Mauro
Santayana
Se houve um erro recorrente, que pode ser trágico em suas consequências, cometido pela geração que participou da luta pela redemocratização do Brasil, foi permitir que a flor da liberdade e da democracia, germinada naqueles tempos memoráveis, fosse abandonada, à sua própria sorte, no coração do povo, relegada a segundo plano pela batalha, encarniçada e imediatista, das suas diferentes facções, pelo poder.
Perdeu-se a oportunidade – e nisso também devemos nos
penitenciar – de aproveitar o impulso democrático, surgido da morte trágica de
Tancredo Neves, para se inserir, no currículo escolar de instituições
públicas e privadas, obrigatoriamente, o ensino de noções de cidadania e
de democracia, assim como o dos Direitos do Homem, estabelecidos na Carta das
Nações Unidas, e esse tema poderia ter sido especificamente tratado na
Constituição de 1988 e não o foi.
Não se tendo feito isso, naquele momento, a ascensão ao poder de
um auto-exilado, o senhor Fernando Henrique Cardoso, poderia ter levado ao
enfrentamento dessa mazela histórica, e, mais ainda, pelas mesmas e mais fortes
razões – a questão deveria ter sido enfrentada quando da chegada ao poder de um
líder sindical oriundo da camada menos favorecida da população, pronto a
entender a importância de dar a outras pessoas como ele, o acesso à
formação política que lhe permitiu mudar a si mesmo, e tentar, de alguma
forma, fazer o mesmo com o seu país.
Em vários anos, nada foi feito, no entanto, nesse sentido.
Mesmo tratando-se de questão fundamental – a de explicar aos
brasileiros para além das eventuais campanhas feitas pela Justiça Eleitoral a
divisão e a atribuição dos Três Poderes da República, noções do funcionamento
do Estado, dos direitos e deveres do cidadão, e de como se processa, por meio
do voto, a participação da população – nunca houve, e tratamos do tema muitas
vezes, nenhuma houve nenhuma iniciativa desse
tipo, mesmo que pudesse ter sido adotada, a qualquer momento, por qualquer
administração municipal.
Pensou-se, erroneamente, que bastava voltar à eleição, pelo voto
direto, do Presidente da República, e redigir e promulgar um novo texto
constitucional, para que se consolidasse a Democracia no Brasil.
Na verdade, essas duas circunstâncias deveriam ter sido vistas
apenas como o primeiro passo para uma mudança mais efetiva e profunda, que
teria de ter começado por uma verdadeira educação cívica e política da
população.
Imprimiu-se a Democracia em milhões de exemplares da
Constituição da República, mas não nos corações e mentes da população
brasileira.
De um povo que vinha, historicamente, de uma série de curtas
experiências democráticas, entrecortadas por numerosos golpes, contra-golpes,
de todo tipo; educado ao longo das duas décadas anteriores, dentro dos ritos e
mitos de uma ditadura que precisava justificar, de forma peremptória, a derrubada de um governo democrático e nacionalista – ungido pelo
plebiscito que deu vitória ao presidencialismo – com a desculpa do bovino
anticomunismo da Guerra Fria, cego e ideologicamente manipulado a partir de uma
potência estrangeira, os Estados Unidos.
À ausência de um programa de educação democrática para a
população brasileira – e da defesa da Democracia como parte integrante,
permanente, necessária, no nível do Congresso e dos partidos, do discurso
político nacional, somou-se, nos últimos tempos, a deletéria criminalização e judicialização da política, antes, depois e
durante as campanhas eleitorais.
Assim como parece não perceber que a desestruturação da
Petrobras, do BNDES, das grandes empresas de infra-estrutura, de outros bancos
públicos, criará um efeito cascata que prejudicará toda a nação, legando-lhe
uma vitória de Pirro, caso venha a chegar ao poder em 2018, a oposição
também não compreende, que ao incentivar ou se omitir, oficialmente, com
relação a ataques à Democracia e aos apelos ao golpismo por parte de alguns
segmentos da população, está dando um tiro pela culatra, que só
favorecerá uma terceira força, com relação à qual comete terrível engano, se
acredita que tem a menor possibilidade de vir a controlar.
A mesma parcela do público radicalmente contrária ao Partido dos
Trabalhadores, estende agora, paulatinamente, o processo de criminalização da
política ao PSDB e a outros partidos contrários ao PT, e já há quem defenda, na
internet, e nas redes sociais, a tese de que o país precisa livrar-se das duas
legendas, e de que a saída só virá por meio do rápido surgimento de
outra alternativa política, ou de uma intervenção militar.
Bem intencionado na área social, na macroeconomia, em alguns
momentos, e em áreas como as Relações Exteriores e a Defesa, e atuando quase
sempre sob pressão, o PT cometeu inúmeros erros – e não apenas
de ordem política – nos últimos anos.
Abrir a porta a paraquedistas
que nada tinham a ver com os ideais de sua origem, atraídos pela perspectiva de
poder, foi um deles.
Outro, foi o de fechar os olhos para o fato de que alguns de
seus militantes estavam caindo, paulatinamente, na tentação de deixar-se
seduzir e contaminar, também, pelas benesses e possibilidades decorrentes das
vitórias nas urnas.
O maior de todos, no entanto, foi se omitir de responder, do
começo, àqueles ataques mais
estapafúrdios, sem outra motivação do que a do ódio e do preconceito, que
passou a receber desde que chegou à Presidência da República.
Ao adotar, de forma persistente, essa posição, o PT
prestou um terrível, quase irreparável, desserviço à Democracia.
Em um país em que blogueiros são condenados a pagar indenizações
por chamar alguém de sacripanta, a própria liturgia do cargo exige que um
Presidente ou uma Presidente da República usem a força da Lei para coibir e exemplar quem os qualifica, pública e diuturnamente, na internet, de
fdp, ladrão, bandido, assassina, terrorista, vaca, anta,
prostituta, etc, etc, etc.
E tal liturgia exige que isso se faça desde a posse, não apenas
para preservar a autoridade máxima da República, que a ninguém pertence
pessoalmente, já que conferida foi pelo voto de milhões de
brasileiros, mas, sobretudo, para defender a democracia em um país e uma região
do mundo em que quase sempre esteve ameaçada.
Existe, é claro, a liberdade de expressão, e existem a calúnia,
o ataque às instituições, ao Estado de Direito, à Constituição, que
ameaçam a estabilidade do país e a paz social, e o governo que se furta a
defender tais pressupostos, nos quais se fundamentam Estado e Nação, deveria
responsabilizar-se – fossem outras as circunstâncias – direta, senão criminalmente,
por essa omissão.
Se Lula, Dilma, e outras lideranças não se defendem, nem mesmo
quando acusadas de crimes como esquartejamento, o PT, como partido, faz o
mesmo, e incorre no mesmo erro, ao omitir-se de ampla e
coordenada defesa da democracia – e não apenas em proveito próprio –
dentro e fora do ambiente virtual.
Em plena ascensão do discurso anticomunista e “anti-bolivariano”
– o Brasil agora é um pais “comunista”, com 55 bilhões de reais de
lucro para os bancos e 65 bilhões de dólares de Investimento Estrangeiro Direto
no ano passado, e perigosos marxistas, como Katia Abreu, Guilherme Afif Domingos e
Joaquim Levy no governo – sua militância insiste
em se vestir de vermelho como o diabo, como adoram lembrar seus adversários,a
cada vez que bota o pé na rua.
Isso, enquanto, estranhamente, abandona, ao mesmo tempo, o
espaço de comentários dos grandes portais e redes sociais, lidos pela maioria
dos internautas, a golpistas que se apropriam das cores da bandeira,
agora até mesmo como slogan.
Ao fazer o que estão fazendo, o Governo, o PT e o PSDB, estão
fortalecendo uma terceira força, e especializando-se na perigosa arte de cevar os urubus.
De que se alimenta a extrema direita?
Do ódio, da violência, do preconceito, da criminalização da
política, da infiltração e do aparelhamento do estado, do divisionismo, da
disseminação terrorista da calúnia, do boato e da desinformação.
No futuro, quando for estudado o curto período de 30 anos que
nos separa da redemocratização, será possível ver com clareza – e isso cobrarão
os patriotas pósteros, se ainda os houver, nesta Nação – como a
hesitação, a imprevisibilidade, a aversão ao planejamento, a anomia e a mais
absoluta incompetência por parte da comunicação do PT, principalmente na
enumeração e disseminação de dados irrefutáveis; e o irresponsável fomento ao
anti-nacionalismo e à paulatina criminalização e
judicialização da política, por parte, PSDB à frente, da oposição, conseguiram transformar
o país libertário, uno e nacionalista, que emergiu da luta pela Democracia e
que reunia milhões de pessoas nas ruas para defender esses ideais há 30
anos, em uma nação fascista, retrógrada, politicamente anacrônica,
anti-nacional e conservadora, que reúne, agora, nas ruas, pessoas para atacar o
Estado de Direito, a quebra das regras que o sustentam, e a interrupção do
processo democrático.
Um país cada vez mais influenciado por uma direita “emergente” e
boçal – abjeta e submissa ao estrangeiro e preconceituosa e arrogante com a maioria da
população brasileira – estúpida, golpista e violenta,
que está estendendo sua influência sobre setores da classe média e dolumpen proletariado,
e crescendo, como câncer, na estrutura de administração do estado, na
área de segurança, nos meios religiosos, na mídia e na comunicação.
Destruiu-se a aliança entre burguesia nacionalista e
trabalhadores, que conduziu o país à Campanha das Diretas e
à eleição de Tancredo Neves como primeiro presidente civil, depois de 21 anos
de interrupção do processo democrático.
Destruiu-se a articulação das organizações e setores mais
importantes da sociedade civil, na defesa do país, do desenvolvimento e da
democracia.
Destruiu-se, sobretudo, a
esperança e o nacionalismo, que, hoje, só a muito custo persistem, no coração abnegado de
patriotas que lutam, como quixotes aguerridos e impolutos, em pequenas
organizações, e, sobretudo, na internet, para evitar que a Nação
naufrague, definitivamente, em meio à desinformação, ao escolho moral e à apatia suicida da atualidade; ao pesado bombardeio das forças que cobiçam, do
exterior, nossas riquezas; e que o Brasil abandone e relegue, como quinto maior
país do mundo em território e população, qualquer intenção que já tenha tido de
ocupar, de forma altiva e soberana, o lugar que lhe cabe no concerto das Nações.
Quando se veem brasileiros encaminhando pedidos à Casa Branca de
intervenção na vida nacional, defendendo a total privatização,
desnacionalização e entrega de nossas maiores empresas, em troca, alegadamente,
de comprar, como no país do Tio Sam, por
um real um litro de gasolina – se for por esta razão, por que não se mudam para
a Venezuela, e vão abastecer seus carros em postos PDVSA, empresa 100% estatal,
onde ela está custando 15 centavos ? – tratando meios de
comunicação estrangeiros e pseudo organizações de todo tipo sediadas na Europa
e nos Estados Unidos como incontestáveis oráculos aos que se deve reverência e
obediência absolutas, os inimigos do Brasil riem,
e sua boca se enche de saliva, antecipando a divisão e o esgarçamento da nossa
sociedade, e nossa entrega e capitulação aos seus ditames, com a definitiva
colonização da nossa Pátria, e, sobretudo, da alma brasileira.
Pouco mais há a fazer – correndo o risco de sermos tachados mais
uma vez de loucos, ridículos e senis, extintos, e sem mais lugar neste mundo,
do que os répteis que outrora cruzavam as planícies de Pangea – do que pregar,
como João Batista, no deserto, mastigando os gafanhotos do ódio e do sarcasmo.
É preciso reunir os democratas e os nacionalistas onde os
houver, para evitar e se contrapor, de forma inteligente, coordenada, ao
fortalecimento descontrolado, já quase inevitável, das forças antidemocráticas
e anti-nacionais.
O governo e a oposição – ao menos a mais equilibrada – precisam
parar de cevar as aves de rapina, que, dentro, e fora do país, anseiam e já
anteveem nossa destruição, e o controle
definitivo de nossa população e de nossas riquezas.
Quando
acabarem, pelo natural esgotamento e imposição das circunstâncias, os
equívocos, as concessões, os enganos, as omissões, as pequenas felonias, as
traições à verdade, ao passado e ao futuro, de que se alimentarão os
urubus ?
ATENÇÃO: as palavras na cor vermelha constam originariamente no texto, mas os destaques são deste BLOGUEIRO.
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