domingo, 29 de setembro de 2013
Me dou de PESENTE (nesta data) este artigo !!!
Bilhete pra um operário
És acusado de
haveres nascido com sonhos na cabeça. És acusado de teres os cabelos encaracolados.
És acusado de teres bigodes vastos, negros, provocativos.
És acusado de teres alguns pedaços de dedos a menos
que o comum dos mortais, podados pelas engrenagens das máquinas.
És acusado de conheceres a sinfonia das sirenes das
fábricas anunciando a aurora do primeiro turno. És acusado de seres reconhecido
na portaria e todos te cumprimentarem, e te baterem levemente nas costas com
alegria, e te dizerem: olá, meu chapa.
És acusado de inventares um partido que não é o
único, mas não se confunde com siglas e teorias de alfarrábios envelhecidos.
És acusado de jogares baralho e dares dores de
cabeça aos homens sérios deste país. És acusado de usares gravata em vez de
macacão, vestindo-te com roupas só permissíveis no enterro do melhor amigo. És
acusado de frequentar reuniões e discutires com sábios e iluminados sem pedir
licença nem apresentar diploma. És acusado de te haverem visto com ministros,
criaturas importantes, e não te ocorrer submeter-se a elas.
És acusado de não teres te colocado no lugar cavado
para o oprimido. És acusado de haveres gritado com toda a força de teus pulmões
fuliginosos.
És acusado de quereres a pátria livre, e livre,
também, o coração e os sentimentos do homem.
És acusado de haveres perdido a paciência de esperar
pelo futuro que não chega nunca.
És acusado de atraíres os operários com tua voz, teu
berro, teu silêncio, teu olhar, tua dor, tua ânsia, teu mistério, e saberes
contar, sorrindo, tristes histórias recolhidas em barracos e cômodos-e-cozinhas.
Meu caro operário sentado no banco dos réus, por
favor, recebe este recado:
Publicado no dia quinze de agosto de 1980, pelo jornalista
Lourenço Diaféria
“Os poderosos podem
matar uma, duas
ou três rosas,
mas não
conseguirão
deter a primavera”
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário