Ex-editor de Veja e Época narra a necropsia do
jornalismo brasileiro.
"Jaz nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim", diz o jornalista Luís Costa Pinto, autor da célebre entrevista com Pedro Collor, ao se referir ao pedido formulado por um delegado para que o ex-presidente Lula seja ouvido no âmbito da Lava Jato; "Por que isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de manhã? E por que vaza para Época? E por que vaza para um repórter específico que já tem um contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em razão de outras reportagens? E por que os jornalistas que nas últimas horas ecoaram esse expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal não fizeram, ainda, essas perguntas? Por que o texto original do furo em Época não traz, já, uma série de respostas a esses porquês?", questiona Costa Pinto.
Necropsia de uma instituição
Por Luís Costa Pinto, em seu Facebook
Jaz nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim.
Morreu em decorrência da falência
de múltiplos órgãos. Nos momentos derradeiros a bile começou a irrigar a cabeça
de muitos, e ali já não havia cérebro – o fígado se instalara no crânio de
“jornalistas” e de seus “chefes”.
O necrológio do jornalismo brasileiro
está escrito em cifras e códigos nas entrelinhas daquilo que não se perguntou,
que não se escreveu e que não se analisou nos textos que informam a existência
de um pedido de um delegado federal para ouvir o ex-presidente Lula no âmbito
dos inquéritos da Lava-Jato.
Não acho que Lula ou qualquer outro
ex-presidente, autoridade ou ex-autoridade seja intocável e não esteja passível
de prestar contas do que fez. Mas tenho convicção que tudo deve seguir o rito
institucional. E ser jornalista, ser imprensa, obriga a que todos se atenham
aos ritos. Aos ritos.
O delegado infere, presume, supõe, crê, acha, enfim, que o esquema de corrupção
ora em apuração serviu para beneficiar a sustentação política dos governos
liderados por Lula. Mas será que só ele, genial, acha isso? É óbvio que, ao
ouvir de forma isenta as delações, ao ler as narrativas publicadas, cada um de
nós infere, supõe, crê, acha a mesma coisa. Isso é motivo para um delegado
federal dirigir-se à Corte Suprema para pedir a oitiva de um ex-presidente?
Descontadas as inferências, presunções,
suposições, crenças, achismos, implicâncias e partidarismos, enfim, há algo
realmente concreto donde se possa depreender uma orquestração criminosa
promovida por Lula?
E, se houvesse, não seria natural e esperado que tais
demandas saíssem para conhecimento público a partir da força-tarefa da
Lava-Jato em Curitiba – cuja competência técnica parece ser acima da média e
vem sendo comprovada dia a dia com o alto percentual de confirmação de seus
atos no Supremo?
E não tendo Lula qualquer foro privilegiado, afinal
ex-presidentes não têm foros privilegiados, por que um delegado federal de
Brasília faz um pedido ao Supremo Tribunal Federal para investigar Lula se o
caminho natural e próprio seria pedir isso ao juiz Sérgio Moro, que conduz os
julgamentos da Lava-Jato em Curitiba?
Por que isso ocorre em Brasília?
E por que vaza numa sexta-feira de
manhã?
E por que vaza para Época?
E por que vaza para um repórter
específico que já tem um contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em
razão de outras reportagens?
E por que os jornalistas que nas
últimas horas ecoaram esse expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal
não fizeram, ainda, essas perguntas?
Por que o texto original do furo em
Época não traz, já, uma série de respostas a esses porquês?
Por que o texto inaugural do caso, no
site de Época, não põe o delegado federal respondendo se ele acha que inventou
a pólvora que pode implodir de vez a biografia de Lula? Se ele crê que só ele
acha tudo aquilo.
E por que, sendo delegado federal, não
se dirigiu a Sérgio Moro? Aliás, o juiz Moro, que fala pouco e parece
sentenciar bem, poderia abrir uma exceção e se pronunciar sobre esse pedido.
A ressaca desse assaque pode ser
devastadora para quem deseja ver o cadáver do ex-presidente Lula exposto,
esquartejado, nos postes da Esplanada dos Ministério e participar da salga dos
escombros do Sindicato dos Metalúrgicos e da sede do PT em São Paulo.
E se o Ministério Público achar que
esse pedido é descabido?
E se, mesmo tendo seguimento no STF, os
ministros da Corte decidirem que o pedido é esdrúxulo?
E, pior para os advogados do quanto
pior melhor: e se Lula for absolvido, inocentado?
Um Lula inocentado, solto nas ruas, não
seria bem pior que um Lula suspeito para quem tanto o teme?
E para os que tanta ojeriza a ele
professam e confessam numa evidente expressão de inveja biográfica?
De recalque de classe?
Estamos numa República em que há
lavanderias de dinheiro em escala semelhante à existência de abatedouros
clandestinos de reputações.
Vivemos num país em que parte de uma
imprensa que agoniza em praça pública revogou a missão de questionar, de
investigar, de fazer as perguntas mais tortuosas às fontes mais amigas a fim de
brilhar intensamente por fugazes 15 segundos.
E creiam: aqui grassa também a lavagem
de fatos. Ela se dá quando, esgotadas as possibilidades de se demonstrar a
veracidade de uma apuração, costura-se um rol de meias verdades, de
inferências, de mentiras, de histórias fantásticas e outras reais, desconexas
entre si, mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a público um enredo
verossímil.
Depois disso, cabe aos acusados, ou às
vítimas e às suas carcaças, provar a verdade – porque as provas só são exigidas
da verdade. A mentira pode ser apenas verossímil se ela servir para confirmar o
que a bile quer ver confirmado a fim de atender ao comando do fígado que hoje
ocupa o lugar dos cérebros
na maioria das redações remanescentes.
Postado por Helio Borba no BLOG
APOSENTADO INVOCADO as 17:29 deste sábado
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