A
nova lei eleitoral não promove alteração substancial, deixa temas importantes
como financiamento público exclusivo de campanhas de fora, e retrocede na garantia
da ética eleitoral.
Parece-me bastante claro
(mesmo para a pessoa mais "despolitizada" ou alheia que se tenha
notícia) que umas das vozes mais expressivas na colcha de retalhos (nem sempre
combinados ou nem sempre em harmonia) que foram as últimas manifestações que
sacudiram ruas e mídias; parece-me claro que uma das vozes mais altas aí foi
aquela que pôs em xeque a representação de governantes e parlamentares eleitos
e reivindicou reforma política. Parece-me, mas acho que posso estar enganado a
julgar pela postura de alguns (a maioria?) dos meus colegas aqui na Câmara
Federal.
Antes mesmo de as pessoas
irem às ruas reivindicar, entre outros itens, a reforma política, criou-se aqui
um grupo de trabalho encarregado de elaborar uma nova lei eleitoral que
entraria em vigor já no próximo ano, quando ocorrerão eleições para presidente
da república, senadores, deputados federais, governadores e deputados
estaduais.
Mesmo tendo assistido - pela
janela do quarto, pela janela do carro ou pela tela da televisão ou do
computador - às manifestações, os deputados que integram esse grupo de trabalho
tiveram a coragem de apresentar um texto que me dá vergonha (como eles
conseguem estar imunes a este sentimento tão comum a quem se preocupa com o
outro?). O projeto elaborado pelo grupo de trabalho até o momento não promove
alteração substancial no sistema eleitoral, de modo que temas importantes e
fulcrais para uma verdadeira mudança na política nacional - tais como o
financiamento público exclusivo de campanhas e a lista pré-ordenada - ficaram
de fora.
Não só isso. O texto
retrocede em relação a dispositivos em vigor nas últimas eleições e capazes de
garantir um mínimo de lisura e ética no processo eleitoral: a) diminui a sanção
de suspensão do Fundo Partidário para os partidos que tenham suas contas
reprovadas; b) assegura a possibilidade de se pagar multas eleitorais com os
recursos do Fundo Partidário; c) reduz a multa aplicada a doadores que realizam
doações ilegais (hoje é de 5 a 10 vezes o valor e passará a ser de 50% até 100%
do valor); d) permite que o candidato que receba doação de concessionário ou
permissionário público possa devolver o valor da doação 30 dias após a eleição;
e) facilita a utilização da "máquina pública" pelo governante na
medida em que permite o comparecimento de agentes públicos em cerimônias de
inauguração de obras ou de projetos públicos; f) descriminaliza a boca de urna
ao fixar multa de 15 a 100 mil reais; g) estende o conceito de
"brindes" de modo a prejudicar a vedação de fornecimento de qualquer
bem para eleitores (leia-se compra de votos!); h) libera a propaganda PAGA na
INTERNET, inclusive em portais de conteúdo (será que os editoriais de políticas
dos grandes portais, tão zelosos da moralidade pública, colocar-se-ão contra
essa medida?); i) torna relativo o conceito de "agente público" de
modo a possibilitar, por exemplo, que o governador de um estado possa adotar,
nas eleições municipais, condutas atualmente vedadas.
Preciso dizer mais alguma
coisa?
Será que os
"gigantes" despertos irão além da exibição, nas ruas e no Facebook,
de suas cartolinas com reivindicações genéricas e entrarão de cabeça nesse
debate, mas com informação, discernimento e honestidade intelectual suficientes
para não misturar o joio e o trigo da política? O que esse debate menos precisa
é de ignorância motivada! Identificarão os deputados do grupo de trabalho e
lhes enviarão email ou marcarão audiências em seus escritórios de representação
nos estados que o elegeram?
Se, como diz a canção, a
pátria-mãe (prefiro "pátria-mãe" a "gigante"; além de
feminista, não tenho por que endossar a campanha da gigante corporação Johnnie
Walker!) dormia distraída até então, sendo subtraída em tenebrosas e históricas
transações, e agora despertou, não pode cochilar em relação a esse projeto de
reforma eleitoral!
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