Lula,
Serra e os metalúrgicos do ABC
O RAPADURA reproduz EXCEPCIONAL e EMOCIONANTE artigo de Caiubi
Miranda, extraído do Jornal GGN
Estávamos no auge
da campanha de 2002, Lula e Serra na disputa da presidência.
Eu era, então,
executivo de uma grande montadora de automóveis, então com mais de 20 mil
empregados. Como toda multinacional, a montadora tinha uma regra rigorosa: não se envolver, pelo menos oficialmente, nas disputas
políticas dos países onde atuava. Pragmatismo de toda multinacional: se
optasse pelo lado perdedor, corria o risco de ter seus negócios prejudicados
pelo lado vencedor.
Num determinado
dia, fomos procurados pelo presidente do sindicato dos empregados com um
“pedido-quase-ordem”: Lula estaria na cidade daí a cinco dias e queria de
qualquer forma falar com os empregados da fábrica. Explicamos ao sindicalista o
que ele já sabia, a política internacional da empresa, a dificuldade
operacional de executar o que ele queria, o custo de parar a linha de montagem
num momento em que o mercado estava aquecido... Numa montadora, parar a
linha de montagem é pecado quase mortal.
O presidente do
sindicato disse que Lula estava intransigente. Ou nós organizávamos o comício
do Lula dentro da fábrica, na hora da troca de turnos – 16 horas – ou ele faria
o comício na porta da fábrica, do lado de fora, e o pessoal que começaria a
trabalhar às 16 horas atrasaria mais ainda.
Foi um corre-corre
para tomar a decisão: ligações para a matriz, viagens a Brasília, reuniões,
reuniões, reuniões... Finalmente um consenso: franquearíamos a fábrica para o
discurso do Lula mas, se o Serra quisesse, daríamos a mesma oportunidade a ele.
O dia marcado era
uma quinta-feira e toda a fábrica já fervilhava desde cedo. Um pouco antes das
16 horas o Lula chegou acompanhado de sua equipe de campanha e dos dirigentes
sindicais. Mas, conforme combinado, só iria para o local do comício no horário
marcado, nem um minuto antes.
E foi o que
aconteceu: às 16 em ponto fomos para a Ala 4, um enorme galpão onde funcionava
a linha de montagem, já paralisada naquele momento. Esperavam quatro mil
operários, dois mil do turno que saía e dois mil do turno que começaria. A entrada do Lula foi
triunfal: aplausos, vivas...
Lula subiu numa
empilhadeira já previamente preparada e equipada com o sistema de som do
sindicato e começou seu discurso: “Companheiros...” Fez uma retrospectiva
rápida da vida dele como militante do sindicato, lado a lado com aquelas
pessoas que o estavam ouvindo. As greves, as vitórias conseguidas... vez por
outra reconhecia um operário no meio da multidão, o apontava e o
chamava pelo nome: “Eu lembro que o Quinzito, que está ali, veio me procurar e
me pediu para ir falar com a mãe dele. Ela estava com medo que ele perdesse o
emprego por causa da greve...” O Quinzito era, então, ovacionado por todos.
À medida que o Lula
falava, a emoção crescia no ambiente. Ao meu lado, muitos operários já estavam
com olhos marejados. A voz do próprio Lula também começou a ficar
embargada e, de repente, lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. A última
frase que ele conseguiu falar foi: “E agora eu serei presidente do Brasil por causa de
vocês...” e cobriu as faces com as mãos, chorando convulsivamente. Ele e as 4
mil pessoas que estavam ali, todos chorando de emoção. Inclusive eu e os outros
diretores da fábrica.
Mesmo que viva 100
anos, acho que nunca vou sentir uma emoção tão forte como
a que senti naquele momento. Aqueles quatro mil operários emocionados,
chorando, gritando vivas...
E o evento terminou
ali. Da empilhadeira, Lula foi para os ombros dos operários que cantavam o
jingle da campanha: olê, olé, olá... Lula-lá.
Meia hora depois, a
linha de montagem foi ligada e tudo voltou ao normal.
Ah! Sim. Na
semana seguinte os assessores do Serra foram até a fábrica para organizar a
visita dele. Chamamos os diretores do sindicato para participar da reunião e
eles aconselharam que o Serra nem se aproximasse da fábrica. O
conselho deles foi ouvido.
Caiubi Miranda
ATENÇÃO: as palavras na
cores vermelha e roxa constam originariamente no texto, mas os destaques são deste BLOGUEIRO.
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