segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Cobertor Curto e Conflito Distributivo ! ! !

Cobertor Curto e Conflito Distributivo

Por Fernando Nogueira da Costa
No segundo turno, Dilma foi eleita com 51,64% dos votos contra Aécio. Foi um resultado quase idêntico ao da eleição de Hollande contra Sarkozy (51,62%) e de Obama contra Romney (51,42%). Estas polarizações, de fato, parecem representar “rachas ideológicos” tanto dos eleitores brasileiros, quanto dos franceses e norte-americanos. Em situação de crise mundial que afeta a todos, quando ocorre um bipartidarismo, como aqui no segundo turno, na França e nos Estados Unidos, a disputa recai na ideologia fundamental de cada eleitor. O que ainda não foi explicado pelos cientistas políticos é porque racha quase “meio-a-meio”, tipo para cada eleitor existe um igual e contrário…
Uma primeira dedução é que não houve o anunciado “fim das ideologias” no mundo. Por mais que muitos eleitores não consigam fazer uma declaração firme a respeito, mesmo porque muitos nem conseguem definir, claramente, o que entende por “direita” e “esquerda” política, o fato revelado é que “yo non creo en brujas, pero que las hay, las hay…”
Em outras palavras, na hora de votar, aparecem determinantes ideológicos além dos fatores convencionais: classe de renda, nível educacional, gênero, religião, região, metrópole X interior, etc. Os aspectos ideológicos (e grau de abrangência nacional) dos partidos políticos e suas militâncias tornam-se mais evidentes.
Contra essa clarividência, é despolitizada a crítica aos discursos de ódios (e desconstruções de falsas imagens públicas) que vieram à tona na campanha eleitoral, principalmente, por parte da militância virtual das redes sociais. A cisão entre os pitboys do Leblon e os pichadores do prédio da Veja reflete, respectivamente, coxinhas neoliberais e extremistas black-blocs que estiveram em suposto conluio durante as passeatas de junho de 2013.
Deu em que essas passeatas? A direita perdeu o pudor e ficou sem-vergonha de “sair do armário” 30 anos depois do fim da ditadura militar que sustentou – e foi por ela sustentada. Os participantes da passeata golpista pós-eleitoral na Avenida Paulista são uma minoria que necessita ser, mais uma vez, isolada e condenada pelos democratas, seja à esquerda, seja à direita. Constituem crime as ameaças públicas de atentados violentos contra a Presidenta da República. Entretanto, os colunistas da imprensa golpista também (ab)usam, diariamente, do direito de livre expressão para incitar esses direitistas – e atentar contra a própria democracia que lhes concede essa liberdade!
Marcos Nobre louva o acirramento da luta de classes que leva a uma definição ideológica mais clara. Acha que a candidatura da Dilma é nitidamente de esquerda, porém seu governo de coalizão partidária não pode ser classificado de esquerda, pois tem partidos extremamente conservadores em sua base congressual.
Logo, surge, naturalmente, a pergunta: é possível governar só com a esquerda parlamentar? Ele, sem contar pragmaticamente os votos dos deputados, acha que sim. O “escândalo do Mensalão” é uma prova que não. A partir dele, quando a CUT ameaçou ir às ruas com o “mexeu com Lula, mexeu comigo”, que as ameaças parlamentares de impeachment se encerraram. No segundo mandato de Lula (e no primeiro de Dilma), predominaram as barganhas partidárias inclusive nas diretorias das empresas estatais. Estamos agora vendo o resultado na corrupção.
O peemedebismo, bloco conservador, domina o Congresso. Porém, a sociedade não enxerga nele a representação direta de seus interesses concretos. A diretriz que sustentou o imaginário oposicionista foi que, “enquanto não for possível que todo mundo melhore ao mesmo tempo, então que todo mundo fique parado onde está, sem perdas nem perdedores”.
O discurso liberal-conservador prega que, nessas circunstâncias de crescimento zero de renda, melhorias adicionais de padrão de vida não devem vir mais do Estado, via políticas públicas, mas unicamente de conquistas individuais baseadas no esforço e mérito reconhecidos por viés de auto validação dos próprios pares. Essa é a visão individualista da direita democrática que votou no Aécio Neves.
O eleitorado de Dilma Rousseff, segundo Marcos Nobre, se divide em dois grandes grupos. Os eleitores indigentes votaram nela para a manutenção do pouco que conseguiram; os emergentes porque acreditaram que a candidata poderia lhe dar condições para consolidar sua recente ascensão social. Esse imaginário situacionista do medo tem sua lógica na base material dos eleitores.
O problema dessa análise com base no materialismo é que desemboca no economicismo rasteiro da hipótese do “cobertor-curto”: “não está mais à vista a possibilidade de que alguém melhore sem que alguém piore”. Não se atenta para o fato que o baixo crescimento da renda em 2014 foi função da prioridade colocada no combate à inflação, com a retomada do crescimento da taxa de juros básica, inclusive porque a elevação da taxa de inflação tem maior peso político-eleitoral desfavorável do que a baixa da taxa de desemprego tem de favorável.
Mas a alta taxa de juros, em tese, atende parcialmente às reclamações dos rentistas para evitar sua “eutanásia” provocada pelo risco da taxa de inflação ultrapassar o juro prefixado. Os mais ricos pedem ainda o aumento do superávit primário, inclusive à custa de corte de gastos sociais, para garantir a solvabilidade do Tesouro Nacional, isto é, sua capacidade de honrar o risco soberano oferecido pelos títulos de dívida pública que lastreiam a maior parte da riqueza financeira no Brasil.
Na realidade, o cobertor não está tão curto para justificar a hipótese do acirramento do conflito distributivo pela riqueza. A renda do trabalho pode estar crescendo menos no presente, mas o rendimento do capital está crescente. A oposição ao Governo Social-Desenvolvimentista é, fundamentalmente, ideológica e radical de raiz: antipetista (assim como era anticomunista no passado), conservadora, direitista, parte democrática, parte golpista.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Livre-Docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012).http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Nenhum comentário: