BIOGRAFIA. Grande nome de Hollywood, Marlon Brando morreu há dez anos,
em decadência física e totalmente solitário. Livro do jornalista francês
François Forestier, que chega ao Brasil no início de maio, celebra duas datas
redondas na trajetória do ator: os 90 anos de nascimento,k lembrados em 3 de
abril, e os dez anos de sua morte
DESTRUTIVO, MAS
GENIAL
O exemplo que teve em casa (pai pouco
amoroso e mãe alcoólatra) fez de Brando um homem de pouca consideração com a
família
Foto:
REPRODUÇÃO
Uma filha havia se matado, enforcada;
outro havia recém saído da prisão, onde ficou cinco anos pelo assassinato de um
cunhado; os demais, num total de 15, talvez 16, quem sabe mais, estavam
espalhados pelo mundo, muitos sem contato com o pai, talvez sem nem saber ao
certo quem era aquele homem que definhava em casa. Até que, em 1º de julho de
2004, ele morreu. Estava obeso já havia alguns anos, aceitando cada vez menos
papéis no cinema. Recusara personagens como Karl Marx, Pablo Picasso e Theodore
Roosevelt. Passava dias no sofá assistindo a séries e filmes antigos de
comédia, não recebia mais amigos, não gostava de atender a telefonemas. Ele era
apenas uma lembrança, obscura e melancólica, de quem foi Marlon Brando.
Diferentemente de outros grandes de sua geração, como Marilyn Monroe e James Dean, duas estrelas que tiveram suas vidas encerradas no auge e são lembradas como heróis, Brando viveu tempo suficiente para se tornar o monstro relatado pelas histórias da biografia Marlon Brando - A face sombria da beleza, do jornalista francês François Forestier. O livro chega ao Brasil no início de maio, pela editora Objetiva (tradução de Clóvis Marques), em celebração de duas datas redondas na trajetória de Brando: os 90 anos de nascimento, lembrados em 3 de abril, e os dez anos de sua morte.
“Em Hollywood, há um antes e um depois de Marlon Brando”, diz Forestier, em entrevista por telefone. “Nunca houve um gênio como Brando. Ele já se tornou um astro em seu primeiro filme, enquanto geralmente uma estrela é construída em três ou quatro filmes. Quando você o via na tela nos filmes do Elia Kazan, por exemplo, havia um magnetismo imenso que não deixa outra opção a não ser amá-lo. Mas, ao mesmo tempo, ele foi uma figura odiosa que destruiu tudo: seu talento, sua carreira, sua família e sua vida.
Brando cresceu numa família difícil, do
tipo que não ajudava muito o futuro do menino que usava gasolina para escrever
palavrões no quadro negro da escola - e, claro, tacava fogo depois. Seu pai
vendia produtos químicos e só beijava os três filhos uma vez por ano, no Natal.
Sua mãe foi atriz sem projeção e administrou teatros, mas se destacava mesmo
por seu gosto pela bebida. “Quantas vezes Marlon não vai buscar a mãe,
embriagada num bar ou adormecida sobre uma mesa”, escreveu Forestier, antes de
contar que ela eventualmente passava as noites fora de casa, com outros homens.
O exemplo que teve em casa fez de
Brando um homem de pouca consideração com a família. Ele se casou três vezes,
mas acumulou dúzias de casos amorosos. No livro, Forestier conta que o ator, já
famoso, aceitava receber moças, feias inclusive, na sua casa para que elas
lavassem sua louça. Ele chamava seu membro de “nobre ferramente”. Teve relações
com estrelas como Marilyn, Ursula Andrews e Ava Gardner. Fez três filhos em sua
governanta, Maria Christina Ruiz. Não é confirmado, mas ele seria pai da
escritora Linda Carroll fruto de uma relação-relâmpago com a também escritora
Paula Fox – Brando seria, portanto, avô da cantora Courtney Love, fiflha de
Linda. E, em 1976, ele assumiu numa entrevista o que até hoje muita gente ainda
tem medo de dizer: “Como tantas pessoas, eu tive experiências homossexuais e
não sinto a menor vergonha”.
Ainda no campo privado, Brando teve um
papel decisivo na destruição de dois de seus filhos. A taitiana Cheyenne se
enforcou aos 25 anos, em 1995, na casa da mãe, Tarita Teriipaia, uma atriz que
Brando conheceu no set de O grande motin
(1962). Depois veio a público a história de que ela entrou com uma acusação
contra o pai por supostas relações incestuosas. Já Christian Brando, filho da
atriz Anna Kashfi, matou o namorado de Cheyenne com um tiro na casa de Marlon,
em Los Angeles. Ele contou que o crime foi um acidente, enquanto os dois
brigavam por causa dos maus tratos do namorado contra Cheyenne. Pelo crime,
Christian ficou preso entre 1991 e 1996.
“Ele sempre quis uma família, mas
queria que fosse como uma tribo, como uma extensão de sua vida. Ele queria ter
três ou quatro mulheres, muitas crianças. Mas nunca foi um pai, um marido. Para
mim, a doença básica de Brando é que ele nunca conseguiu amar ninguém. Ele nem
amara a si mesmo”, diz Forestier.
Mas, apesar de uma vida pessoal
conturbada, a profissional foi um estouro. O primeiro longa-metragem de Brando
foi Espíritos indômitos (1950), de Fred Zinnemann. Depois vieram filmes como Uma rua chamada pecado (1951), de Elia
Kazan, O selvagem (1953), de Joseph L. Mankiewicz. Por Sindicato de ladrões (1954), de Kazan, ganhou seu primeiro Oscar; e
por O poderoso chefão (1972). De Francis
Ford Coppola, o segundo.
Fonte: Jornal Gazeta de Alagoas desta sexta-feira, dia 25 de abril de 2014
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