“Bando de corja”
Assim o pai de um caro amigo definiria quem hoje julga Dilma e pretende
governar o Brasil
Lula Marques/Agência PT
Obediente intérprete e executor das vontades da
casa-grande
A volta ao País é cada vez mais
dolorosa após viajar ao exterior, no meu caso duas semanas de férias na Itália,
como sempre em busca das raízes. A Península, eixo da civilização mediterrânea,
como dizia Braudel, vive a crise mundial precipitada pelo neoliberismo, mas
conserva intacta e respeitada a sua impecável Constituição faz quase 70
anos. Deste gênero de situação, o Brasil está longe, muito mais,
infinitamente mais, dos 10 mil quilômetros que o separam da Itália.
Haverá quem diga, como ouvi inúmeras
vezes: pois retorne já à sua terra. Agora é tarde, ed è subito sera,
como versejou Salvatore Quasimodo. E logo anoitece. Para mim e para o País, a
noite mais funda, de uma escuridão de 500 anos. Percebo-me na aturdida plateia
da tragédia do ridículo, imponente e desvairada, mesmo Shakespeare não seria
capaz de contá-la.
Inédita a seu modo, no paroxismo do
paradoxo, alimentada pela prepotência e pela insensatez, pela arrogância e pela
ignorância, pela incompetência e pela velhacaria. Ao cabo, para confirmar de
forma jamais tão solar, a incompatibilidade crônica entre Brasil e
democracia.
O lance que perdi por estar ausente e
agora vivo no regresso relata que Dilma Rousseff foi isentada de todas as
acusações apresentadas para justificar o impeachment. E há a mais
tênue esperança de que o poder lhe seja devolvido?
Para fazer a vontade da casa-grande,
atira-se a Constituição ao lixo e afirma-se a primazia das pesquisas em relação
ao voto, graças ao conluio entre Justiça, polícia, Congresso,
empresariado, com o febril endosso da mídia nativa. E com um adendo
esclarecedor: pesquisa de opinião, sim, desde que não envolva o atual
presidente interino, quem sabe até mais repudiado que a presidenta
afastada.
Hoje me inclino às citações, e evocarei
então uma definição do pai de meu caro amigo Políbio Alves Vieira, camponês na
região de Vitória da Conquista. Dizia ele para identificar a quadrilha mais
nefanda, o pior dos piores: bando de corja.
Pois é do conhecimento até do mundo
mineral que Dilma Rousseff está a ser julgada por um bando de corja, uma turma
da pesadíssima que se atribui o direito de decidir o
destino do Brasil.
O Direito, o assunto vem a calhar. Que
vale observar a respeito de quem haveria de aplicar a lei e defender a
Constituição? A impávida aquiescência da Suprema Corte diante de tais e tantas
ofensas praticadas contra o bom exercício do Direito, inclusive por Sergio Moro e
cia. Em país nenhum que se suponha civilizado e democrático algo similar
acontece, mesmo palidamente aparentado.
O Brasil é único na sua desgraça e no
seu descalabro, como se não bastassem os dados da calamidade endêmica: mais de
60 mil homicídios por ano, pouco menos de 50% do território desservido de
saneamento básico, 92% da população incapacitada ao uso correto do vernáculo.
Tudo aquilo que os senhores da
casa-grande conseguiram foi criar um país exportador de commodities.
Nossos supostos capitalistas jamais se habilitaram a entender que o bem-estar
do povo é o fato determinante do seu próprio êxito como empresários. É
exatamente aquilo que um ex-metalúrgico entendeu ao promover o consumo,
encarado como saída para a terra humilhada por quem manda.
Não são novas tais considerações diante
do espetáculo desolador oferecido aos nossos olhos, a se acrescentar o esforço
despendido pelo governo interino
no sentido de aumentar o sofrimento de um povo espezinhado desde sempre.
Aposta-se na sua resignação, como se a
prepotência do senhor correspondesse à determinação dos fados. Neste meu
retorno, cresce a minha convicção de que o golpe de 2016 é
mais terrificante do que o de 1964, aquele desfechado contra a marcha da
subversão até hoje retida na ameaça dos mentirosos e dos hipócritas.
A ditadura teve o peculiar condão de me
conduzir à melhor compreensão da serventia do jornalismo e
de me estimular à esperança.
Vivo agora a desesperança mais pungente. Os ralos
resultados até agora atingidos para colocar o País na rota certa foram inúteis.
Em 64 a casa-grande não mostrou a cara e chamou os gendarmes para executar o
serviço sujo. Acaba de tirar a máscara e faz, simplesmente, o que bem entende,
conforme o figurino do barão medieval.
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