenez e mesquinharia.
Os jornalistas que decidiram chamar
Dilma de “presidente” têm, vamos ser francos, razões muito mais ideológicas do
que vernaculares.
Eles são mais versados no
“odiojornalismo”, para usar a expressão da pesquisadora Ivana Bentes, do que no
português.
Não estão protegendo a língua com o
“presidente Dilma”. Estão atacando Dilma, gratuita e maldosamente.
Imagine, apenas a título de
exercício, que a mulher de Roberto Irineu Marinho assume a presidência da
Globo.
Pense agora que ela gostaria de ser
tratada como “presidenta”.
Como Míriam Leitão se dirigiria a
ela?
Fiquemos em Roberto Irineu. Digamos
que ele queira que o tratem não como presidente da Globo, mas como CEO. E
então, como os bravos jornalistas da Globo se refeririam ao chefe? Numa confusa
justificativa, Míriam Leitão disse que “presidente Dilma” é “mais normal” que
“presidenta Dilma”.
E “CEO Roberto Irineu Marinho”, caso
ele decidisse adotar esse título: é “menos normal”? Míriam Leitão, em nome
dessa abstrusa normalidade, insistiria em dizer “presidente Roberto Irineu”?
Alckmin deu uma lição de boas maneiras
não apenas a Míriam Leitão, mas a todos os jornalistas que só chamam Dilma de
“presidente” para importuná-la.
Faltam bons modos a eles — e também
conhecimento de português para sustentar seu déficit civilizatório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário