por Leonardo Sakamoto
Um amigo me escreveu, neste domingo
de manhã, dizendo que seu filho começou a perguntar sobre Deus – e
não quis mais parar. Por que não havia crucifixos pela casa, por que
ele não ia à missa ou aos cultos como os pais dos
outros coleguinhas e, básico, se o pai acreditava que os meninos maus
iam para o inferno. Seria algo costumeiro na vida de uma família média
brasileira se não fosse pelo fato de que tanto ele quanto a mãe do
pequeno inquisidor não acreditarem em absolutamente nada – vida após
a morte, divindades, inteligência criadora do cosmos, o Palmeiras, nada.
“Foi um belo presente do Dia dos
Pais”, ironizou com graça.
Para ajudá-lo, resgato uma história
que publiquei aqui tá um tempo: Estava sentado à mesa de um
restaurante com a mãe, o pai e a irmã, menor que ele, neste final de semana, em
São Paulo. Do nada, virou para o pai, disparando: “O senhor não acredita
em Deus, né?” Eu, que observava na mesa ao lado, achei graça na pergunta.
Não foi uma cobrança, mas um simples questionamento, daqueles grandes e
sinceros.
Daí, na época, resolvi perguntar a
sábias amigas e mães (algumas religiosas, outras não) como é possível explicar
que não se acredita ha existência de Deus em uma sociedade como a nossa.
Afinal de contas, por mais que não
haja provas materiais, atestar a existência do divino é fácil, está no
automático. Ou seja, se você não fizer nada, alguém fará por você. E, talvez,
trazendo junto um tipo de fé distorcida, cheia de medo e culpa, que contribuirá
com adultos violentos e intolerantes – diferente daquilo que, certamente, uma
pessoa com o mínimo de bom senso esperaria para seus filhos.
Vejam as respostas:
“Olha, tem uma definição que não é
minha, mas achei tão linda que acho que pode caber. Quem me disse foi o querido
padre Júlio Lancelotti. Sim, eu sei. Você me pede a não existência de Deus, e
não o contrário. Mas a historinha é mais ou menos assim, me diz se serve: Certa
vez, no meio de uma rebelião, um menino da antiga Febem, perguntou ao padre
Júlio se Deus existia. Porque para ele, afinal, Deus era um engodo. Com menos
de oito anos, o menino havia sido vítima de toda a sorte de violência, só
conhecia dor e sofrimento nesta vida. Onde estava Deus para este menino? Então
o padre Júlio respondeu mais ou menos assim: “Esqueça aquele velhinho barbudo
que vive sentado no céu. Ele não existe. O que existe, querido, é o amor que
sentimos por alguém nesta vida. Você gosta de alguém, assim, muito, muito? Pode
ser qualquer pessoa. Ou um cachorrinho, quem sabe. Gosta? Então você sabe o que
é Deus. O resto é bobagem”. O menino respondeu que a única pessoa que ele
gostava era ele, o padre Júlio…”
“Quando meu filho me perguntou se
tinha mesmo um papai do céu que tinha criado o mundo, eu falei que a vovó
acreditava que sim, por isso ela ia na igreja conversar com ele. Mas que eu não
tinha tanta certeza quanto a vovó. Falei também que se a gente faz as coisas
direitinho, coisas boas acontecem com a gente também. Ele tinha 5 anos e isso
foi o suficiente.”
***
“Lá em casa acho q isso vai ser uma
questão porque meu marido se diz ateu e é cético mesmo. Mas eu acredito nas
energias, nas vibrações, na força da mente humana… Digo que deus é o ser
humano, o amor, o respeito, enfim… Ainda vamos ter esta conversa mas não
batizamos, nem vamos seguir nenhuma religião, claro, porque nisso temos acordo!
E aí, acho que – de novo – falando de bicão porque não vivi isso ainda, o lance
é conversar e dizer que cada um acredita em uma coisa mas nós não acreditamos.
E, ainda, claro, dizer que ele pode acreditar se quiser, quando puder conhecer
melhor e elaborar isso. Acho que o lance é, como em outras questões, passar
para ele as informações para quando tiver condição tomar a própria decisão.
O mesmo não vale para o time de
futebol, claro.”
***
“Acho que é explicando a existência
de muitos deuses para essas crianças. Se as pessoas acreditam em um deus ou num
panteão de deuses (e estamos falando da maioria da população) como negar a
existência de tais deuses? Eles existem, estão aí. O importante é não permitir
que o Estado escolha um deus hegemônico que dite as regras. Ou um grupo ver-se
no direito de aniquilar cultos ou pessoas em função de suas crenças e hábitos
religiosos. As crianças compreendem e respeitam a pluralidade muito melhor que
os adultos, pois são capazes de fantasiar e acreditar na fantasia do outro
tanto como na sua, inventam mundos a cada instante. Pensando bem, a questão é
como explicar a não existência de um único Deus para os adultos, não para as
crianças. E sobre isso as religiões de matriz africana tem muito a ensinar.”
***
“A gente nunca falou sobre Deus com o
nosso filho. Ele já perguntou o que é religião: a gente disse que era uma coisa
que as pessoas usavam para ficar mais tranquilas quando ficavam com medo de
morrer. Ele perguntou se a gente tinha uma, a gente disse que não, mas que não
era problema ele ter, se um dia quisesse. Só ia ter de escolher mais velho, não
agora. E que, nem eu, nem o pai dele acreditamos em nada disso. Mas cada um
escolhe seu caminho.”
***
“Outro dia minha filha me falou, diante
de alguma cotidiana dificuldade, ‘mãe, tem que pedir para o papai do céu’.
Gelei e perguntei quem tinha falado isso para ela, eu ou o pai com certeza não
diríamos – ou pelo menos não daquele jeito, como se Deus fosse algum
‘atendente’. Perguntei e ela falou algo sobre a avó ou a tia de mais idade
terem lhe contado sobre o ‘papai do céu. Ela tem três anos e pensei num
discurso ecumênico mas logo abandonei, achei difícil. Guardei o assunto para
depois e creio que daqui um tempo vou sim explicar que não se sabe da
existência de Deus, que uns acreditam mas que outros não e isso é normal.
Pensei em falar da evolução, dos macacos. mas tenho até medo de uma criança
achar isso tão mais lógico do que toda a ideia de Deus que passe a adotá-la sem
nem ao menos conceber que é possível acreditar em Deus. Sei lá, tô mais pronta
para conversa das flores e abelhas. Eu acho que se eu puder ao menos
convencê-la de que é normal a discordância sobre o assunto, algo sobre
tolerância, já me sentiria aliviada. Se chegar ao ponto da pressão total, e ela
perguntar o que eu acho, vou dizer a verdade: que às vezes acredito e outras
não, mas que ela pode ter a própria opinião.”
***
Como terminou a história no
restaurante? Os pais disseram a ele com muita calma: “Tem pessoas que acreditam, outras que não
acreditam. Mas o importante, de verdade, é que a pessoa tenha um coração bom.”
Sei que as perguntas deles não vão
terminar com essa resposta, pelo contrário, vão apenas começar. Mas foi um bom
começo. É quase uma declaração de princípios, de que a diferença é normal –
coisa que falta em muitos lugares hoje em dia.
ATENÇÃO: a frase com as palavras na cor vermelha constam originariamente no texto, mas o destaque é deste BLOGUEIRO.
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