No melhor estilo metralhadora giratória, Ciro Gomes
não poupa ninguém
Ciro
Gomes
Créditos: Maurício Nahas/Revista PODER
Em meio
ao caos político, Ciro Gomes volta com a contundência habitual: propõe mudanças
radicais na condução da economia, só tem palavras duras (e palavrões) para os
adversários e roda o Brasil denunciando o impeachment que, para ele, não
só é golpe, mas também pode significar a dissolução da Constituição.
Por Fábio
Dutra e Nataly Costa para a Revista PODER de julho
Fotos: Maurício Nahas e Miguel Lebre
Fotos: Maurício Nahas e Miguel Lebre
É difícil
pensar que os garotos da rua de baixo se atrevessem a arrumar confusão com
algum dos irmãos Ferreira Gomes em Sobral, interior do Ceará. É que dos cinco
filhos (só uma menina) do ex-prefeito da cidade José Euclides Ferreira Gomes,
defensor público já falecido, três entraram para a política e nenhum deles se
notabiliza pelo temperamento tranquilo. Ivo, o mais novo, e que deve ser
candidato à prefeitura de Sobral este ano, já foi notícia quando respondeu com
palavrões a um internauta que criticou sua gestão na Secretaria de Educação de
Fortaleza. Cid, ex-governador do Ceará, causou uma saia justa para a presidente
Dilma Rousseff quando, recém-empossado ministro da Educação, subiu no
parlatório da Câmara para acusar o presidente da Casa, o então todo-poderoso
Eduardo Cunha, de “achacador” – quando ninguém ainda tinha coragem de dizê-lo
em público. Custou-lhe o cargo. E Ciro… ah, o Ciro!
Pouca
gente faz tanto jus ao nome. Ciro quer dizer “aquele que tem autoridade”. Foi
Ciro, o grande, imperador da Pérsia, quem conquistou a Babilônia. E Ciro, o
Gomes, não costuma fugir ao enfrentamento. Ao longo de 36 anos de vida pública,
seu nome virou quase sinônimo de destempero, para a alegria dos repórteres.
Eles voltam à redação com pérolas como “Eduardo Cunha é um f.d.p.”, “José Serra
é um traidor em si mesmo” e “Michel Temer é o vice-bandido da nação” (e Cunha,
o bandido-mor, que fique claro), algo que qualquer outro tubarão mais cauteloso
seria incapaz de soltar. Para PODER, cravou que “Lula decidiu brincar de Deus”.
Assim, vai se consolidando como um dos últimos representantes do folclore que
sempre marcou a grande política brasileira, pródiga em frasistas do porte de
Leonel Brizola, Jânio Quadros e Paulo Maluf. Se bem que a língua afiada já
rendeu maus frutos ao paulista – sim, Ciro nasceu em Pindamonhangaba em uma das
vezes em que seu pai se mudou a trabalho. A mais famosa, de longe, foi a
entrevista durante a campanha de 2002, em que afirmou que a função de sua então
mulher, a atriz Patrícia Pillar, seria a de dormir com ele. Reage: “Foi uma
piada infeliz, fruto da minha formação machista e pela qual me desculpei. Como
não tenho escândalos, isso hipernovelizou. Por que não olham como tratei as
mulheres no poder? Sou o único prefeito e governador do Brasil que teve metade
do secretariado formado por mulheres. Trocar isso por uma piada de mau gosto?
Terei de pagar para sempre? Pagarei. Mas nesse ponto , ponho um f…”. Vai
encarar?
Ciro
Gomes
Créditos: Maurício Nahas/Revista PODER
ALFABETO
PDS,
PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e, agora, PDT. Não há conversa de botequim sobre
Ciro Gomes que não esbarre na sopa de letrinhas de sua trajetória partidária –
que ele mesmo define como “tragédia”. Contudo, garante o político, os partidos
é que mudaram, não ele. Nem sempre é o que pensam os militantes das legendas
que abandonou. De todas as mudanças, três foram muito ruidosas – a saída do
PSDB, em 1996, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso; do PPS,
porque escolheu seguir fiel a Lula quando seu partido foi para a oposição, em
2005; e em 2013, quando preferiu endossar Dilma a apoiar a candidatura de
Eduardo Campos. Roberto Freire, presidente do PPS, partido pelo qual Ciro foi
candidato em 1998 e em 2002, é duro: “Não tenho nenhuma relação com ele.
Rompemos com o PT porque fomos contra a política econômica e o aparelhamento do
Estado, mas ele preferiu desrespeitar a decisão de um partido que lhe permitiu
ser candidato a presidente duas vezes. Ele é de acordo com os próprios
interesses , nunca se sabe de que lado vai estar. Mas paro por aqui: não
costumo discorrer sobre ele”, ataca. Mas Ciro, afinal, tem condições de ser
presidente? “Se Lula e Dilma foram, por que não?”, ironiza o comunista
arrependido. FHC fez uma pausa na maratona de entrevistas semanais que costuma
dar mundo afora quando soube que a pauta era o mais velho dos Ferreira Gomes.
Preferiu não se pronunciar. Luizianne Lins, deputada e ex-prefeita de Fortaleza
pelo PT, protagonista do rompimento do diretório municipal do partido com os
Ferreira Gomes, não poupa críticas: “Ciro Gomes é um grande embuste, filho da
política tradicional e um camaleão político por puro oportunismo. É um homem
perigoso para o Brasil. Quem o conhece sabe”. Em um vídeo na internet, de 2012,
ele chama a ex-prefeita de “arrogante”.
CIRÃO DA
MASSA
Talvez a
intempestividade, o grande calcanhar de aquiles do ex-ministro, seja também a
razão de ter se tornado recentemente uma espécie de celebridade entre os
jovens. Se para o cientista político Cláudio Couto o “mercurial” temperamento
de Ciro atrapalha sua condição de homem público, “já que o eleitor espera uma
pessoa mais serena”, para os universitários Ciro parece encerrar em si uma luta
que há muito os anestesiados jovens não estão acostumados a ver. Para eles,
Ciro é o que entusiasma. PODER esteve em uma palestra que ele proferiu no
mítico Teatro Oficina, do libertário teatrólogo José Celso Martinez Corrêa, e
presenciou cenas de tietagem explícita da garotada. O postulante a uma eventual
candidatura do PDT ao posto máximo da República já ganhou até uma página
bem-humorada dedicada a si, a famigerada – e divertida – Cirão da Massa. Desde
um “Roda Viva” de 1995, quando ainda era discípulo de Mangabeira Unger, em que
dá aulas de economia ao jornalista Luis Nassif (mesma entrevista em que afirma
que tem “tudo diferente do Brizola”, fundador do partido em que milita e que o
apoiou em 2002, indicando o vice Paulinho da Força: “Deus me livrou e livrou o
país disso”, é o que diz Ciro em relação ao quase vice), a um vídeo em que
prevê a derrubada de Dilma Rousseff por Eduardo Cunha já em 2014, tudo o que
fala viraliza com fúria. Jura de pés juntos que não faz força para isso nem tem
contato com os autores das paródias. “A espontaneidade dessa molecada emociona
a um velho como eu, não quero atrapalhar”, diz, aos 58 anos.
Juventude
gosta de lenha na fogueira. Mas juventude também aprecia ideias, ainda mais se
forem bem expostas, qualidade indubitável do polêmico Ciro Gomes. “Ele tem um
discurso no limite da retórica. Repercute, é hábil com as palavras e serve a
esse momento em que as pessoas estão órfãs de um discurso sincero. Porém, gera
tantos admiradores quanto inimigos, o que dificulta o apoio de vários setores”,
acredita o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, que ainda
sustenta que ficar fora do governo o deixou com “mais paixão do que razão” –
bom como observador, mas pernicioso como gestor.
É A
ECONOMIA, ESTÚPIDO!
Paixões à
parte, seu discurso econômico encanta serpentes de plateias de todos os tipos.
Advogado de formação mas bem enveredado pela economia – na academia e em
governos –, Ciro é talvez o único a levantar questões cruciais de qualquer
projeto de desenvolvimento, caso do perfil da dívida pública – “serve às 10 mil
famílias mais ricas do país e acaba com a produção” – e da desindustrialização
– defende o Nordeste como lugar de oportunidade para combater nosso déficit de
US$ 120 bi nessa área. O professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da
Fazenda de José Sarney e criador da teoria do neodesenvolvimentismo, vê as
postulações de Ciro com bons olhos. “Ele está certo em várias ideias, mas só
conhece metade do dilema. Há que se falar da apreciação demasiada do câmbio no
longo prazo em países intermediários, com picos de desvalorização, o que mina a
competitividade. Mas estarei com ele em um workshop que estou organizando e vou
explicar a parte que falta”, brinca. Bresser ainda defende os esforços de Ciro
por Dilma, concorda com sua nomenclatura “a fiadora da democracia”, e encerra:
“Não tenho voto ainda, mas ele é um candidato a ser observado. É um bom
político e isso já é grande coisa nesse momento, o país precisa disso”. Será
que Ciro Gomes conquistará a Babilônia que o Brasil virou?
A seguir,
os principais pontos da entrevista que Ciro Gomes concedeu com exclusividade a
PODER:
IMPEACHMENT: Não faltam razões para não
gostar do governo Dilma, mas o impedimento se dá quando é cometido,
pessoalmente e dolosamente, crime de responsabilidade. Governo ruim não é crime
de responsabilidade. Não cometeu nem as pedaladas, porque isso se apura no
exercício e ela encerrou 2015 com todas as contas pagas. É mero pretexto, como
em 1964. Na ocasião, o Auro de Moura Andrade, um Renan Calheiros da época,
presidente do Senado, declarou vaga a Presidência da República alegando que
Jango tinha fugido do país. Sobre essa base mentirosa se ergueu um castelo de
cartas: Ranieri Mazzilli, o Eduardo Cunha de então, era o último da linha
sucessória, convocou eleição indireta – já tinha se passado dois anos da
eleição – e Castelo Branco foi eleito no Congresso Nacional – com voto de JK,
que acreditou na mentira de que seria apenas para terminar o mandato. Hoje
ninguém duvida que foi golpe. Naquela época o STF também declarou a
legalidade de tudo aquilo, exatamente como estão fazendo hoje.
“Marina Silva é séria, mas não compreende o
Brasil” Créditos: Miguel
Lebre/Revista
DILMA: É honrada e a fiadora da
democracia. Mas não tem treinamento para a política e se cerca mal. Nomeou o
Levy, que não é um quadro brilhante – trabalhei com Persio Arida, Gustavo
Franco, Edmar Bacha… sei quem é brilhante mesmo sendo conservador – e está na ancestralidade
da falência do Rio de Janeiro. Caso o golpe se consume, ela crescerá muito como
referência de firmeza. Aliás, é impressionante que a sociedade brasileira
aceite o nível de mesquinharia de proibi-la, ainda presidente, de andar nos
aviões da FAB, enquanto o Eduardo Cunha anda pra cima e pra baixo, um marginal
afastado pelo STF. E cortar comida do palácio, como se a Dilma estivesse
comendo 60 mil por mês no maior luxo. Há um destacamento de 50 homens do
Exército morando lá! Nunca quis viver pra assistir a isso. É justa a queixa da
corrupção, do desmantelo do governo, mas não é possível que não saibam separar
uma coisa da outra.
LULA: É o responsável por entregar
parte da administração aos ladravazes da República. Temer já era essa figura
pequena e moralmente indefensável quando Lula o colocou na linha sucessória.
Disse-me que não daria Furnas a Eduardo Cunha “de jeito nenhum” e no dia
seguinte o nomeou – inclusive me afastei por isso. Dilma também deu a Cunha a
vice-presidência da Caixa Econômica Federal, onde ele levantou uma propina de
R$ 52 milhões. Nada justifica, porém, a violência que o Lula tem sofrido. Foi
ilegal a condução coercitiva: só pode levar debaixo de vara, como se diz no
Ceará, quem se negou a obedecer a intimação.
SÉRGIO
MORO: Tem um
papel importante, mas pode estar sendo manipulado por ser muito jovem e a
política ser mais complexa do que ele consiga perceber. Começou a aceitar o
incenso, essa coisa de ir pro estrangeiro de gravatinha-borboleta… Juiz bom é o
severo, aquele que não vai nem ao bar para não dizerem qualquer coisa. Certas
ilegalidades cometidas na Lava Jato abrem brecha para a anulação de muita coisa
lá na frente, como aconteceu na Satiagraha. O delegado herói de então
(Protógenes Queiroz) está exilado, com ordem de prisão, e os acusados estão
livres porque as nulidades destruíram as evidências reais. Nos Estados Unidos,
divulgar gravação de um presidente da República dá até pena de morte. Moro sabe
que violou a lei e tinha obrigação de destruir as gravações.
GOVERNO
TEMER: Salvo o
Henrique Meirelles (de quem discordo, mas é meu amigo), justiça seja feita:
esse governo é um misto de incompetência com bandidagem. O povo tem razão de
estar zangado, porém o desastre de um governo ilegítimo se projeta para 20
anos, enquanto um mau governo passaria em dois. E é a maior frouxidão fiscal
que eu já vi.
ECONOMIA: Defender o mandato da Dilma e ao
mesmo tempo criticar o desastre que foi seu governo tem me deixado na maior
solidão. O desemprego saltou de 6% para 11%, a dívida pública galopou, os juros
mais altos do planeta. A próxima crise é do setor financeiro: ninguém paga
ninguém, é a maior inadimplência da história. Sabe quem mica com a quebra da
Oi? O Estado. Os bancos privados empurraram todos os créditos para os públicos,
como de praxe. Este país está sendo assaltado há muito tempo, e o sintoma disso
não é um tríplex cafona no Guarujá. Agora vem essa emenda constitucional para
congelar a despesa primária, deixando os juros, que é a maior despesa corrente,
por fora. Um governo ilegítimo, precário, aproveitando a perplexidade do
momento, pode congelar o gasto primário por 20 anos! Se fizerem, é o caso de ir
lá quebrar tudo, porque isso é a revogação da Constituição de 1988.
SUDESTE
MARAVILHA: O
Nordeste tem tudo para ser o polo da reindustrialização. O Centro-Oeste tem
renda per capita maior que a do Sudeste. O agronegócio e a mineração têm R$ 90
bilhões de superávit e são satanizados pelo ambientalismo difuso. A Marina
Silva bate neles, o PT empurra esse povo para a direita. E são eles que pagam o
conforto nacional.
“Lula decidiu brincar de Deus; envaideceu-se de
maneira absurda e começou a fazer tudo o que bem quis e entendeu” Créditos:
Miguel Lebre/Revista PODER
PARTIDOS: Minha vida partidária é um
desastre. Minha única defesa é que eu fico na minha, os partidos é que mudam
radicalmente. Mas Serra também já foi de quatro partidos; Marina Silva, essa
flor de pessoa, mudou três em três anos, tudo por projeto pessoal. Mas só a mim
perguntam… Vim para o PDT para mobilizar as pessoas e defender a democracia.
Vou pensar mil vezes antes de ser candidato.
JOSÉ
SERRA: Obcecado
pelo poder, traidor da própria memória. Ninguém quer bem a ele. Agora resolveu,
escorado no interesse estrangeiro e no golpe, forçar a mão para ser o FHC do
Itamar. Mas está muito longe de calçar o sapato do charmosíssimo Fernando
Henrique, e o Temer também não é Itamar – que era decente, um grande estadista.
MARINA
SILVA: É séria,
mas não compreende o Brasil. Vocês acham que eu não gostaria de não ser polêmico?
Adoraria ser homenageado pelo Greenpeace, mas tenho de defender o país. Sou a
favor da BR-163, que liga Santarém a Cuiabá e vai tornar a produção de soja do
Centro-Oeste a mais competitiva do planeta. A Marina era radicalmente contra,
até que foi lá comigo – somos amigos – e voltou com a cabeça virada. A
“indiarada” toda pedindo a BR! É muito bom ter ar-condicionado central,
Hospital Israelita Albert Einstein, e querer para os outros, em abstrato, o
atraso.
TEMPERAMENTO: Não vou mudar meu jeito. Fico p…
da vida com esse fru-fru aristocrático. Já viu o Cunha sendo chamado de ladrão?
Ele olha para o outro lado. Essa é a elegância que a elite brasileira gosta.
Tenho longa biografia e ocupei muitos cargos, mas na pauta de vocês nunca vai
aparecer a pergunta “como o senhor explica tanto dinheiro no seu patrimônio”– e
olha que é dever de vocês me fustigar. Por isso olho para trás e digo “no
regrets!”.
TRABALHO
NA CSN:
Finalmente ganho o salário que eu sempre achei que merecia. O Benjamin
Steinbruch (diretor-presidente da empresa) não fica bravo quando falo de juros
e das 10 mil famílias mais ricas. Ele e todos os empreendedores brasileiros
sabem que estou certo. Defendo um projeto nacional que defina o protagonismo do
país, começando por uma moeda estável, algo que não se consegue com esses
saltos de desvalorização cambial. É só ir lá ver o balanço da CSN: liderada por
ele, lucrou R$ 4 bilhões no auge da recessão, mas no fim teve queima de caixa
por conta de juros.
ROTINA: Moro em São Paulo com meu filho Yuri, vou a pé para a
CSN, tenho uma vida pacata. Gosto de boemia, mas com moderação. O Gael (filho
mais novo, de 8 meses, que mora em Fortaleza) foi uma luz.
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