
Por
Leonardo Boff
Todos reconhecem que estamos mergulhados numa
profunda crise, das mais graves de nossa história, porque recobre todos os
âmbitos da vida social e particular. O fato da crise significa que perdemos as
estrelas-guia e nos encontramos num voo cego, sem saber para onde vamos.
Ninguém hoje pode dizer o que será o Brasil nos próximos meses. Por isso não é
verdadeira a afirmação de que as instituições estão funcionando. Se
funcionassem não haveria crise. Elas funcionam para alguns e para outros são
completamente disfuncionais, especialmente, para a grande maioria do povo,
vítima de reformas sociais que vão contra seus anelos mais profundos e, pior,
que implicam a retirada de direitos e de conquistas históricas, como previstas nas
reformas trabalhista e previdenciária.
O fato é agravado pela
ilegitimidade do Presidente, cuja legalidade é discutida e para
muitos, consequência de um golpe parlamentar por trás do qual se ocultam, como
em outras ocasiões, as oligarquias econômicas e os endinheirados
rentistas que controlam grande parte da economia nacional e que veem ameaçada
a sua acumulação perversa.
Ninguém pode negar que estamos
mergulhados num caos político que se revela pelo esgarçamento dos
limites dos três poderes da república, um invadindo a esfera do outro. Os
procuradores, os juízes e as forças policiais que operam a Lava Jato passam por
cima de preceitos constitucionais, alguns sagrados em todas as tradições
jurídicas desde o tempo do Código de Hamurabi (1772 a.C.) que é a
presunção de inocência. As investigações da Lava Jato e as delações premiadas
puseram à luz do dia o que grassava há dezenas de anos: a rede de corrupção que
tomou conta do Estado, das grandes corporações e dos parlamentares, em sua maioria
eleitos pelas grandes empresas, representando mais os interesses delas
e menos os do povo.
Chegamos a um ponto
crítico que temos à frente do poder executivo um Presidente acusado
de corrupção, cercado de ministros, em grande parte denunciados e corruptos.
Tanto o parlamento quanto o Presidente perderam totalmente a
credibilidade que se revela pelos baixíssimos índices de aprovação popular.
O Presidente não mostra nenhuma
grandeza, vítima da própria mediocridade e ilimitada vaidade. Aferra-se ao
poder, sabendo da desgraça que isso representa para o povo e a desmoralização
completa da atividade política. Caso renuncie ou perca o cargo no processo no
TSE, invoca-se o artigo 81 da Constituição – que não é cláusula pétrea como
querem alguns – que prevê a eleição indireta do Presidente pelo Congresso.
Das ruas e de todos os estratos
vem a grita: que legitimidade possui um congresso, quando grande parte dele é
constituída por denunciados por crimes de corrução? Cresce dia a dia o reclamo
por eleições diretas já, não só do Presidente, mas também de todos os
parlamentares. Portanto eleições diretas gerais e já.
Quando vigora um caos politico e
sem lideranças com capacidade de mostrar uma direção, a solução mais sensata é
voltar ao primeiro artigo da constituição que reza: “todo poder emana do povo”.
Ele constitui o sujeito legítimo do poder político, o detentor da verdadeira
soberania. Todos os eleitos são representantes legitimados por este poder.
Como diz o conhecido jurista Nicola Matteucci da Universidade
Bolonha: “A soberania é um poder constituinte, o verdadeiro poder
último, supremo, originário… que se manifesta somente quando é quebrada a
unidade e coesão social” (Dicionário
de Política, Brasília 1986, p.1185).
Ora, nós estamos diante da quebra
da unidade e da coesão social. Não há mais nada que nos una, nem nos
partidos, nem na sociedade. Tudo pode ocorrer como uma explosão social
violenta, não excluída uma intervenção militar, já ensaiada nas manifestações
populares de Brasília no dia 25 de maio.
Quando ocorre tal caos social, é a
soberania popular que deve ser invocada e fazer-se valer. Esta é prévia à
constituição que prevê eleições apenas em 2018. Aqui está a base para se
convocar eleições diretas já. Nossa constituição está coberta de band-aids,
tantas foram as emendas que equivalem quase a metade de seu texto. Uma nova
emenda constitucional está sendo preparada que prevê a antecipação das eleições
gerais ainda para este ano. Estas não poderiam ser apenas do Presidente, mas de
todos os representantes políticos.
Que autoridade teria um
Presidente, eleito indiretamente, ou mesmo, diretamente, mantido o
atual Parlamento, eivado de má vontade e desmoralizado pelas acusações de
corrupção? Junto a esta eleição direta, viria uma reforma política mínima que introduzisse
a cláusula de barreira partidária e regulasse as coligações para evitar um
presidencialismo de coalizão que favoreceu a lógica das negociatas e da
corrupção e por isso não é mais recomendável. Esse caminho seria o mais viável
e precisamos apoiá-lo.
Leonardo Boff é teólogo e filósofo e articulista do JB on line.
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