por Luis Nassif
O
neojornalismo atual surgiu na revista Veja e foi seguido
pela Folha a partir de meados dos anos 80. No meu livro “O
jornalismo dos anos 90” analiso em detalhes esse estilo.
Trata-se
de um produto típico dos grupos de mídia, onde se misturam alguns recursos
jornalísticos, recursos de dramaturgia e de marketing. É o chamado show da
notícia, com muito mais show do que notícia.
Consiste
em levantar uma ou duas informações verdadeiras – mesmo que irrelevantes – e
montar uma roteirização copiada da dramaturgia, misturando fatos inexistentes,
meras deduções ou ficção pura, tudo devidamente embrulhando em um estilo
subliterário típico dos tabloides. Depois, confere-se o tratamento publicitário
adequado nas manchetes chamativas e no lead – em geral prometendo muito mais do
que a reportagem entrega.
Esse
estilo torto atingiu o auge nos escândalos produzidos entre 2006 e a campanha
de 2010, como a invasão das Farcs no Brasil, os dólares transportados em
garrafas de rum, o consultor respeitado que acabara de sair da cadeia, os 200
mil dólares levados em envelopes até uma sala do Planalto, o consultor que
almoçou com Erenice e foi impedido até de levar caneta, para não gravar a
conversa e aí por diante.
O caso Época
A
capa da revista Época desta semana, no entanto, merece uma
análise de caso à parte.
Em
publicações respeitadas, separa-se a pauta do conteúdo publicado. A redação
recebe dicas, denúncias, indícios. Aí prepara a pauta, que é o roteiro de
investigações. O repórter sai a campo e procura fatos e testemunhas que
comprovem ou desmintam as informações recebidas. E só publica o que é
comprovável.
O
jornalismo brasileiro contemporâneo desenvolveu um estilo preguiçoso. O
repórter recebe as denúncias. Em vez de sair a campo e apurar, limita-se a
publicar a pauta com o desmentido do acusado, sem apresentar nenhuma conclusão
sobre se o fato relatado é verídico ou não.
A
reportagem da Época tem 31.354 caracteres e segue esse
procedimento. É bombástica. Na capa, vale-se da linguagem publicitária para
vender um peixe graúdo. O leitor abre a revista e, de cara, depara-se com
páginas e páginas recheada de fotos.
Quando
vai a fundo na reportagem, encontra uma única informação relevante: o parecer
do terceiro escalão do jurídico da Petrobras, recomendando não questionar na
Justiça o resultado da câmara de arbitragem – que fixou o valor a ser pago pela
Petrobras pelos 50% da Astra. Apenas isso.
É
muito menos do que outras publicações vêm levantando no decorrer da semana. Uma
informação que cabe em um parágrafo foi transformada em reportagem de várias
páginas através dos seguintes recursos:
1.
8% do material descreve o uniforme da Petrobrás usado por Dilma Rousseff no
lançamento do navio Dragão do Mar. Sobram 92%.
2.
21% é sobre a tentativa da Brasilinvest de se associar a Paulo Roberto Costa.
No final do enorme calhau, fica-se sabendo que não houve associação nenhuma.
Então para quê falar de algo que não aconteceu? Fica a informação falsa de que
o Brasilinvest - que não tem nenhuma expressão no mercado -, é um dos maiores
bancos de investimento brasileiro e que tentou fazer negócios em Cuba. Sobram
71%.
3.
5% é sobre um advogado que teria feito lobby para a Petrosul junto à
Transpetro. No final do calhau tem a palavra dele, negando qualquer trabalho, e
da Transpetro, negando qualquer medida. E nenhuma conclusão do repórter. Sobram
66%.
4.
11% do texto é sobre a compra da refinaria na Argentina. Joga-se no papel um
amontoado de informações passadas pela Polícia Federal e recolhidas no São
Google, sem uma análise, sem uma apuração adicional, sem uma conclusão sequer.
Sobram 56%.
5.
6% do texto explica em linhas gerais o suposto escândalo Pasadena. É importante
para contextualizar a questão, mas inteiramente feito em cima de informações
públicas. Sobram 49%.
6.
15% para descrever uma lista encontrada com o doleiro Alberto Yousseff sem
pescar uma informação relevante sequer. Sobram 35%.
7.
4% descreve a pendência judicial da Petrobras com a Astra, já divulgada pela
mídia, sem nenhuma informação adicional. Sobram 31%.
8.
7% é dedicado para o parecer de técnicos do jurídico recomendando não
questionar a decisão da câmara de arbitragem na Justiça. É a única informação
nova da matéria. O “furo” poderia ser dada usando 1% do espaço. Sobram 23%.
9.
23% para informar (com base em fontes em off) que a Astra queria a todo custo
um acordo com a Petrobras. E atribui a decisão de ir para o pau ao então
presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. Mas qual o motivo? Como
advogados ganharam honorários com a ação, logo o motivo foi montar uma jogada
com os advogados. Simples, não? Todas essas afirmações baseadas em
suposições, ilações sem um reforço sequer em fatos ou em fontes em on. Em
entrevista a veículos da Globo, o ex-Diretor de Gás Ildo Sauer – presente nas
reuniões – afirmou que a diretoria executiva queria o acordo mas o Conselho
recusou devido ao que se considerou arrogância dos executivos da Astra. As
informações são desconsideradas, membros do CA não são ouvidos. Limitam-se a
mencionar fontes em off para falar da simpatia e boa vontade dos executivos da
Astra.
O
leitor mais atilado fica com a sensação de ter comprado gato por lebre.
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