Lava Jato: a operação abafa vai pelo ralo
Os grampos na cela de Youssef estavam ativos, confirma
uma perícia
O RAPADURA reproduz matéria de Marcelo Auler publicado dia dezessete as 04h23 na revista
O equipamento
encontrado pelo doleiro captou mais de cem horas de conversas
Nem
tudo anda bem na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, sede das
investigações da Lava
Jato. Circula uma lista de policiais federais, alguns de outras
regiões do País, considerados “dissidentes” pelos integrantes da força-tarefa.
Até o atual deputado federal Fernando Francischini, delegado de carreira e
ex-superintendente no estado, foi incluído.
Em uma folha de papel, conforme denunciou o delegado Mario Renato
Castanheira Fanton na 12ª Vara Federal de Curitiba e na CPI da Petrobras, na Câmara dos Deputados, o
chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado do Paraná, Igor
Romário de Paula, relacionou mais de 15 “suspeitos”, entre delegados, agentes
federais e um desembargador do Tribunal Regional Federal afastado das funções
pelo Conselho Nacional de Justiça, a ser investigados.
Com base em informações da doleira Nelma Kodama, de jornalistas ou por
meio de denúncias anônimas, Igor de Paula conclui que o tal grupo pretendia
vender dossiês para os advogados dos acusados no escândalo da Petrobras.
Objetivo? Melar a Lava Jato.
A suspeita foi o combustível que alimentou ainda mais o clima de
discórdia entre os policiais federais que atuam não apenas em Curitiba, mas
também no interior paranaense, Foz do Iguaçu e Paranaguá incluídos, ou que já
não cumprem suas funções no estado.
Entre os “dissidentes” encontram-se aqueles que, no início da operação,
em março de 2014, criticaram internamente certos métodos adotados pela
força-tarefa, a começar pelo grampo encontrado na cela do doleiro Alberto
Youssef e descoberto pelo preso em abril do ano passado. Não à toa, no centro
do organograma desenhado por Igor de Paula aparecem os delegados José Alberto Freitas
Iegas, Paulo Renato Herrera e Rivaldo Venâncio.
A cúpula da superintendência continua a negar com veemência que o
aparelho de escuta encontrado estivesse ativado. Uma sindicância feita sem
maiores apuros (sequer foi pedida a perícia do equipamento) concluiu tratar-se
de um transmissor de áudio instalado à época em que o traficante Fernandinho
Beira-Mar esteve preso em Curitiba para responder a um processo. Os federais
suspeitavam de um atentado contra o juiz Sergio Moro planejado por Beira-Mar.
Os três delegados “dissidentes” colocaram em dúvida essa versão.
Herrera, hoje licenciado por problemas psicológicos, foi o primeiro a levantar
suspeitas sobre os métodos da força-tarefa e levou suas preocupações aos
superiores em Brasília. Inclusive ao Ministério da Justiça, segundo consta. Legas, ex-superintendente e ex-diretor de Inteligência em Brasília, confirmou à
CPI da Petrobras que o grampo não era o mesmo usado na época de Beira-Mar. O
aparelho encontrado na cela de Youssef chegou ao Paraná meses depois de o
traficante ser transferido.
Venâncio, ex-chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, teve uma
discussão com Igor de Paula que culminou em seu pedido de afastamento do cargo
de substituto do colega na delegacia de combate ao crime organizado. Para
bisbilhotar possíveis conversas de Venâncio, a delegada Daniele
Gossenheimer Rodrigues, chefe do Núcleo de Inteligência Policial e mulher de
Igor de Paula, mandou instalar uma escuta clandestina no fumódromo da
superintendência. Tudo isso foi abafado para não comprometer a credibilidade da
operação.
O organograma do delegado Igor de
Paula: delírio inquisitorial?
Em maio, a versão da sindicância começou a desabar. O agente Dalmey
Fernando Werlang confessou a Fanton ter instalado o grampo na cela e no
fumódromo. O primeiro, que visava o doleiro, disse, foi determinado por Igor de
Paula e respaldado pelo superintendente Rosalvo Ferreira Franco e pelo delegado
Márcio Anselmo Adriano, chefe das investigações da Lava Jato. Após a confissão,
Werlang passou a ser alijado do grupo, assim como Fanton.
Na terça-feira 6, o deputado Aluísio Guimarães Mendes Filho, agente
federal licenciado e integrante da CPI da Petrobras, obteve, de forma
extraoficial, a confirmação de que a perícia em Brasília recuperou cerca de cem
horas de áudios captados pelo equipamento instalado na cela do doleiro. Ou
seja, a se confirmarem as informações repassadas ao deputado, os delegados da
Lava Jato mentiram. Em tese, se as regras forem levadas a ferro e fogo,
poderiam responder por perjúrio. Diante de Moro, eles negaram a instalação do grampo.
A CPI tentou ouvi-los, mas um habeas corpus garantiu a ausência dos
investigadores na comissão.
Em Curitiba, o advogado de Youssef, Antônio Augusto Lopes Figueiredo
Bastos, que tomou conhecimento do fato pelo blog marceloauler.com.br, disse
estar em compasso de espera.
“Preciso ter acesso a este material para poder me posicionar com
tranquilidade. Evidentemente, sob o ponto de vista da investigação, isso é uma
coisa muito séria. Extremamente complicado se isto estiver ativo e foi colocado
para tentar envolver. Mas nós temos que estudar qual seria o efeito para a
investigação e quais seriam os danos a serem causados. Ainda não fiz esta
prospecção. Agora, evidentemente, se confirmado, vai causar, no mínimo, um
sério dano à investigação.”
Segundo um dos
“dissidentes”, houve uma tentativa de intimidar quem levantou suspeitas sobre
certos aspectos da investigação, por serem de legalidade duvidosa. A versão da
venda de dossiês teria sido criada para colocá-los sob suspeição. Como Fanton
declarou em juízo, o Inquérito 737 foi aberto com informações fornecidas pelo
delegado Igor de Paula, baseadas em fontes pouco confiáveis ou mesmo
desconhecidas. Rapidamente foram, no entanto, vazadas a jornalistas para
desclassificar os críticos. Os tais dossiês, até agora, não apareceram.
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