Requião: Golpe é esquartejamento da soberania!
"Esta casa está prestes a repetir a ignomínia de março de
1964"
Não pretendo, nesta histórica
sessão, moderar a linguagem ou asfixiar o que penso. Não vou reprimir a
indignação que me consome.
Canalha! Canalha! Canalha!
Assim Tancredo Neves apostrofou
Moura Andrade que declarou vaga a Presidência, com Jango ainda em território
nacional, consumando o golpe de 1964.
Duvido que um só de nós esteja
convencido de que a presidente Dilma deva ser impedida por ter cometido crimes.
Não são as pedaladas ou a tal da
irresponsabilidade fiscal que a excomungam.
O próprio relator da peça
acusatória praticou-as à larga.
Só que lá em Minas não havia um
providencial e desfrutável Eduardo Cunha e nem um centrão querendo sangue,
salivando por sinecuras e pixulecos.
A inocência do relator é a mesma
de Moura Andrade declarando vaga a Presidência.
Ah, as palavras de Tancredo
coçam-me a garganta.
Este Senado está prestes a
repetir a ignomínia de março de 64.
O que se pretende?
Que daqui a alguns anos se
declare nula esta sessão, com declaramos nula a sessão que tirou o mandato de
Goulart e peçamos desculpas à filha e aos netos de Dilma?
Tudo bem.
Se mesmo sem culpa, esta Casa
condenar a presidente, que cada um esteja consciente do que há de vir.
Que ninguém, depois, alegue
ignorância ou se diga trapaceado, porque as intenções do vice que quer ser
titular são claras, solares.
Vejam só alguns casos exemplares.
1. Desvincular o reajuste das aposentadorias e pensões do aumento do
salário mínimo. Será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda
do país, que é a Previdência Social.
Se pensões e aposentadorias não mais acompanharem o aumento do salário
mínimo vai ser um massacre contra mais de 20 milhões de brasileiros.
Para quê?
Para pagar os juros da dívida; os juros que são hoje o maior instrumento
de concentração de renda no Brasil.
2. Rever direitos e garantias sociais acumulados ao longo dos últimos 80
anos, especialmente direitos e garantias previstos na CLT. Impor, como pedra de
toque dessa revisão, o negociado sobre a legislado.
3. Eliminar tímidas conquistas na área da igualdade de gênero.
4. Congelar por inacreditáveis 20 anos as despesas correntes e de
investimento da União, excetuando-se as despesas financeiras com o serviço da
dívida pública.
Ou seja: congelar por duas décadas as despesas com saúde, educação,
segurança pública, saneamento, infraestrutura, habitação, mas garantir o
pagamento de juros.
É como proibir que, por 20 anos, nasçam crianças, que jovens tenham
acesso às escolas; que os brasileiros envelheçam ou fiquem doentes. E assim por
diante.
É espantoso que algum ser humano tenha um dia concebido tamanha
barbaridade. E mais espantoso ainda que algum ser humano possa aprovar isso.
5. Privatização em regra e alienação radical de todo o patrimônio
energético, mineral, florestal, agrário, territorial, hídrico, fabril,
tecnológico e aéreo do Brasil.
Depois da entrega do pré-sal, da venda de terras para os estrangeiros,
querem entregar até mesmo o Aquífero Guarani, a maior reserva de água potável
do planeta.
O desmantelamento do país, o esquartejamento de nossa soberania e a
submissão aos interesses geopolíticos globais gritam, berram, expõem-se à vista
de todos.
Tudo bem.
Se as senhoras e o senhores
concordam com a redução do Brasil a um medíocre estado associado, outro Porto
Rico, que se sintam servidos. Não será a primeira vez que os abutres e os
corvos caem sobre o nosso país, retalhando-o, estraçalhando-o, sugando-o.
Essa combinação explosiva de
entreguismo com medidas contra os aposentados, os assalariados, os mais pobres,
contra direitos e conquistas populares alimentam as contradições de classe, em
consequência, a luta de classes.
As senhoras e os senhores estão
preparados para a guerra civil?
Não? Entrincheirem-se, então,
porque o conflito é inevitável.
O povo brasileiro, que provou
por alguns poucos anos, o gosto da emergência social não retornará
submissamente à senzala.
Os dias de hoje, esses infelizes
dias, lembram-me outros dias, também dramáticos, decisivos: os dias de agosto de 1954.
Assim, leio trechos da Carta
Testamento de Vargas porque nela se reproduzem o drama de agora.
“Mais uma vez as
forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre
mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito
de defesa.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
(….)
A campanha subterrânea
dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o
regime de garantia do trabalho.
(…….)
Contra a Justiça da
revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar a
liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras,
mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma.
(…..)
Tenho lutado mês a
mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante,
tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para
defender o povo que agora se queda desamparado.
Nada mais vos posso
dar a não ser o meu sangue.
Se as aves de
rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro,
eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre
convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.
Quando a fome bater
à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos
filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a
reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de
luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e
manterá a vibração sagrada para a resistência.
(….)
Esse povo, de quem
fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para
sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a
espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito
aberto.
O ódio, as
infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora
ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho
da eternidade e saio da vida para entrar na história."
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