O PT e o esgotamento de um modelo
“O PT manterá capacidade para pra ser força aglutinadora
de uma nova Frente de Esquerda? O tempo dos acordos e do ‘reformismo
fraco’ está encerrado.”
por Rodrigo Vianna
Não há nenhuma dúvida de que o governo
petista e o próprio PT enfrentam a crise mais grave desde que Lula chegou ao
poder em 2003.
Muito mais grave do que a do Mensalão em
2005: naquela época a Economia não estava à beira da recessão, e o núcleo
dirigente do PT e do governo era mais consistente.
A eleição de Eduardo Cunha não foi um raio
em céu azul. Mas o sinal de esgotamento de um modelo – esgotamento que já
ficara claro com as dificuldades enfrentadas por Dilma na eleição de 2014.
De que modelo falamos?
Lula aproveitou a maré favorável na
economia internacional para articular um projeto de distribuição de renda, com
fortalecimento do mercado interno, recuperação do papel do Estado e
crescimento econômico – ajudando também a costurar um novo bloco de poder
internacional, que se contrapôs (em parte) à hegemonia dos Estados Unidos e
Europa.
Reparem: não digo que Lula tenha sido
apenas um “sortudo” (como afirmam certos economistas e colunistas ligados ao
tucanato). Não. A fase de crescimento mundial, com valorização do preço das
“commodities” (grãos, petróleo, minério de ferro etc), puxada principalmente
pela China, foi o pano de fundo… Mas a oportunidade poderia ter sido
desperdiçada. E não o foi.
O que se fez nos últimos 12 anos não foi
pouco. A incorporação de 30 milhões de brasileiros ao mercado de massas é um
patrimônio, que deve ser defendido. Assim como o projeto de uma Nação
autônoma – recuperado nos anos Lula/Dilma.
O mérito do projeto lulista/petista foi ter
aproveitado a maré internacional favorável para melhorar a vida dos
trabalhadores e dos mais pobres no Brasil. Mas isso foi feito sem nenhuma
mudança estrutural, sem ameaçar o poder efetivo dos mais ricos… Foi feito com
acordos por cima e por baixo. E com acomodação no Congresso.
O projeto lulista, na feliz definição de
André Singer, era (vejam que uso o verbo no passado) o de um “reformismo
fraco”. Reformas sem confronto.
Muitos (inclusive este blogueiro) lamentam
que Lula não tenha trabalhado para politizar mais a sociedade enquanto esteve
no poder. E que o PT tenha se acovardado diante da máquina midiática
conservadora. Esse seria o motivo para o avanço da direita – que está ganhando
a batalha das ideias, certo?
Nos últimos tempos, tenho sido levado a
pensar que a explicação não é assim tão simples…
Vejamos: Argentina e Venezuela possuem
governos muito mais politizados (e politizantes), adotaram o confronto de
ideias, fizeram o debate sobre a mídia. E, no entanto, vivem hoje em situação
também delicada. A conclusão óbvia é que a conjuntura econômica tem um peso
muito maior do que qualquer “politização” ou “combate simbólico” poderiam
garantir.
O modelo inicial lulista, em verdade, mudou
bastante a partir de 2008. Quando a crise das hipotecas originada nos Estados
Unidos travou a economia ocidental (reduzindo um pouco também o ímpeto chinês),
o Brasil já tinha erguido um gigantesco mercado interno – graças às políticas
sociais de Lula (Bolsa-Família, forte recuperação do salário-mínimo).
Foi esse mercado que garantiu ao Brasil
(entre 2009 e 2014) níveis de crescimento razoáveis,e desemprego muito baixo,
em comparação com a tragédia social ocorrida no sul da Europa
(Espanha/Portugal/Grécia) e em partes dos Estados Unidos.
Lula/Mantega, na crise, recusaram-se a
utilizar a cartilha liberal. Resistiram.
Ao fim do primeiro governo Dilma, no
entanto, também essa segunda fase parecia esgotada. Se desde 2008 já não se
podia contar com a economia internacional, em 2014 ficou claro que o mercado
interno (baseado em crédito e em desonerações fiscais, mais do que em
investimento) mostrava também sinais de esgotamento.
Dilma tentara aprofundar as mudanças, mas
perdeu a batalha da redução de juros: a “burguesia nacional/industrial” faltou
ao encontro com a Nação (de novo?) e, em vez de aliar-se ao esforço de redução
dos juros, manteve-se fiel ao velho rentismo (melhor ganhar um dinheirinho com
aplicação no banco do que com projetos produtivos).
Em 2014, já estava claro que seria preciso
iniciar um novo ciclo, com novo projeto. Era preciso fazer algum ajuste nas
contas do governo. A questão era (e é): ajuste pra quem? comandado por quem? Na
campanha eleitoral, Dilma acenou à esquerda. Prometeu que ajuste
neoliberal era coisa de Marina e Aécio. Passada a eleição, virou
à direita.
Esse é o novo ciclo que o PT oferece ao Brasil?
Para isso já há o PSDB e seus aliados midiáticos.
Ah, mas Lula fez parecido em 2003. Ora, há
uma diferença brutal: Lula fez a “Carta aos Brasileiros” ANTES da eleição, em
2002. Dilma fez um “contrato” para vencer a eleição, em 2014. E, no primeiro
mês de mandato, rompeu em parte o contrato.
Em
dezembro, escrevi neste blog que Dilma teria a dura tarefa de equilibrar-se
entre dois fogos: a “governabilidade” (que poderia garantir alguma estabilidade
no Congresso) e a “força das ruas” (que garantiu efetivamente sua vitória
contra a direita, no segundo turno). Minha avaliação era de que Dilma não poderia abrir mão dos
acordos com o centro, mas só teria alguma força para negociar esses acordos se
mantivesse a seu lado um bloco popular mobilizado.
Pois bem. Dilma apostou tudo na
governabilidade, e jogou fora parte da energia das ruas que garantiu sua
vitória.
A eleição de Eduardo Cunha, em si, não
deveria ser uma surpresa. O Congresso que saiu das urnas em 2014 era claramente
dominado pelo Centrão. A maior tragédia, para o governo e o PT, foi a
vitória de Cunha ter vindo depois de Dilma ter cedido tudo à direita, em
nome da governabilidade.
A presidenta agora se defronta com o pior dos mundos: não tem a
governabilidade no Congresso, e perdeu o apoio de quem poderia defendê-la nas
ruas contra manobras golpistas. Sejamos
claros: quem irá para a rua defender Dilma (e a política recessiva do Levy), se
vier um pedido de impeachment?
Ok, concordo com colegas blogueiros, que
afirmam: não se deve fazer terrorismo com essa história de impeachment…
Derrubar Dilma é uma manobra que pode interessar aos velhos tucanos paulistas.
Pode interessar ao Ives Gandra, ao FHC. Mas será que (hoje) interessa a essa
nova maioria que comanda a Câmara?
Eduardo Cunha já avisou que não. Mas
imaginem o preço que isso terá… O quadro é grave, confuso.
A Economia vai para a recessão. Isso já não
é mais uma hipótese. Mas uma certeza. Além disso, o país vai parar com a nova
CPI da Petrobrás. E a Lava-Jato vai arrastar dezenas de parlamentares para a
lama. Tudo isso sem que o PT tenha qualquer capacidade de reação.
Uma crise de representação, com a
desmoralização da política, somada a uma crise econômica, é um cenário para uma
renovação mais radical da política. Foi o que se viu na Grécia (Syriza) e
é o que pode ocorrer na Espanha (Podemos). Mas lembremos que na França é a
extrema-direita de Le Pen (a filha) quem fatura com a crise, fazendo um
discurso parecido com o de bolsonaros, felicianos e outros aprendizes de
fascistas.
O cenário no Brasil é muito diferente. Aqui
estamos longe de uma crise social. Mas há um bombardeio midiático ininterrupto,
baseado no discurso “moral”. Já vimos onde isso levou em 1954 – quando o Mar de
Lama udenista terminou em tragédia.
O PT manterá alguma capacidade para ser
força aglutinadora (uma entre várias forças) de uma nova Frente de Esquerda –
que parece ser a saída para se enfrentar o novo ciclo histórico?
O Quinto Congresso do partido, que acontece
este ano, terá papel definitivo. Se o PT seguir amortecido, incapaz de se
renovar como força aglutinadora do bloco popular, terá selado seu
destino.
O tempo dos acordos e do “reformismo fraco”
está encerrado. Sem renovação imediata, o PT não vai “acabar” (como
afirmou Marta, de forma açodada e oportunista), mas definhar. Nesse caso, o PT
não seria derrotado pelo “mar de lama” – como afirmam mervais e colunistas
toscos na revista da marginal. Mas pela falta de capacidade de reagir à
agenda conservadora, e pelo fato de não propor um novo modelo de
desenvolvimento alternativo ao neoliberal.
O PT, se não reagir, abrirá caminho
para sua pasokização (PASOK é o partido socialista grego, que costumava
ter um terço dos votos, e depois de trair os trabalhadores com um programa
ultraliberal, teve menos de 5% na última eleição).
A esquerda, nesse caso, terá que encontrar
outras instrumentos políticos para enfrentar a ofensiva conservadora – que
tende a se tornar ainda mais dura nos próximos anos.
Esse processo, na verdade, já se iniciou.
Mas não está definido.
P.S: vejo em alguns comentaristas e
militantes mais à esquerda a esperança de que Lula “vai entrar nesse jogo e
mudar tudo”; Lula pode muito, mas não é mágico; sem construir um novo bloco e
um novo projeto, não há líder salvador que salve coisa nenhuma…
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