Os sentidos da
Operação Lava Jato: devolve, Gilmar!
acorda, mané
A promiscuidade entre política e mundo
dos negócios produz enormes prejuízos para a democracia: além da corrupção, dá
poder às empresas de eleger candidatos e conseguir maioria no Congresso
Os grandes esquemas de corrupção
— que sempre são apresentados pela cobertura jornalística, de forma falaz,
como se fossem apenas uma espécie de degeneração moral de determinadas pessoas
—geralmente associada ao partido que está no governo, revelam-se no caso da
Lava Jato como o que realmente são: um componente fundamental de um sistema
econômico e político controlado não por funcionários corruptos, mas pelas empresas corruptoras.
Repassemos alguns dados.
As empreiteiras investigadas são nove:
OAS, UTC, Queiroz Galvão, Odebrecht, Camargo Corrêa, Iesa, Galvão Engenharia,
Mendes Junior e Engevix.
Juntas, elas têm contratos com a
Petrobras de 59 bilhões de reais. Só no Rio de Janeiro, três
dessas empreiteiras (OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht) participam, associadas em
diferentes consórcios, das dez maiores obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas
(linha 4 do metrô, Maracanã, Parque Olímpico, Transcarioca, Transolímpica,
Porto Maravilha etc.) por um valor total de 30 bilhões. Elas têm contratos com
governos de quase todas as cores. Várias delas também participam da privatização
dos aeroportos e das obras do PAC, do governo federal, mas também das obras do
metrô de São Paulo, envolvidos num caso de corrupção pelo qual é investigado o
governador Geraldo Alckmin, que também recebeu dinheiro de empreiteiras para
sua campanha.
Com negócios diversificados e
participação em diferentes escândalos de corrupção, a lista das empreiteiras
mais importantes do País é liderada pela Odebrecht que, segundo o ranking da
revista O Empreiteiro, tem um faturamento de 5.292 bilhões de
reais.
Você sabe quanto dinheiro “doou” essa
empresa para diferentes partidos e candidatos nas últimas eleições? Mais de 30
milhões de reais! A Odebrecht doou para todos os seguintes partidos: PSDB, PT,
PSB, PMBD, PP, DEM, PCdoB, PV, Solidariedade, PROS, PRB, PSD, PPS, PSC, PCdoB,
PTC e PSL. Eles doaram 2,95 milhões para a campanha da Dilma, 2 milhões para a
campanha do Aécio e 500 mil para a campanha de Eduardo Campos (depois somou
quase 50 mil a mais para a campanha da Marina), mas também para candidatos a
governador e deputado e para os comitês financeiros e as direções nacional e
estaduais de diferentes partidos.
De todos os partidos que elegeram
representantes para o Congresso Nacional, o único que não recebeu dinheiro
de nenhuma das empreiteiras investigadas (aliás, de nenhuma empreiteira!)
foi o PSOL. Sim, foi o único!
A segunda maior empreiteira do ranking,
com um faturamento de 5.264 bilhões, é a Camargo Corrêa, que doou, por exemplo,
1,5 mi para o DEM. A empreiteira Queiroz Galvão fez doações de campanha por mais
de 50 milhões, beneficiando candidatos de 15 partidos, entre os quais o PT, o
PSDB, o PMDB, o DEM e o PSB. Também doaram 200 mil reais para a campanha do
nanico pastor Everaldo.
Outra campeã das doações foi a OAS, com
uma generosidade política de mais de 52 milhões que beneficiou Aécio, Dilma,
Marina e candidatos de 12 partidos. A UTC fez doações de 34 milhões e também
foi ampla na distribuição, beneficiando a 11 partidos, entre os quais estavam
os mais importantes da situação e da oposição. E por aí vai. Todas elas estão
envolvidas na investigação da Polícia Federal.
Alguns candidatos não recebem dinheiro
de uma determinada empresa de forma direta, mas essa empresa doa para o comitê
do partido, ou para sua direção nacional ou estadual, que por sua vez faz uma
doação ao candidato. Ou então a empresa pode doar para um candidato a deputado,
que depois faz uma doação para o candidato a presidente, ou vice-versa. Algumas
empresas têm diferentes denominações, cada uma com um CNPJ distinto. Mas a
quantidade de dinheiro que sai da União, dos Estados e dos municípios e vai
para as empreiteiras mediante contratos para obras públicas, e que sai das
empreiteiras e vai para os candidatos e seus partidos, é imensa. E essa promiscuidade entre política e mundo dos negócios
produz enormes prejuízos para a democracia.
O problema não é apenas a corrupção
direta, a propina e a lavagem de dinheiro. É também o poder que essas empresas
têm para desbalancear o sistema democrático, apoiando determinados candidatos e
candidatas com quantias absurdas de dinheiro que fazem com que os e as
concorrentes de outros partidos tenham pouquíssimas chances de vencer, a não ser que
entrem no esquema.
Nas últimas eleições, 326 parlamentares tiveram suas campanhas
financiadas por empreiteiras (nenhum do PSOL!). E, entre eles, 255 receberam
dinheiro das envolvidas na operação Lava Jato. Façamos as contas. Os candidatos
das empreiteiras são maioria no Congresso! Dentre eles, 70 deputados e 9
senadores são citados nas investigações. E há governistas e opositores —
inclusive petistas e tucanos (mas alguns jornais e revistas citam apenas os petistas).
O financiamento empresarial das
campanhas favorece esse esquema e prejudica os que não querem fazer parte dele.
Eu fui o sétimo deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro, com
144.770 votos, e a receita total da minha campanha foi de 70,892.08 mil reais em doações físicas, sendo
que, destes, 14 mil correspondem a trabalhos de voluntários. Não recebi (e nem quero!) um centavo das
empreiteiras.
Agora vou dar um exemplo contrário:
deputado Eduardo Cunha, que teve 232.708 votos e foi o terceiro mais votado do
estado, declarou uma receita de mais de 6,8 milhões de reais! Sim, você leu bem:
quase 7 milhões. Os diretórios nacional e estadual do PMDB, seu partido, que
também doou dinheiro para ele, receberam “ajuda” da OAS (3,3 milhões), da
Queiroz Galvão (16 milhões), da Galvão Engenharia (340 mil) e da Odebrecht (8
milhões). O PMDB governa o estado que dá a algumas dessas empreiteiras obras
públicas milionárias. Isso sem falar dos bancos, empresas de mineração, shoppings
e outros empreendimentos que depositaram na conta de Cunha.
Vocês percebem como o é injusto e
antidemocrático que um candidato honesto, que conta apenas com doações de
amigos, militantes e simpatizantes, contra outro que recebe quase 7 milhões de
bancos e empreiteiras? Vocês percebem como isso faz com que nosso poder, eleitor, seja cada vez menor, e
com que o poder da grana se imponha cada vez mais?
Agora pense no seguinte: Eduardo Cunha pode ser o próximo presidente da
Câmara dos Deputados! Ele é um dos cérebros da bancada fundamentalista, foi o grande
articulador da presidência da CDHM para o pastor Marco Feliciano e é o
porta-voz do que há de mais reacionário, retrógrado, conservador e antipopular no Congresso. Algumas pessoas acham
que o grande vilão da direita é Jair Bolsonaro, mas na verdade, ele é apenas um
personagem caricato, bizarro, que tem mais holofotes do que merece. O
verdadeiro poder radica em personagens menos conhecidos, como Cunha, que se
mexem nas sombras. E as doações milionárias entram na conta dele.
Mas eu comecei dizendo que tudo o que
está acontecendo em torno da operação Lava Jato poderia ser uma oportunidade
excepcional para discutir seriamente o problema da corrupção no Brasil e a
forma com que ela prejudica a democracia. Poderia ser, mas não está sendo. A
maioria da imprensa e alguns líderes da oposição com espaço na mídia está
tentando passar a impressão de que se trata, apenas, de um novo “escândalo de
corrupção do PT”.
Delegados e fontes do judiciário
ligadas a partidos de direita vazam de forma seletiva informações que envolvem apenas
os corruptos petistas, mas escondem as que poderiam prejudicar os corruptos tucanos ou de outros partidos. Tudo passa a
ser “culpa da Dilma, do Lula e dos petralhas”. E o PSDB e seus aliados da
direita tentam se apropriar da operação e se apresentar como os paladinos da
moral e da honestidade que querem nos livrar dessas mazelas. Hipócritas!
É claro a corrupção na Petrobras
durante os governos petistas que tem que ser investigada — mas também durante os governos tucanos e os
governos anteriores aos tucanos! É claro que temos que investigar todos os
funcionários e parlamentares envolvidos nos esquemas, seja do partido que
forem. O PT e seus aliados têm uma enorme responsabilidade nisso tudo. Mas
enquanto pensarmos na corrupção apenas como uma sucessão de casos particulares
e olharmos para ela apenas como um problema moral seremos como aquele
personagem da publicidade “Sabe de nada, inocente!”. O escândalo está sendo
instrumentalizado por uma parte da imprensa não apenas para atacar o governo,
mas também para colocar a Petrobras no alvo de discursos privatizadores! Ou seja, a questão é
muito mais complexa!
Por isso, e se realmente quisermos
fazer algo que tenha impacto real contra a corrupção, o primeiro passo é acabar
com o financiamento empresarial de campanha. A OAB apresentou no Supremo
Tribunal Federal uma ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) para
proibi-lo, e tem todo o apoio do PSOL. Seis dos onze ministros já votaram
favoravelmente, mas o ministro Gilmar Mendes, Advogado Geral da União durante a
presidência de Fernando Henrique Cardoso, pediu vistas do processo em abril
desse ano e, desde então, nada fez a respeito.
Diversos movimentos sociais e políticos
lançaram a campanha #devolvegilmar, para que o ministro conclua suas vistas e
permita que ela seja julgada. O fim do financiamento empresarial de campanhas
deveria ser, também, um dos principais eixos da reforma política que o Brasil
precisa. Porque com um Congresso cujos integrantes foram financiados pelas principais empreiteiras
envolvidas nesses esquemas, não haverá “CPI das empreiteiras”, da mesma forma
que não avançará a CPI da Petrobrás. Tudo será tratado como mais um escândalo.
Se quisermos que a corrupção deixe de
ser, apenas, o tema favorito das manchetes de jornal, e passe a ser combatida
de forma realista e eficaz, sem hipocrisia, precisamos produzir reformas
estruturais no sistema político e econômico e não apenas fazer
julgamentos morais partidarizados. Precisamos cortar um dos principais rios de dinheiro que corrompe a
política e, ao mesmo tempo, diminui o poder dos eleitores, transformando os
governos e o Congresso em reféns dos interesses de um pequeno grupo de
empresários com negócios bilionários.
Devolve, Gilmar! Vamos falar sério dessa vez!
ATENÇÃO: as
palavras na cor vermelha
constam no texto originariamente, mas os destaques são deste BLOGUEIRO.
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