O
jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
Em meio à enxurrada de depoimentos divulgados por Edson Facchin convém
prestar atenção aos 32 minutos gravados por Emílio Odebrecht, manda chuva do
grupo nos últimos 30 anos, voz influente nas nomeações dos principais
dirigentes, interlocutor de presidentes e personagens decisivos da política
brasileira nas últimas décadas.
O governador, senador
e ministro Antonio Carlos Magalhães, homem forte dos anos finais da ditadura e
do governo José Sarney, era o contato de Emílio Odebrecht com a chamada Nova
República. Mais tarde, tinha conversas frequentes com Fernando Henrique Cardoso,
numa relação que merece várias referências elogiosas nas memórias de FHC.
Também foi o interlocutor de Lula, com quem dialogava antes, durante e depois
de seus dois mandatos no Planalto.
Com a
autoridade de quem partilhou conversas variadas e assumiu funções políticas de
alta relevância para os destinos do país, no depoimento Emílio Odebrecht deixa
os casos específicos e faz questão de ir mais fundo, encarando um ponto
central da crise que o país enfrenta - o papel da mídia na Lava Jato e na
transformação de uma investigação jurídica numa crise política.
O empresário lembra
que a população brasileira está sendo apresentada a fatos sabidos "há 30 anos". Diz que os
acertos entre autoridades e grandes empreiteiras não só eram um "negócio institucionalizado", mas vistos como "uma coisa normal" e afirma: "o que me entristece é que a
imprensa toda sabia."
E pergunta:
"por que agora estão
fazendo isso? Por que não fizeram isso há dez, quinze, trinta anos?" Sem empregar a
palavra "hipocrisia", Emílio Odebrecht bate duro: "a imprensa sabia disso e agora fica
com essa demagogia".
As relações
entre a mídia e o sistema chamado pelo Ministério Público como
"capitalismo de compadrio" estão na essência da ofensiva
jurídica-política que colocou o país numa crise histórica, a partir de uma
"investigação necessária que se transformou numa operação contra a
democracia," conforme sustento no livro A Outra História da Lava Jato. A
naturalização de práticas hoje condenadas seria impensável sem o silêncio
amistoso de jornais e revistas. O ambiente de intolerância e ruptura
institucional, consumado num golpe sem crime de responsabilidade configurado,
também seria impossível sem apoio direto da mídia.
Em 2014, a operação
ainda estava no início, mas foi usada para criar um clima agressivo na reta
final da campanha que inflou artificialmente os votos de Aécio Neves nos
últimos dias.
No mesmo
período, Sérgio Moro foi Homem do Ano pela Isto é, um dos 100 mais influentes
da Época, A Personalidade do Ano para O Globo.
Estamos falando
de uma situação que ajuda a explicar o silêncio "de 30 anos" de que
fala Emílio Odebrecht, quebrado pela primeira vez em 2005, na AP 470, quando
Lula e o Partido dos Trabalhadores se tornaram alvos prioritários de uma caçada
que se prolonga até hoje.
Como nós
sabemos, a matéria prima das denúncias do chamado mensalão, encontrava-se nas
agências de publicidade comandadas por Marcos Valério, colocadas no
centro das suspeitas em torno de distribuição de recursos clandestinos. Capazes
de assegurar um tratamento heróico a Joaquim Barbosa, os grandes meios de
comunicação seguiam recebendo a publicidade oficial como sempre, disputando
anúncios e campanhas e os marotos "informes publicitários," pagando
os célebres "bônus de volume" aos executivos que distribuíam
recursos. Jamais foram levados a explicar um ponto fundamental na mecânica da
acusação: se a publicidade que vinha das agências do esquema era suspeita, se
os gastos de receitas eram forjados para desviar dinheiro, qual o papel do
cliente que publicava tudo isso?
Nada. Será mesmo?
Como disse
Emílio Odebrecht, estávamos falando de "um
negócio institucionalizado", visto como uma "coisa
normal."
Tão
"normal" como os favores que Antonio Carlos Magalhães gabava-se de ter
prestado a Roberto Marinho, o patrono e fundador do império Globo, a começar
pela sabotagem ao esforço de uma bancada de parlamentares que tentaram
democratizar os meios de comunicação na Constituinte.
Ou a
atuação de Geraldo Brindeiro, o Procurado Geral da República. Aplicado engavetador
de denúncias contra o governo FHC durante oito anos, na reta final da campanha
de 2002 Brindeiro levou ao Supremo uma denúncia midiática sobre o caso Celso
Daniel, que poderia atingir a campanha de Lula no coração, mas acabou rejeitada
por Nelson Jobim como puro "denuncismo."
No texto Operação Mani Pulitti, escrito em 2004, e que pode ser
lido como uma espécie de roteiro de trabalho da Lava Jato, Moro faz referência
a vários autores acadêmicos que se referem ao conceito de
"deslegitimação" dos políticos profissionais, como condição para o
sucesso de uma operação contra personalidades que são respeitadas pela
população. É aí que se refere ao trabalho de jornais e jornalistas.
Moro admite
que a punição de determinados agentes públicos é sempre difícil "pela
carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal."
Neste contexto, chega a atribuir a mídia uma função punitiva que deveria ser
monopólio da Justiça. Escreve que a postura aliada de jornais e revistas podem
servir como um "salutar substitutivo" a punição judicial, pois têm
"condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes
corruptos, condenando-os ao ostracismo."
Num
comentário em que sublinha a importância de se manter boas relações com a
mídia, Moro se refere ao papel que os jornalistas podem assumir como
instrumento de pressão contra cidadãos mantidos sob o regime de prisão
preventiva, que cumpre um papel essencial nas investigações. Fala da
importância da "disseminação de informações sobre uma corrente de confissões
ocorrendo atrás das portas fechadas dos gabinetes de magistrados."
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