Lindbergh
Farias: No Brasil, como na Alemanha nazista, o mal banalizou-se
Por Conceição Oliveira
Lindbergh Farias: Mídia e setores irresponsáveis da oposição geraram clima de ódio
"Petista bom é petista morto”. Era o que diziam os
panfletos que foram jogados no local onde estava sendo velado o corpo do grande
e querido Senador José Eduardo Dutra.
"Petista bom é petista morto”. Era o que diziam os
panfletos que foram jogados no local onde estava sendo velado o corpo do grande
e querido Senador José Eduardo Dutra.
Chocante? Por certo que é algo chocante, que
causa profunda indignação em quem tem um mínimo de civilidade. Afinal, uma das
características mais marcantes da nossa espécie, o Homo sapiens, é que ela
enterra os seus mortos em rituais de despedida. Até mesmo outra espécie do
gênero Homo, oNeanderthal, já enterrava cuidadosamente os seus mortos.
Os mortos fazem parte do sagrado, pois eles
são a ponte entre esta vida e a outra vida. Assim, o respeito aos mortos é algo
universal nas culturas humanas. É a base de todas as religiões. É o que
sustenta a ideia de transcendência. Na realidade, é algo essencial para definir
nossa natureza humana. Assim, a profanação dos mortos é algo que se considera
mais que chocante.
É coisa abominável, coisa que nem os
neanterdais do passado faziam. Mas será que é algo surpreendente? Infelizmente
acho que, no Brasil doentio e neoudenista de hoje, essas manifestações insanas
de ódio político contra o PT e a esquerda em geral tornaram-se corriqueiras,
quase banais. Na realidade, não surpreendem mais. São consideradas algo
“normal”. A nossa imprensa conservadora e a nossa oposição as tratam como
coisas irrelevantes, sem importância.
Recentemente, houve um atentado a bomba
contra o Instituto Lula, que mereceu parcas linhas na mídia e comentários
jocosos nas redes sociais. Só faltaram dizer: bem feito! Jogaram uma bomba
contra o Instituto Lula? Bem feito! Morreu um petista de câncer? Bem feito! Que
morram outros.
No Brasil, como na Alemanha nazista, o mal
banalizou-se, diria Hannah Arendt. Gente normal, comum, acha aceitável e
desejável a violência contra petistas, marxistas, esquerdistas, bolivarianos e
outros tais.
Hoje considera-se, em certos círculos
insanos, aceitável que petistas, simpatizantes do Governo, representantes de
movimentos sociais ou esquerdistas de um modo geral sejam insultados, agredidos
em restaurantes, aeroportos, hospitais ou mesmo em velórios.
Há uma escalada extremamente perigosa de ódio
político. Em breve, se algo não for feito, se considerará normal agredir
fisicamente, ou mesmo assassinar petistas, assim como se considerou normal e
desejável, em outros momentos da história, assassinar índios – por exemplo, na
grande guerra contra os nativos americanos dos Estados Unidos da América.
A frase que usaram no velório do ex-Senador
Dutra deriva da famosa frase do General Philip Sheridan. Em 1869, logo após uma
dura batalha, as forças do exército dos EUA derrotaram e aprisionaram o chefe
dos comanches, Tosawi. O prisioneiro, querendo impressionar Sheridan, disse:
“Sou Tosawi, um bom índio”. Sheridan replicou: “Os únicos bons índios que eu vi
estavam mortos”.
Embora Sheridan a tenha renegado, a frase foi
registrada por várias fontes confiáveis e, curiosamente, não lhe causou
prejuízo algum. Ao contrário, quando morreu, Sheridan tinha o cargo de
Comandante em Chefe do Exército, honraria antes atribuída apenas a Washington,
Grant e Sherman.
Em 1886, Theodore Roosevelt, que se tornaria
presidente dos EUA, afirmou, numa palestra, que embora não fosse tão longe em
considerar que todos os índios bons eram os mortos, achava que esse era o caso
de 9 entre 10 índios; e que não tinha muita certeza sobre o décimo.
Foi essa a mentalidade que provocou o covarde
genocídio dos nativos norte-americanos. Foi essa a mentalidade que, em última
instância, criou Auschwitz.
O que torna a violência contra um determinado grupo, político, étnico,
religioso ou de orientação sexual algo aceitável? O que torna algo que seria,
em princípio, chocante em coisa normal, banal? O que torna a profanação dos
mortos algo aceitável?
Numa palavra: ódio. Porque o ódio desumaniza, desumaniza o alvo do ódio
e desumaniza aquele que odeia.
Desumaniza até mesmo os mortos. O ódio exige
cadáveres insepultos. No genocídio armênio, as autoridades turcas impediam os
familiares de enterrarem seus mortos. Era necessário que apodrecessem à vista
de todos. Era necessário que seus olhos, as janelas da alma, fossem devorados
pelos corvos.
Mas o ódio contra esses grupos não é algo natural, ele não surge por
geração espontânea. Como diria Mandela, o ódio é algo que se ensina.
Ninguém nasce odiando. O ódio se aprende. E normalmente se aprende com
desinformação, com distorção e com mentiras. É necessário desumanizar e
demonizar o alvo do ódio para que o ódio seja considerado algo normal e
desejável.
Foi necessário se repetir a exaustão que os
problemas da Alemanha tinham a sua origem nos “ratos judeus” para que o
Holocausto se tornasse palatável. Foi necessário se afirmar repetidamente que
os tutsis eram “baratas” para que 800 mil deles fossem abatidos a golpes de
facão.
E, no Brasil, quem ensinou e ensina esse ódio insano? Quem tornou
possível que algumas pessoas se julgassem no direito de profanar o velório do
Dutra? O que vem colocando nosso embate político abaixo do nível dos
neandertais, que respeitavam seus mortos? Quais fatores criaram esse vale-tudo
que ameaça transformar a nossa democracia num vale-nada?
Não tenho dúvida de que boa parte da nossa mídia e setores
irresponsáveis da oposição vêm se encarregando há anos de gerar um clima
propício a essa barbárie. A frase absurda dos panfletos já vinha sendo escrita,
há tempos, nas mentes dos insanos. Existe, de fato, há muito tempo, uma
campanha sórdida, covarde e cínica contra o PT e seus governos. Uma campanha
que, baseada nos ensinamentos de Goebbels, repete insistentemente mentiras para
torná-las verdades.
Darei um exemplo claro. Há meses que revistas
de grande circulação nacional, especialmente a revista Época, vêm publicando
reportagens procurando convencer a opinião pública de que Lula teria cometido
crimes fazendo lobby para as grandes empreiteiras nacionais.
Esta semana, quando o Ministério Público da
Suíça denunciou que o Presidente da Câmara dos Deputados tem dez contas
secretas naquele país, o que fizeram essas revistas, em tese dedicadas a bem
informar a opinião pública? Voltaram a assestar suas baterias contra Lula.
Substituíram a divulgação da corrupção comprovada pela divulgação de crimes
fictícios. Misturando meias verdades, informações distorcidas e uma alta dose
de imaginação, voltaram a criar uma precária peça de ficção policial travestida
de reportagem objetiva e imparcial.
A revista Época, em especial, aposta na
paranoia anticomunista e nos preconceitos contra a África para que as suas
informações prosaicas e anódinas se convertam numa trama diabólica. Com efeito,
essa revista, assim como várias outras no Brasil, navega hoje nas revoltas e
obscuras águas do anticomunismo, do “antibolivarianismo” e do antipetismo.
Recriaram, em pleno século XXI, o mesmo clima da Guerra Fria que vigorava nos
anos 50 e 60 do século passado. É o ódio mais primitivo a tudo o que é de
esquerda.
A revista Época está definitivamente fora de época. Aparentemente, está
também um pouco fora de si, cega de ódio a Lula e ao PT. É isso o que explica a
ignorância abissal sobre o estratégico tema da exportação de serviços.
Queria aqui fazer uma cobrança aberta aos tucanos também. Porque, veja
bem, nós estamos em uma escalada. Houve a bomba ao Instituto Lula, houve o
episódio do constrangimento que fizeram no aeroporto – um grupo organizado,
sabemos quem são as pessoas – a João Pedro Stédile, constrangimentos em locais
públicos e esse caso da bomba.
Eu não vi aqui uma declaração de uma Liderança do PSDB condenando o
fato de fascistas jogarem panfletos no momento do velório de Eduardo Dutra,
dizendo: “Petista bom é petista morto”. Este é o momento, e eu faço este apelo
aqui para Liderança do PSDB, de falarem para os seus setores mais raivosos,
dizer: “Isso não”. Estão compactuando com práticas fascistas.
Então, eu faço essa provocação porque eu espero, sinceramente, que
daqui a pouco, mais tarde, venha alguém aqui dizendo: Olha, nós, do PSDB, nos
solidarizamos com o ocorrido no velório do Senador José Eduardo Dutra. É
preciso que eles façam isso. É preciso segurar aquela base mais radical, porque
são grupos fascistas, não tem outro nome para designar tudo isso.
Eu fico pensando: onde é que nós vamos parar nessa escalada de
acirramento da luta política? Pensam os tucanos que vão ficar fora disso, com
esse ensinamento ao ódio cotidiano a que nós estamos indo. É algo muito
perigoso, é um terreno muito perigoso em que estamos entrando, que todos os
democratas tinham que se posicionar, porque daqui a pouco – e nós vamos sempre
desestimular – vai haver gente aqui querendo fazer do outro lado, e esse não é
o caminho que nós queremos.
Mandela dizia o seguinte: “O ódio é algo que
se ensina. Ninguém nasce odiando. O ódio se aprende”.
Esse ódio ao PT, e especialmente a Lula, tem entretanto uma origem: o
medo. Eles têm medo dessa liderança. E não é só por causa da sucessão
presidencial de 2018. Eles têm medo do que essa liderança é capaz aqui e agora.
Lula é a única liderança política brasileira capaz de catalisar uma
oposição efetiva à destruição do modelo nacional e popular que levou cidadania
a 40 milhões de brasileiros.
Lula é a única personalidade política que tem carisma e legitimidade
para dar limites à voracidade do capital e à restauração do neoliberalismo no
Brasil.
Lula é o oposto ao ódio, Lula é a esperança. É necessário matá-la, destruí-la,
para que triunfe, definitivamente, o pessimismo e ódio que nos conduzirão ao
passado obscuro da desigualdade e da pobreza.
Mas estão mexendo com pólvora. Um povo que perde a
sua esperança é um povo que perde a capacidade de perdoar os seus algozes. O
povo não odeia, mas não esquece quem lhe fez mal e, sobretudo, não olvida
aqueles poucos que por eles lutaram.
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