Belchior, esse desespero é
moda em 2016
por Matheus Pichonelli — publicado 28/10/2016
No aniversário de 70 anos do cantor, celebrado quarta-feira (26), selecionamos 15 versos do álbum “Alucinação”, de 1976, que ajudam a entender o Brasil hoje.
Belchior: 70 anos de sonho,
de sangue e de América do Sul
Eu sou apenas um rapaz latino
americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior
Um hino
para o jovem contemporâneo que está ralando para encontrar seu lugar ao sol na
cidade grande e desconfia da pregação do colega dos Jardins sobre as virtudes
da meritocracia.
Sons e palavras são navalhas. E
eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém
Fica a
dica para quem entrou nos grupos de Facebook e Whatsapp em busca de amizade e
aplausos.
O passado é uma roupa que não nos
serve mais
Um
lembrete para quem viu no figurino dos sobreviventes do governo Sarney um bote
salva-vidas dos desafios políticos de 2016.
Apesar de termos feito tudo o que
fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Sobretudo
quando ouvimos, em pleno 2016, que o homem (49% da população, 90% no Congresso)
não leva jeito para ajudar nas tarefas de casa, que o sonho de toda mulher é
casar, ser mãe e cuidar do lar e que ela e suas roupas são as únicas
responsáveis pela violência de gênero.
Quem me deu a ideia de uma nova
consciência e juventude está em casa, guardado por Deus contando vil metal
Ou virou
apelido na planilha da Odebrecht.
Capa do disco Alucinação, de
Belchior, lançado há exatos 40 anos e que ainda fala muito sobre nós
Ano passado eu morri. Mas neste
ano eu não morro.
Mantra
para o que sobrar de nós em 2017
A única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter, é nunca fazer nada que o mestre mandar, sempre
desobedecer, nunca reverenciar.
Repare
que quem mais reverencia as velhas autoridades (religiosas, políticas, financeiras)
é justamente quem mais confunde pensamento crítico com doutrinação. Sabem de
nada, mas não são inocentes.
Minha alucinação é suportar o dia
a dia. Meu delírio é a experiência com coisas reais.
Porque
hoje em dia, quando se anuncia o perigo da invasão russa pelo Twitter, está
tudo tão de ponta-cabeça que, mesmo sóbrios, já não sabemos quando a notícia é
delírio e quando o delírio é notícia. A lucidez é insuportável
Amar e mudar as coisas me
interessa mais
Ou, num
mundo de privilégios consolidados, podemos agir como haters – aqueles
sujeitos online que berram, xingam, latem e mordem a qualquer sinal de
mudança
Não cante vitória muito cedo. Não
me leve flores para a cova do inimigo. As lágrimas dos jovens são fortes como
um segredo: podem fazer renascer um mal antigo
Um alerta
aos que imaginavam que a guerra estava ganha ao fim da ditadura e agora não
sabem explicar tantos cartazes espalhados pela Paulista em dia de
protesto.
Sempre é dia de ironia no meu
coração
Ainda
hoje é, às vezes ou quase sempre, o único remédio.
Se você vier me perguntar por
onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos lhe direi: amigo, eu
me desesperava
O velho
conflito hamletiano dos que veem o mundo e se desesperam e os que não veem, ou
fingem não ver, e esperam sentados o paraíso, a salvação, a canonização, as
férias, as fotos do jantarzinho top, etc
Tenho 25 anos de sonho, de sangue
e de América do Sul
Por aqui,
as veias seguem abertas para quem, após os 25, não tem como única saída o
aeroporto para fazer compras na América do Norte
São Paulo violento, corre o rio
que me engana
E, agora,
acelera!
Quero desejar, antes do fim, pra
mim e os meus amigos, muito amor e tudo mais; que fiquem sempre jovens e tenham
as mãos limpas, e aprendam o delírio com coisas reais.
Faz 40
anos. E ainda não aprendemos.
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