O GRANDE SEGREDO DE LULA
por Eduardo Guimarães
A primeira vez em que entrevistei Lula foi em 24 de novembro de 2010, no
Palácio do Planalto, a pouco mais de um mês de ele deixar a Presidência. Aquela
entrevista marcou o fim de uma era em que a mídia e a oposição demo-tucana eram
enfrentadas diuturnamente pelo então presidente.
Desde o avanço conservador viabilizado pelo escândalo do mensalão
a partir de 2005, Lula passou a travar um forte debate retórico com seus
adversários e não parou até o último dia de seu governo. Resultado: deixou o
Planalto com mais de 80% de aprovação.
Apesar de tolhido pela liturgia do cargo, naquela entrevista de
algumas poucas horas em 2010 Lula travou mais debate político com seus
adversários do que a presidente Dilma em 3 anos e 3 meses.
Da posse de Dilma em diante, porém, o governo federal tratou de
tentar estabelecer uma convivência “civilizada” com os
adversários.
Já no primeiro mês de 2011 a presidente foi à festa de 90 anos do
jornal Folha de São Paulo, depois foi ao programa Ana Maria Braga e nunca mais
objetou qualquer ataque da mídia ao seu governo.
Ao longo de seu primeiro ano, Dilma assistiu a mídia derrubar uma
série de ministros, um a um. Em alguns casos, como o do comunista Orlando Silva, então ministro do
Esporte, houve grave injustiça. Nem uma única denúncia da mídia contra ele se comprovou.
Não estou criticando Dilma. Acho que ela fez muito pelo país. Só
quem sabe quanto sofreram outros povos com a crise econômica internacional é
capaz de avaliar como ela foi competente ao longo
dos últimos três anos e tanto; impediu os brasileiros de pagarem a conta de uma
crise que pôs
o mundo de joelhos.
Em minha opinião, Dilma fez um governo igual ao que Lula teria
feito se tivesse permanecido no cargo. Aliás, talvez ela tenha ido ainda mais
para a esquerda do que ele. Ousou mais, inclusive. Até pelas condições que
herdou do antecessor…
É doloroso ver a mídia tentar carimbar na testa de Dilma a pecha
de “incompetente” após
ela ter impedido que os brasileiros pagassem o custo de uma crise desse
quilate. Gerou uma quantidade imensa de empregos, os salários continuaram
subindo, a inflação se manteve sob controle, conduziu com brilhantismo o
primeiro leilão do pré-sal.
A despeito disso tudo, Dilma não desfruta da mesma boa situação de
Lula em termos de popularidade. Simplesmente porque Dilma não é Lula. Aliás, só
Lula é Lula.
Dilma não é política, é uma técnica. Debutou em eleições em 2010.
E o fez com igual brilhantismo. Mas Dilma não rebate o alarmismo e o pessimismo
como Lula fazia. Não se comunica com o povo, com os movimentos sociais,
mantém-se focada apenas
na governança.
Dilma é uma gerente.
Gerenciar o governo é necessário. Claro que, sendo presidente,
ocupando um cargo político, essa gerência tem que ser temperada com uma pitada
de política e isso ela faz. E saberá fazer mais, quando chegar a hora. Até
porque, já fez em 2010. E com muito menos tarimba do que tem hoje.
Na última terça-feira, porém, Lula entrou em campo. Deu entrevista
a blogueiros, entre os quais este que escreve. Só que, desta vez, liberto da
liturgia do cargo de presidente, ele falou tudo que tinha entalado na garganta,
provocado pelos blogueiros que o arguiram.
Neste ano eleitoral, pois, Lula fará o que Dilma não pode – por
ser presidente – e o que pode, mas não tem toda aquela habilidade para fazer.
Lula, mais uma vez, colocará em campo a sua tonitruante popularidade e, assim, será, de novo,
fiador da presidente junto aos que pedem que ele volte por não quererem votar nela, por razões
variadas.
Nesta segunda entrevista com o presidente emérito da República Luiz Inácio Lula da
Silva, porém, pude obter dele o que não obtivera em 2010: descobri o segredo de
sua exitosa trajetória
política.
Lula foi arguido de todas as formas e sobre uma miríade de temas
propostos pelos blogueiros na entrevista de cerca de três horas que lhes
concedeu no Instituto que leva seu nome – e que o leitor poderá conferir ao fim
deste post.
Não irei, porém, reproduzir, ponto a ponto, suas respostas. Isso
já foi feito à exaustão por uma imensidão de jornalistas.
A entrevista teve uma enorme repercussão. Chegou a ter o link da
transmissão por streaming veiculado em manchete principal dos maiores portais
da internet (UOL, G1, Estadão etc.). Muitos viram e relatos do que ocorreu não
faltaram.
Quero ficar, pois, na percepção que consegui extrair da figura humana de Lula
quatro anos após a primeira oportunidade que tive para tanto.
Finalmente descobri o grande segredo de Lula, que lhe permitiu
chegar aonde chegou:
ele não tem ódio
Lula não
se deixa embriagar pelo rancor. Ele se diverte com os ataques que recebe, mas
não nutre sentimentos negativos.
Muito disso se deve ao fato de que não perde tempo com leituras
das “reportagens”, dos editoriais, das colunas que pouco encerram além de
opinião, mesmo quando prometem fatos e não opiniões.
Os blogueiros conversamos com Lula por mais de quatro horas, desde
que chegamos ao seu Instituto até a hora em que ele nos deixou. Ninguém se
cansou. Pelo contrário: ele tempera suas falas com bom humor, conta “causos” envolvendo desde chefes de Estado das
maiores potências até os dos menores países dando a todos a mesma importância.
Ficamos sabendo, por exemplo, que o ex-ditador egípcio Hosni
Mubarak era uma figura detestada por todos nos encontros de chefes de Estado.
Antipático, arrogante. Lula nunca gostou dele, quem, inclusive, isolava-se de
seus pares. Chegava, discursava e se mandava.
O que me surpreende em Lula, porém, é a forma como se refere aos
que o atacam há
décadas com todo ímpeto possível e imaginável. E mesmo aos que não o atacam
diretamente, mas atacam.
Vejam o caso de Joaquim Barbosa. Não há raiva. Lula se limita a
dizer que, sob os critérios que usou para indicá-lo para o STF – ser o jurista
negro com melhor qualificação para o cargo de ministro daquela Corte –, repetiria a indicação.
E manda uma espécie de aviso ao escolhido: seu comportamento é de
sua exclusiva
responsabilidade.
Sem se deixar contaminar pelo ódio que lhe dedicam, Lula preserva
sua capacidade de raciocínio – e, de quebra, até uma elogiável generosidade para com os seus detratores.
Com a alma leve é mais fácil fazer escolhas, traçar estratégias,
refletir muito antes de agir – aliás, outra tática de Lula para as decisões
políticas exitosas que tomou ao longo da parte de sua vida em que venceu o
preconceito e se elegeu.
As receitas de vida de Lula são simples e recomendáveis. E as
receitas políticas, idem. Ele recomenda ao governo que não deixe as críticas à
gestão sem
resposta, que rebata cada distorção. Inclusive, dá a mesma receita à Petrobrás.
Já deu, pois, todas as dicas. Falta o governo assimilá-las.
Eduardo Guimarães editor do BLOG DA CIDADANIA
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