sábado, 26 de novembro de 2011

Teoria do Equilíbrio!



Dois extremos podem ser vistos na evolução da relação entre o Estado e o cidadão: a supremacia do interesse público e a supremacia do interesse privado

Nos Estados Absolutistas anteriores à revolução francesa, havia a supremacia do interesse público sobre o privado. Muitos podem se espantar com esta afirmação, mas a variação conceitual através dos tempos da expressão “interesse público” mostra que, por exemplo, na gestão do Rei Sol, Luís XIV, os interesses reputados como públicos eram os interesses estatais e os interesses estatais eram os seus interesses.

O conceito de interesse público estava relativamente legitimado à época dos déspotas, pois mesmo o cidadão comum, qualquer que fosse a sua formação, sabia que o interesse público era o interesse pessoal do governante.

Havia supremacia do interesse do Rei sobre, v. g., o direito de propriedade, sendo possível, em diversos ordenamentos jurídicos despóticos, a expropriação, através da cobrança de tributos ou através da força estatal, dos bens dos súditos.

Nas relações sociais, pode ser vista também a Lei de Newton, pois, para toda ação, haverá uma reação contrária com a mesma intensidade. Não há dúvida que a extrema e absurda mitigação do direito de propriedade pelo Estado ensejou a proteção também radical daquele direito através das normas que veicularam liberdades públicas logo após a Revolução Francesa.

A sociedade partiu de um extremo a outro, surgindo a teoria do patrimonialismo para defender os interesses privados da burguesia que irradiou efeitos aos cidadãos comuns, pois as liberdades conseguidas permitiram o exercício do labor e a quase irrestrita de aquisição de bens.

A ferocidade do Estado cedeu lugar à extrema proteção que podia ser vista no Código Civil Brasileiro de 1916, na qual o direito de propriedade era quase absoluto e pouco cedia perante os anseios estatais.

Somente a evolução da sociedade permite que a hipertrofia do ente estatal equilibre-se com o exercício dos direitos individuais. A mitigação do extremado patrimonialismo não pode ressuscitar a desproporcional supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Necessária é a convivência harmônica entre ambos, vez que, nos Estados Constitucionais, somente mostra-se irrestrita a supremacia dos Direitos Fundamentais sobre as outras espécies de direitos.

A dignidade da pessoa humana, descrita no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, pode, por exemplo, veicular interesses privados, mas, mesmo assim, ninguém afirmaria que o interesse público sobrepõe-se à dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente o Direito Administrativo sem que a maioria dos doutrinadores tivesse notado, pois, ao fixar como seu troco fundamental a dignidade da pessoa humana, relativizou o postulado de supremacia do interesse público sobre o interesse privado, exigindo sempre a busca pelo equilíbrio entre tais valores.

Não há mais como justificar todas as decisões da Administração Pública com o argumento de que se buscou a satisfação do interesse público, porque o impacto negativo das suas ações na esfera privada deve ser sempre mensurado e reduzido para impedir que o particular seja afetado sem qualquer reparação.

Invocar, sem considerar o interesse privado, a satisfação do interesse público revigora o argumento utilizado em França de Luís XIV ainda que se esteja sob a égide de um Estado Democrático de Direito.

Ora, o império da lei (the rule of Law) sofre as limitações materiais dos Direitos Fundamentais erigidos a normas supraconstitucionais, pois, atualmente, a preponderância dos Direitos Fundamentais, pautada na concepção de que o ser humano é um fim em si mesmo, dispensa os formalismos autopoiéticos do ordenamento jurídico.

Os Direitos Fundamentais estão axiologicamente acima do ordenamento jurídico mesmo quando positivados nas Constituições, visto que a positivação incompleta não tem como ensejar a subjugação de um Direito Fundamental não positivado a uma norma constitucional que não trate de Direito Fundamental (proibição de retrocesso).
Assim, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado deve curvar-se a dois controles: o parâmetro de confrontação com os Direitos Fundamentais e o parâmetro de relevância do direito individual, a fim de que o verdadeiro equilíbrio seja encontrado.

Reinaldo de Souza Couto Filho, ex-assessor de Ministro do STJ, ex-examinador do exame de ordem em Direito Administrativo da OAB/BA, ex-membro da Comissão de Advocacia Pública da OAB/BA, mestre em Direito Privado e Econômico pela UFBA, professor de Direito Administrativo e Constitucional, ex-coordenador da Revista dos Mestrandos em Direito Privado e Econômico da UFBA

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