Moro
atropela lei brasileira para atender pedido da polícia dos EUA
O juiz autorizou produção de documento falso e
abertura de conta secreta para agente de polícia americana
O Juiz Sérgio Moro determinou em 2007
a criação de RG e CPF falsos e a abertura de uma conta bancária secreta para
uso de um agente policial norte-americano, em investigação conjunta com a
Polícia Federal do Brasil. No decorrer da operação, um brasileiro investigado
nos EUA chegou a fazer uma remessa ilegal de US$ 100 mil para a conta falsa
aberta no Banco do Brasil, induzido pelo agente estrangeiro infiltrado.
Na manhã da terça-feira (dia 20),
os Jornalistas Livres questionaram o juiz paranaense sobre o assunto, por meio
da assessoria de imprensa da Justiça Federal, que afirmou não ter tempo hábil
para levantar as informações antes da publicação desta reportagem (leia mais
abaixo).
Todas essas informações constam nos
autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0 – a que os Jornalistas Livres tiveram
acesso – e que correu sob a fiscalização do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região até 2008, quando a competência da investigação foi transferida para a PF
no Rio de Janeiro.
Especialistas em Direito Penal
apontam ilegalidade na ação determinada pelo juiz paranaense, uma vez que a lei
brasileira não permite que autoridades policiais provoquem ou incorram em
crimes, mesmo que seja com o intuito de desvendar um ilícito maior. Além disso,
Moro não buscou autorização ou mesmo deu conhecimento ao Ministério da Justiça
da operação que julgava, conforme deveria ter feito, segundo a lei.
ENTENDA O CASO
Em março de 2007, a Polícia Federal
no Paraná recebeu da Embaixada dos Estados Unidos um ofício informando que as
autoridades do Estado da Geórgia estavam investigando um cidadão brasileiro
pela prática de remessas ilícitas de dinheiro de lá para o Brasil. Na mesma
correspondência, foi proposta uma investigação conjunta entre os países.
Dois meses depois, a PF solicitou uma
“autorização judicial para ação controlada” junto à 2ª Vara Federal de
Curitiba, então presidida pelo juiz Sérgio Moro, para realizar uma operação
conjunta com autoridades policiais norte-americanas. O pedido era para que se
criasse um CPF (Cadastro de Pessoa Física) falso e uma conta-corrente a ele
vinculada no Brasil, a fim de que policiais norte-americanos induzissem um
suspeito a remeter ilegalmente US$ 100 mil para o país. O objetivo da ação era
rastrear os caminhos e as contas por onde passaria a quantia. A solicitação foi
integralmente deferida pelo juiz Moro, que não deu ciência prévia ao Ministério
Público Federal da operação que autorizava, como determina a lei:
“Defiro o requerido pela autoridade policial, autorizando a realização da operação conjunta disfarçada e de todos os atos necessários para a sua efetivação no Brasil, a fim de revelar inteiramente as contas para remeter informalmente dinheiro dos Estados Unidos para o Brasil. A autorização inclui, se for o caso e segundo o planejamento a ser traçado entre as autoridades policiais, a utilização de agentes ou pessoas disfarçadas também no Brasil, a abertura de contas correntes no Brasil em nome delas ou de identidades a serem criadas.”
No mesmo despacho, Moro determinou que não configuraria crime de falsidade ideológica a criação e o fornecimento de documentação falsa aos agentes estrangeiros: “Caso se culmine por abrir contas em nome de pessoas não existentes e para tanto por fornecer dados falsos a agentes bancários, que as autoridades policiais não incorrem na prática de crimes, inclusive de falso, pois, um, agem com autorização judicial e, dois, não agem com dolo de cometer crimes, mas com dolo de realizar o necessário para a operação disfarçada e, com isso, combater crimes.”
Depois disso, foram feitas outras quatro solicitações da PF ao juiz Moro, todas deferidas pelo magistrado sem consulta prévia à Procuradoria Federal. Atendendo aos pedidos, o juiz solicitou a criação do CPF falso para a Receita Federal:
“Ilmo. Sr. Secretário da Receita
Federal,
A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos solicitar a criação de um CPF em nome da pessoa fictícia Carlos Augusto Geronasso, filho de Antonieta de Fátima Geronasso, residente à Rua Padre Antônio Simeão Neto, nº 1.704, bairro Cabral, em Curitiba/PR”.
Além disso, o magistrado solicitou a
abertura de uma conta no Banco do Brasil, com a orientação de que os órgãos
financeiros fiscalizadores não fossem informados de qualquer operação suspeita:
“Ilmo. Sr. Gerente, [do Banco do
Brasil].
A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos determinar a abertura de conta corrente em nome de (identidade falsa).
A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos determinar a abertura de conta corrente em nome de (identidade falsa).
(…) De forma semelhante, não deverá
ser comunicada ao COAF ou ao Bacen qualquer operação suspeita envolvendo a
referida conta”.
Criados o CPF e a conta bancária, as
autoridades norte-americanas realizaram a operação. Dirigiram-se ao suspeito e,
fingindo serem clientes, entregaram-lhe a quantia, solicitando que fosse
ilegalmente transferida para a conta fictícia no Brasil.
Feita a transferência, o caminho do
dinheiro enviado à conta falsa foi rastreado, chegando-se a uma empresa com
sede no Rio de Janeiro. Sua quebra de sigilo foi prontamente solicitada e
deferida. Como a empresa era de outro Estado, a investigação saiu da
competência de Moro e do TRF-4, sendo transferida para o Rio.
LEI AMERICANA APLICADA NO BRASIL
A ação que Moro permitiu é prevista pela legislação norte-americana, trata-se da figura do agente provocador: o policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos.
No caso em questão, o agente
norte-americano, munido de uma conta falsa no Brasil, induziu o investigado nos
EUA a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao
Brasil sem pagamento dos devidos tributos).
Ocorre, porém, que o Direito
brasileiro não permite que um agente do Estado promova a prática de um crime,
mesmo que seja para elucidar outros maiores. A Súmula 145 do STF é taxativa
sobre o assunto:
“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”
Ou seja, quando aquele que tenta praticar um delito não tem a chance de se locupletar por seus atos, caindo apenas em uma armadilha da polícia, o crime não se consuma.
É o que explica o advogado
criminalista André Lozano Andrade: o agente infiltrado não deve ser um agente
provocador do crime, ou seja, não pode incentivar outros a cometer crimes. “Ao
procurar uma pessoa para fazer o ingresso de dinheiro de forma irregular no
Brasil, o agente está provocando um crime. É muito parecido com o que ocorre
com o flagrante preparado (expressamente ilegal), em que agentes estatais
preparam uma cena para induzir uma pessoa a cometer um crime e, assim,
prendê-la. Quando isso é revelado, as provas obtidas nesse tipo de ação são
anuladas, e o suspeito é solto”, expõe Lozano.
Já Isaac Newton Belota Sabbá Guimarães, promotor do Ministério Público de Santa Catarina e professor da Escola de Magistratura daquele Estado, explica que “a infiltração de agentes não os autoriza à prática delituosa, neste particular distinguindo-se perfeitamente da figura do agente provocador. O infiltrado, antes de induzir outrem à ação delituosa, ou tomar parte dela na condição de co-autor ou partícipe, limitar-se-á ao objetivo de colher informações sobre operações ilícitas”.
CONTESTAÇÃO JUDICIAL
A ação policial autorizada por Moro
levou à prisão vários indivíduos no âmbito da Operação Sobrecarga. Uma das
defesas, ao impetrar um pedido de habeas corpus junto à presidência do TRF-4,
apontando ilicitude nas práticas investigatórias, argumentou que seu cliente
havia sido preso com base em provas obtidas irregularmente, e atacou a
utilização de normas e institutos dos Estados Unidos no âmbito do Direito
brasileiro:
“Data venia, ao buscar fundamento
jurisprudencial para amparar a medida em precedentes da Suprema Corte
estadunidense, a d. Autoridade Coatora (Sérgio Moro) se olvidou de que aquela
Corte está sujeita a um regime jurídico diametralmente oposto ao brasileiro.”
“Enquanto os EUA é regido por um sistema de direito consuetudinário (common law), o Brasil, como sabido, consagrou o direito positivado (civil law), no qual há uma Constituição Federal extremamente rígida no controle dos direitos individuais passíveis de violação no curso de uma investigação policial. Assim, a d. Autoridade Coatora deveria ter bebido em fonte caseira, qual seja, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e das demais Cortes do Poder Judiciário brasileiro.”
“Enquanto os EUA é regido por um sistema de direito consuetudinário (common law), o Brasil, como sabido, consagrou o direito positivado (civil law), no qual há uma Constituição Federal extremamente rígida no controle dos direitos individuais passíveis de violação no curso de uma investigação policial. Assim, a d. Autoridade Coatora deveria ter bebido em fonte caseira, qual seja, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e das demais Cortes do Poder Judiciário brasileiro.”
O habeas corpus impetrado, no
entanto, não chegou a ser analisado pelo TRF-4. É que, logo depois, em 2008, a
jurisdição do caso foi transferida para a Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Lá, toda a investigação foi arquivada, depois que o STF anulou as
interceptações telefônicas em Acórdão do ministro Sebastião Rodrigues atendendo
outro habeas corpus impetrado por Ilana Benjó em defesa de um dos réus no
processo.
Processo arquivado, crimes impunes.
OUTRO LADO
Os Jornalistas Livres enviaram na
manhã da última terça-feira à assessoria de imprensa da Justiça Federal no
Paraná, onde atua o juiz Sérgio Moro, as seguintes questões a serem
encaminhadas ao magistrado:
“Perguntas referentes ao processo nº. 2007.70.00.011914-0
– Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?
–
Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia
Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público
Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?
–
Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os
procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?”
A assessoria do órgão não chegou a
submeter os questionamentos ao juiz. Disse, por e-mail, que não teria tempo
hábil para buscar as informações em arquivos da Justiça:
“Esse processo foi baixado. Portanto, para que consiga informações sobre ele precisamos buscar a informação no arquivo.
Outra coisa, precisa ver o que realmente ocorreu e entender pq o processo foi desmembrado para o Rio de Janeiro. Não tenho um prazo definido pra conseguir levantar o processo. Também preciso entender como proceder para localizar o processo aqui. Infelizmente essa não é minha política, mas não consigo te dar um prazo para resposta neste momento. Fizemos pedidos para o juiz e para o TRF-4.
Sugiro que vc (sic) tente com a
Justiça Federal do Rio de Janeiro também.
Espero que compreendas.
Assim que tiver alguma posição, te
aviso.”
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