Diante dos achacadores, é hora de o
partido repensar
seu papel na
sociedade
Cid Gomes e Eduardo Cunha: o embate terminou em vitória do presidente da Câmara
Eis que Cid Gomes, nosso agora ex-ministro da
Educação, está aí para provar que a política no Brasil pode até matar de raiva,
nunca de tédio. Reafirmando a tradição língua-solta familiar, Cid disse e
redisse mera verdade: há de 300 a 400 achacadores no Congresso. E eles são
rápidos. Minutos após a declaração bombástica, Cid teve a cabeça pedida pelo
PMDB. E caiu. Desta vez, os achacadores venceram.
O fato de
a demissão de Cid ter sido anunciada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), achacador-mór do País, é reveladora do atual estado de coisas. De
repente, a grande política cedeu o protagonismo aos coadjuvantes.
PT e
PSDB, que conduziram o debate político nas últimas décadas, vivem hoje na
retaguarda do PMDB. O governo Dilma Rousseff se tornou refém da tropa de Eduardo
Cunha. Já os tucanos perderam o juízo ao embarcar na onda golpista capitaneada
pelo baixo clero. É a vez dos achacadores (que estão espalhados por toda a
base, PP, PR e PQualquerCoisaQueCaibaNaCoalizão).
Eles
sempre existiram. Mas desde a redemocratização parecem ter encontrado um clube
perfeito que responde pelo nome de Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
Claro que há gente boa no PMDB (raríssimos, como Pedro Simon), mas a agremiação
ilustra como o sistema político brasileiro é disfuncional e esquizofrênico (e
como, mais que nunca, precisamos de uma reforma política abrangente, com
financiamento público e menos achaques).
Não sei
se alguém se viu na tarefa de explicar a um estrangeiro como um partido
supostamente aliado, como o PMDB, se tornou um dos maiores entraves ao governo
no Congresso. Difícil de entender esse tal presidencialismo de coalizão, agora
em piripaque. A atual crise, no entanto, longe de apenas espalhar confusão,
traz certa luz à política brasileira, mostrando quem é quem nessa história.
Cid
cometeu sincericídio (e há quem diga que ele tivesse suas razões particulares
para falar o que falou). Não era de se esperar que Dilma o segurasse.
Dirigindo-se aos “oportunistas” que integram a base mas só fazem atravancar a
administração, foi sincero e direto: “Larguem o osso ou saiam do governo”.
Mas eles
não largarão o osso tão cedo. Ou alguém acha que Cunha e cia iriam jogar a
toalha justamente quando é mais fácil (e lucrativo) achacar o governo – ou
seja, em momento de crise?
Por isso
não acho que a tese do impeachment prospere do jeito que se propagandeia.
Primeiro porque o grande capital (por mais que odeie Dilma) não irá jogar o
Brasil no buraco negro da instabilidade econômica, correndo o risco de ver o
risco-país disparar e a economia se esfarelar em ritmo supreendente. Segundo, é
muito mais lucrativo achacar o governo de plantão do que liderar a
administração e ficar sob os holofotes. Por que será que o PMDB nunca tem
candidato próprio?
Como já disse o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira (que a seu
favor só tem o fato de ser opositor assumido), a questão não é tirar Dilma do
Planalto – o objetivo é sangrar o governo e o PT (deixando o caminho mais fácil
para os achacadores).
Na narrativa hegemônica, oposição e inconformados estão contra a
corrupção na Petrobras e no resto do País. Gente como Agripino Maia (DEM), que desfilou sorridente no 15
de março pedindo lisura nas contas públicas quando ele mesmo é acusado de
cobrar mais de 1 milhão de reais em propinas no Rio Grande do Norte. Ou como o primo de Beto Richa (PSDB), preso acusado de fraudar
licitações dois dias depois de berrar Fora Dilma. (É claro que a manifestação
foi legítima, mas não apontar suas flagrantes contradições é pedir demais).
É
inegável que a corrupção está nas mais diversas esferas, inclusive no meu
Partido dos Trabalhadores. Falta honestidade e decência à grande mídia, mas
achar que escândalos como o atual são apenas produto de conspirações da
imprensa tem em si um pouco de inocência.
O PT precisa seriamente se repensar como partido e no que pode
oferecer à sociedade em termos programáticos (porque é ainda o mais bem
sucedido experimento democrático deste país). Talvez o PT e Dilma tenham de ser
mais Cid Gomes – cobrar lealdade dos aliados e retomar a pauta política. No
decorrer dos últimos 13 anos cedemos à tal governabilidade e demos as mãos a
alguns achacadores (Cândido Vaccarezza e sua reforma política vendida que o
digam).
Longe de sentir qualquer palpitação no peito, confesso que tive
certo entusiasmo (sonhático e inconsequente, admito) com a bravata do PMDB de
que deixaria o governo se o ministro da Educação não caísse. Por um momento
pensei em como Dilma seria mais feliz não tendo de aturar Eduardo Cunha como
suposto aliado. E como o País seria tão melhor não tivesse tantos achacadores
na coalizão de governo.
Foi um devaneio, eu sei. A vida em Brasília é dura e não se
governa sem maioria (leia-se, não se governa sem o PMDB). O episódio kamikase
de Cid Gomes, no entanto, é uma oportunidade para se mexer nas peças do governo
e para reafirmar a necessidade da reforma política. De resto, é dedo cruzado,
jogo articulado e resistência. E boa sorte em 2015.
Mauricio Moraes foi candidato
a Deputado Federal pelo PT de São Paulo.
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