Veja não surpreende. Espanta quem acredita nela entre privilegiados e
aspirantes ao privilégio
por Mino Carta * — publicado 27/09/2013
03:19
Berlusconi é o político mais bem-sucedido da Itália dos últimos 20
anos. Como se sabe, foi um desastre, e não espanta que tenha sido, com o condão
de pagar agora pelas mazelas cometidas. Espanta, isto sim, que metade dos
italianos tenha votado nele. Passo a falar de Brasil. A capa de Veja desta
semana é o símbolo irretocável de um singular humor em que se misturam má-fé e
estupidez. A revista da Abril mesmo assim não nos surpreende, já sabemos do que
é capaz de longa data. Estarrece que larga porção da sociedade nativa,
privilegiados e aspirantes ao privilégio, acredite nas interpretações de Veja e
repita passagens dos seus pareceres mirabolantes.
O espetáculo midiático proporcionado na cobertura do chamado
“mensalão” é, em geral, estarrecedor ao revelar em toda a sua evidência o
atraso intelectual e cultural dos tais cidadãos a que me referi, jornalistas e
seus patrões, leitores, espectadores, ouvintes. Todos unidos na demonstração de
uma parvoíce movida a raiva, ódio de classe, medo, preconceito, hipocrisia,
inveja, abissal ausência de espírito crítico.
A tigrada dita de classe média (média até agora não sei por quê)
é, aliás, a própria, definitiva, irremediável prova da incapacidade de cumprir
o papel que compete à burguesia. Aquele, digamos, de precipitar a Revolução
Francesa. Pelo contrário, aí está a provar a ignorância, mau gosto,
provincianismo, pavor da mudança. Dizia Lévi-Strauss ao definir os senhores
paulistanos 80 anos atrás: “Eles se têm em alta conta e
não sabem como são típicos”. Illo tempore, os senhores viam em Paris o umbigo do mundo. A
tipicidade aumentou, e hoje, ao comporem uma categoria muito mais vasta,
substituem a Ville Lumière por Miami.
Pouparei os amáveis frequentadores deste espaço das minhas
considerações a respeito das gravatas amarelo-ouro ou da descoberta do vinho
que alguns carregam aos restaurantes em bolsas apropriadas. De couro cru, para
o desconforto de quem sonha com estes luxos e ainda não chegou lá. Citarei a
leitura escassa ou mesmo nula: há mais livrarias em Buenos
Aires do que no Brasil todo. O estudo precário, a péssima lida com o vernáculo, a eterna
expectativa do favor dos amigos ou do arreglo por baixo do pano.
Cabe evocar tudo aquilo que certifica a mediocridade da turma. O
caos arquitetônico, isento de módulos e linhas mestras, frequentemente
inspirado em Gotham City, quando não entregue à imitação de modelos de outros
cantos do mundo, escolhidos conforme a veneta do dia, sem excluir telhados
normandos na previsão da neve. Ou mesmo a certeza, tipicamente local, de que São Paulo é capital gastronômica do planeta, alimentada por quem até
ontem mastigava espaguete regado a uísque.
Vezos burgueses, amparados em tradições seculares, ou em modismos
momentâneos, carecem de maior importância, está claro. Resta o fato desta ferocidade
desvairada, para não dizer demente, diante de um episódio, embargos
infringentes justificados pelas leis, e que tanto podem abrandar as penas dos
condenados quanto agravá-las, conforme esclareceu em vão o ministro Celso de
Mello. Cresce, na moldura do evento, a desinformação generalizada, o
desconhecimento do código e do quem é quem.
Ocorre-me um amigo que eu chamava de samurai, Luiz Gushiken, ministro de Lula no primeiro mandato, primeira vítima do “mensalão” sem qualquer culpa em cartório, de fato aquele que percebeu o papel devastadoramente daninho do banqueiro Daniel Dantas, visceralmente envolvido no processo e tão chegado a petistas de outro naipe, como Márcio Thomaz Bastos, José Dirceu, Luiz Eduardo Greenhalgh, sem contar o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Gushiken morreu dia 13 passado, honrado e, receio, infeliz.
Ocorre-me um amigo que eu chamava de samurai, Luiz Gushiken, ministro de Lula no primeiro mandato, primeira vítima do “mensalão” sem qualquer culpa em cartório, de fato aquele que percebeu o papel devastadoramente daninho do banqueiro Daniel Dantas, visceralmente envolvido no processo e tão chegado a petistas de outro naipe, como Márcio Thomaz Bastos, José Dirceu, Luiz Eduardo Greenhalgh, sem contar o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Gushiken morreu dia 13 passado, honrado e, receio, infeliz.
Outro injustiçado é José Genoino, que, segundo Veja, gargalha com
o voto de Celso de Mello. A malta não sabe que Genoino é um herói brasileiro, esperançoso e iludido
até as últimas consequencias, acreditou que o Araguaia seria a Sierra Maestra
brasileira, e, ao lado de 80 companheiros,
lutou contra 10 mil soldados da ditadura. Torturado brutalmente, ressurgido das cinzas, ainda
espera que o Brasil deixe de ser o país da casa-grande e da senzala. Ao
contrário do que afirmam seus inquisidores a pretendê-lo “mensaleiro”, não sabe
onde cair morto, se me permitem a linguagem rasteira.
*
Mino Carta, Diretor de redação da revista CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital e criou o Jornal da Tarde.

ATENÇÃO: as
palavras em destaques e na cor vermelha são deste BLOGUEIRO.
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