sábado, 24 de outubro de 2015

Que fazer nos três anos de vida que me restam?

"A velhice não é uma batalha; a velhice é um massacre" (constatação do romancista Philip Roth, citado no livro "Mortal", do médico Atul Gawande, que detona esta bobagem de "melhor idade").

Tudo bom, tudo muito bonito até aqui, mas acabo de descobrir que me restam apenas mais três anos, segundo a tabela sobre "expectativa de vida ao nascer" publicada ao lado da resenha do livro de Atul Gawande, assinada por Ricardo Mioto, no caderno Equilíbrio, da Folha de terça-feira (ao contrário de alguns colegas, que escrevem hoje o que escrevi ontem, costumo dar crédito à fonte dos meus comentários).

Levei um susto. Afinal, estou com 67 e meio, e a média de sobrevida para os homens no Brasil, segundo dados de 2013, é de 70,4 anos (o jornal não cita a fonte da pesquisa). Será que é isso mesmo? Só isso? É muito pouco! Não me conformo. Ainda bem que previsões baseadas em pesquisas nem sempre se confirmam _ nem as do tempo, como estamos cansados de ver todos os dias.

Nunca tinha feito estas contas, nem pensado nisso, mas aí surge a inapelável pergunta do título desta coluna: o que fazer para aproveitar melhor o pouco tempo que me sobra viver neste mundo?

Não que eu tenha ainda muitas coisas para fazer, contas a acertar ou livros para publicar. Com toda franqueza, posso garantir a vocês que a vida já me deu muito mais do que sonhava quando era menino e nem pensava que um dia poderia morrer. Depois que sobrevivi à cirurgia para tirar um tumor da cabeça, quando tinha apenas oito meses de idade, o que veio depois foi lucro. Dizem os inimigos que o médico se enganou e tirou a parte boa...

Agradeço a Deus todos os dias e, nas minhas conversas com Ele, antes de dormir, só peço saúde para a família, equilíbrio e força para enfrentar o dia seguinte. O resto se ajeita.

Já viajei pelo Brasil inteiro várias vezes, por todos os Estados, das capitais aos grotões. E conheci boa parte do mundo, pelo menos a que queria conhecer, quase sempre a trabalho, mas gosto mesmo é daqui. Nunca pensei em ir embora.

O que falta? Para falar bem a verdade, não tem nenhum lugar do mundo capaz de me fazer hoje sair do meu canto para enfrentar aeroportos, check-in e check-out de hotel, levas de turistas, filas em restaurantes e museus, o arrumar e desarrumar malas, comprar lembrancinhas, tirar fotos, essas coisas. Tudo tem seu tempo e sua hora. Só me animaria a pegar um avião para voltar ao nordeste brasileiro, de preferência a João Pessoa, mas até para fazer isso ando com preguiça.

Claro que ainda faltam milhões de livros para ler e belas paisagens para descobrir, mas já que não vai dar tempo mesmo, melhor é tocar o barquinho devagar, bolar sempre novos projetos de trabalho e fazer direito os que já tenho, curtir com calma os cinco netos, sem pressas nem ansiedades. Nem é mais tempo de conquistar novos amigos, bastam-me os que já fiz e que, de vez em quando, me enchem o saco. Eu sei, com o tempo a gente vai ficando ranzinza, mais exigente, chato mesmo, não são só os outros...

Pensando bem, não me falta nada, e não quero assumir novos compromissos. Não vou mais a debates, dispenso palestras, atendo apenas a um ou outro convite de estudantes de jornalismo porque me vejo na obrigação de devolver um pouco do muito que a profissão me deu. Tenho a consciência tranquila de que já fiz a minha parte nas muitas lutas coletivas da minha geração.

Em sua resenha, Ricardo Mioto citou um trecho do livro de Atul Gawande, em que o autor reproduz o que ouviu de um geriatra:

"O velhinho é surdo. Não enxerga bem. Pode estar com a memória prejudicada. Ele não tem uma queixa principal _ tem 15 queixas. Como você vai lidar com todas elas? Você se sente sobrecarregado".

Por falar nisso, se a memória não me falha, e ela tem falhado cada vez mais, tenho consulta marcada com meu geriatra na próxima semana. Vou falar desse assunto com ele. Você percebe que está ficando velho não é quando não consegue ouvir o que os outros falam. É quando os outros não ouvem, não prestam atenção no que você fala.


E vida que segue. É a tal história: só fica velho quem está vivo... A velhice é uma merda, mas a opção é pior, como disse certa vez a grande Tônia Carrero.


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