Leonardo Sakamoto *
Um aluno me perguntou se
eu não achava exagero estar aparecendo tanta coisa sobre o golpe militar de 1964
na mídia. Em sua opinião (“Já deu, né?”), o assunto é chato e ele e seus amigos
não aguentam mais esse assunto.
Ainda bem que era só um
futuro jornalista. Nada com o qual devemos nos preocupar.
É claro que a história
pode ser contada e analisada de uma maneira mais interessante do que é feito
hoje, tanto pelas escolas quanto pela mídia. Nisso, podemos melhorar e muito,
tornando o aprendizado tão viciante quanto jogar Candy Crush.
Ou se isso não for
possível que, pelo menos, crianças e adolescentes sejam levadas a compreender
qual a utilidade de se conhecer os caminhos já trilhados pelos que vieram antes
deles para não repetir os mesmos erros. Perceber que o mundo não começa com seu
nascimento, nem vai se exaurir com a sua morte.
O golpe e a ditadura cívico-militar
ainda são temas que não fazem parte de nosso cotidiano em comparação com outros
países que viveram realidades semelhantes e que almejam ser democracias. Por
aqui, lidamos com o passado como se ele tivesse automaticamente feito as pazes com
o presente.
Aliás, deveríamos
transformar o dia do golpe militar de 1964 em feriado nacional. Talvez assim
possamos garantir que esse dia nunca seja encarado por nós e, principalmente,
pelas gerações que virão como um grande Primeiro de Abril, como se o golpe de 1964
nunca tivesse existido.
Cicatriz que não deveria
ser escondida mas permanecer como algo incômodo, à vista de todos, funcionando
como um lembrete. Não vivemos três décadas de piada, apesar da elite
militar e parte da elite econômica do país terem rido muito às custas de quem
pedia liberdade e democracia nos Anos de Chumbo.
Pouco me importa o que
pensam os verde-oliva da reserva que tomam seu uísque nos Clubes
Militares enquanto, saudosos, lançam confetes ao Dia da Revolução (sic).
Demonstrações de afeto a um período autoritário são peça de museu, então que
fiquem, democraticamente, com quem faz parte do passado.
Mas eles precisam saber
– ainda em vida – que, desta vez, a História não vai ficar com a versão dos golpistas. E que o mundo que eles ajudaram a construir, mais cedo ou mais
tarde, vai embora com eles. Não por vingança, mas por Justiça.
Em nome de uma suposta
estabilidade institucional, o passado não resolvido permanece nos assombrando.
Seja através de um olhar perdido da mãe de um amigo que, da janela, permanece a
esperar o marido que jaz no fundo do mar, lançado de
helicóptero. Seja adotando os métodos desenvolvidos por eles para garantir a ordem e o progresso.
Durante a ditadura, os
militares armaram uma farsa para encobrir o assassinato do jornalista Vladimir
Herzog. A explicação trazida à público, de suicídio na cela, não convenceu e a
morte de Vlado tornou-se símbolo na luta contra o
regime. Mas fez escola.
Em São Paulo, um homem
de 39 anos foi encontrado enforcado pouco mais de duas horas depois de ter sido
preso.
Supostamente, era traficante e transportava cocaína.
Supostamente, teria se enforcado usando um cadarço de sapato.
Questionado por
jornalistas se não é praxe da polícia retirar os cadarços de sapatos de presos,
um policial afirmou que o acusado usou um pedaço de papelão para arrastar um
cadarço que estava fora da cela. Seria cômica se não fosse ofensiva
uma justificativa dessas.
Como aqui já disse, o
impacto de não resolvermos o nosso passado se faz sentir no dia-a-dia dos
distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes
cidades, em manifestações, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando ou reprimindo parte da população
(normalmente mais pobre) com a anuência da
outra parte (quase sempre mais rica). A verdade é que não
queremos olhar para o retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas
por nos revelar qual a nossa cara hoje.
Lembrar é fundamental
para que não deixemos certas coisas acontecerem novamente.
Que o Supremo Tribunal
Federal reconsidere e afirme que crimes contra a humanidade, como a tortura,
não podem ser anistiados, nunca.
Que a história dos
assassinatos sob responsabilidade da ditadura seja conhecida e contada nas
escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas
crianças
e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam
não foi de mão beijada.
Mas custou o sangue, a
carne e a saudade de muita gente.
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