"A velhice não é uma batalha; a
velhice é um massacre" (constatação
do romancista Philip Roth, citado no livro "Mortal", do médico Atul
Gawande, que detona esta bobagem
de "melhor idade").
Tudo bom, tudo muito bonito até aqui, mas
acabo de descobrir que me restam apenas mais três anos, segundo a tabela sobre
"expectativa de vida ao nascer" publicada ao lado da resenha do livro
de Atul Gawande, assinada por Ricardo Mioto, no caderno Equilíbrio, da Folha de
terça-feira (ao contrário de alguns colegas, que escrevem hoje o que escrevi
ontem, costumo dar crédito à fonte dos meus comentários).
Levei um susto. Afinal, estou com 67 e
meio, e a média de sobrevida para os homens no Brasil, segundo dados de 2013, é
de 70,4 anos (o jornal não cita a fonte da pesquisa). Será que é isso mesmo? Só
isso? É muito pouco! Não me conformo. Ainda bem que previsões baseadas em
pesquisas nem sempre se confirmam _ nem as do tempo, como estamos cansados de
ver todos os dias.
Nunca tinha feito estas contas, nem
pensado nisso, mas aí surge a inapelável pergunta do título desta coluna: o que
fazer para aproveitar melhor o pouco tempo que me sobra viver neste mundo?
Não que eu tenha ainda muitas coisas para
fazer, contas a acertar ou livros para publicar. Com toda franqueza, posso
garantir a vocês que a vida já me deu muito mais do que sonhava quando era
menino e nem pensava que um dia poderia morrer. Depois que sobrevivi à cirurgia
para tirar um tumor da cabeça, quando tinha apenas oito meses de idade, o que
veio depois foi lucro. Dizem os inimigos que o médico se enganou e tirou a
parte boa...
Agradeço a Deus todos os dias e, nas
minhas conversas com Ele, antes de dormir, só peço saúde para a família,
equilíbrio e força para enfrentar o dia seguinte. O resto se ajeita.
Já viajei pelo Brasil inteiro várias
vezes, por todos os Estados, das capitais aos grotões. E conheci boa parte do
mundo, pelo menos a que queria conhecer, quase sempre a trabalho, mas gosto
mesmo é daqui. Nunca pensei em ir embora.
O que falta? Para falar bem a verdade,
não tem nenhum lugar do mundo capaz de me fazer hoje sair do meu canto para
enfrentar aeroportos, check-in e check-out de hotel, levas de turistas, filas
em restaurantes e museus, o arrumar e desarrumar malas, comprar lembrancinhas,
tirar fotos, essas coisas. Tudo tem seu tempo e sua hora. Só me animaria a
pegar um avião para voltar ao nordeste brasileiro, de preferência a João
Pessoa, mas até para fazer isso ando com preguiça.
Claro que ainda faltam milhões de livros
para ler e belas paisagens para descobrir, mas já que não vai dar tempo mesmo,
melhor é tocar o barquinho devagar, bolar sempre novos projetos de trabalho e
fazer direito os que já tenho, curtir com calma os cinco netos, sem pressas nem
ansiedades. Nem é mais tempo de conquistar novos amigos, bastam-me os que já
fiz e que, de vez em quando, me enchem o saco. Eu sei, com o tempo a gente vai
ficando ranzinza, mais exigente, chato mesmo, não são só os outros...
Pensando bem, não me falta nada, e não
quero assumir novos compromissos. Não vou mais a debates, dispenso palestras,
atendo apenas a um ou outro convite de estudantes de jornalismo porque me vejo
na obrigação de devolver um pouco do muito que a profissão me deu. Tenho a
consciência tranquila de que já fiz a minha parte nas muitas lutas coletivas da
minha geração.
Em sua resenha, Ricardo Mioto citou um
trecho do livro de Atul Gawande, em que o autor reproduz o que ouviu de um
geriatra:
"O velhinho é surdo. Não enxerga
bem. Pode estar com a memória prejudicada. Ele não tem uma queixa principal _
tem 15 queixas. Como você vai lidar com todas elas? Você se sente
sobrecarregado".
Por falar nisso, se a memória não me
falha, e ela tem falhado cada vez mais, tenho consulta marcada com meu geriatra
na próxima semana. Vou falar desse assunto com ele. Você percebe que está
ficando velho não é quando não consegue ouvir o que os outros falam. É quando
os outros não ouvem, não prestam atenção no que você fala.
E vida que segue. É a tal história: só
fica velho quem está vivo... A velhice é uma merda, mas a opção é pior, como
disse certa vez a grande Tônia Carrero.
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