Enfim, os artistas saíram de suas tocas
Caetano Veloso no show #SouMinas Gerais – Foto:
Renato de Paiva Guimarães
A música brasileira
reage e volta às ruas para cantar e mobilizar multidões em torno de causas
sociais
No domingo 6 de dezembro, Criolo, Maria Gadú, Filipe Catto, 5 a Seco, Cidadão Instigado,
Céu, Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Vitrola Sintética, Vanguart, Tico Santa
Cruz, Barbara Eugênia, Pequeno Cidadão, Karina Buhr, Tiê, Alessandra Leão,
Comadre Fulozinha e dezenas de outros artistas. Era a #ViradaOcupação. Na segunda-feira, Emicida, Pitty, Metá Metá, Anelis Assumpção, Chico César, Bixiga
70, MC Luana Hansen e Meia Dúzia de 3 ou 4,
entre outros, deram continuidade ao evento da véspera, mas desta vez levando
pocket shows nas escolas ocupadas de São Paulo. Na terça-feira, Caetano Veloso, Criolo e Emicida (eles de novo), Jota Quest, Milton Nascimento, Tulipa Ruiz, João Barone e Wilson Sideral se reuniram no show beneficente
#SouMinasGerais, em Belo Horizonte, que arrecadou fundos para subsidiar uma
pesquisa independente depois da catástrofe ambiental de Mariana. No próximo
domingo, sobem ao palco do Auditório Ibirapuera, Ney Matogrosso, Elza Soares, Mano Brown, Ava Rocha,
Pitty, Criolo (três pontos para ele). Será o “Show Pela Cidadania”, no
encerramento da 3ª edição do Festival de Direitos Humanos.
O ano de 2015 entra para a história por uma série
de episódios desastrosos ou trágicos. Mas é no meio desse turbilhão que surge a
melhor notícia para a cultura brasileira dos últimos tempos: os artistas
voltaram a se engajar politicamente. Há uma clara e bela vontade de
participação nesse momento conturbado da vida política e econômica, o que não
significa fazer discursos ideológicos para partido A ou B. Quem pensa assim,
não está entendendo nada do que está acontecendo na sociedade.
As dezenas de artistas que subiram em um palco
improvisado no domingo para celebrar a revogação do decreto que fecharia
escolas em São Paulo não pensaram em cachês, estruturas ou pequenices como
dividir o palco com fulano ou sicrano. Apenas tocaram para pessoas que
comemoravam a vitória maiúscula de estudantes contra o governador Geraldo Alckmin – se você pensa o contrário,
talvez seja a hora de começar a apagar uns arquivos e quebrar alguns CDs e
vinis. Os artistas queriam, com o ato, premiar uma luta política. Imaginem,
então, uma aula-show no pátio da escola com Emicida, ídolos dos jovens
secundaristas, ou Pitty? A cantora Anelis Assumpção,
que foi à Escola Caetano de Campos, resume como se sentiu ao entrar num
colégio: “Muito emocionada e agradecida por poder entrar nesse espaço tão
sagrado que é uma escola ocupada no ano de 2015.”
Em apresentação no Rio, Caetano Veloso cantou, ao
lado de Gilberto Gil, “Odeio Você” e a plateia emendou um “Cunha“. O cantor postou o vídeo em seu Instagram. No
show #SouMinasGerais, o público parecia ter incorporado
definitivamente o sobrenome do presidente da Câmara, artífice do golpe contra a
democracia, à música do baiano tropicalista. Gil, que não participou desses
últimos shows engajados politicamente, não fez por menos. Classificou de “delírio político” a
tentativa de levar adiante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Até um cada vez mais escritor e menos músico Chico Buarque decidiu se mobilizar. Ele e José Miguel Wisnick foram os dois únicos músicos,
até agora, a assinarem a “Carta ao Brasil”, em que
artistas e intelectuais se mostram contrários a “qualquer retrocesso nas
conquistas que obtivemos” depois do fim da ditadura.
Em momentos em que a democracia e os direitos
humanos sofrem ameaças, os artistas têm uma vocação ímpar de mobilizar corações
e mentes, e parece que eles decidiram sair de suas tocas. Na história
brasileira, a música sempre teve a força de traduzir um sentimento coletivo
difícil de ser verbalizado apenas em palavras de ordem. Ela dava aos movimentos
sociais a letra e a melodia necessárias para que mais e mais pessoas saíssem às
ruas em prol de causas justas. É o que vemos voltar a ocorrer agora.
Lobão, Roger, Wanessa de Camargo e tantos outros artistas têm igualmente o
direito de irem para as ruas para defender o “Fora Dilma”. Devem, de alguma
forma, se identificar com um público que bate panelas e adora xingar a
presidente. Mas é melhor isso do que o silêncio de tantos outros artistas que
fingem que nada está acontecendo de extraordinário no país e tocam suas
carreiras de forma alienada.
Ou como diriam os jovens para tudo o que está
acontecendo hoje na música brasileira: “Aê, demorô”.
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