domingo, 22 de junho de 2014

As gaúchas e os estrangeiros ! ! !

As gaúchas e os estrangeiros que estão em Porto Alegre na Copa: o relato de uma jornalista do Zero Hora

O texto abaixo, da repórter FêCris Vasconcellos, foi publicado no jornal gaúcho Zero Hora.

Porto Alegre é uma festa móvel
Porto Alegre é uma festa móvel

Enquanto via a invasão laranja na Borges de Medeiros sentada aqui na redação, fui sendo também eu invadida por uma absurda vontade de ver o mundo lá fora. Logo que tive a oportunidade, fui percorrer as ruas junto com gringos de todas as querências para sentir na pele a vibração daqueles sorrisos e gritos de torcida.

O que se via na rua era um choque de universos um tanto diferentes: de um lado, jovens estrangeiros maravilhados com o tão famoso charme da mulher gaúcha; de outro, garotas encantadas com tanta novidade e tanto homem – vamos combinar e o IBGE comprova, artigo de baixo estoque no mercado do Rio Grande do Sul.
Era bonito ver o intercâmbio: os holandeses com suas extravagâncias; os australianos com sua simpatia e os brasileiros com sua vibração. Ora, senhoras e senhores, ao juntar tanta gente embriagada de alegria e cerveja, é claro que a mistura passa do químico para o físico rapidinho. Como nos comportamos no flerte é um reflexo de como nos comportamos na vida e, portanto, há sim muita troca cultural na troca de fluídos.
E, por ser uma competição que naturalmente atrai mais turistas homens que mulheres, foram as gurias daqui que aproveitaram mais a enxurrada de boys de lá.
E olha que aproveitaram mesmo. Se jogaram com toda força. Anos do peso do “bom comportamento” exigido pela “boa sociedade gaúcha” jogados no chão junto com camisetas de seleção e casacos verde-amarelos.
Sem nenhum esforço, australianos, holandeses, argentinos, chilenos e basicamente quaisquer outros que não conseguissem pronunciar corretamente o ditongo “ão” passaram o rodo na mulherada. Uma desenvoltura no idioma bretão e um esmero no portunhol que deixariam as professoras do cursinho orgulhosas.
Numa pequena provocação no Facebook, pedi para as amigas indicarem cantadas para consolar australianos chateados com a derrota contra a Holanda. Qual não foi minha surpresa ao ver que a melhor delas, o trocadilho Aussie eu te pego, que dá título a este texto e faz alusão à maneira como o pessoal lá da terra do canguru chama seu próprio país, foi sugerido por um amigo homem, heterossexual e gaúcho. E esclarecido.
O que mais me chocou, no entanto, foi a reação a essa festa toda. Criaturas de ambos os gêneros não demonstraram constrangimento algum em chamar as garotas que fizeram festa com os gringos de “vagabunda” para baixo, ainda que exigissem delas mais autocensura.
Afinal, que absurdo uma mulher solteira, maior de idade, em perfeito estado de saúde e consciência e dona do seu próprio nariz se jogar para um cara solteiro, maior de idade, em perfeito estado de saúde e consciência e dono do seu próprio nariz, né? Que biscatice querer se divertir sem causar mal a ninguém. Que horror ignorar a opinião alheia! Que afronta à sociedade de família querer ser feliz!
O que eu mais vi foi gente usando aquela máxima do preconceito disfarçado “eu não sou machista, mas…”. De olhares de desprezo a xingamentos pesados, a vaia do moralismo provinciano manchou os cantos cosmopolitas do amor e do sexo livres.
O machismo está mesmo impregnado na nossa cultura. E vai seguir assim por muitos anos, infelizmente. Homens e mulheres que escrevem e seguem a cartilha da repressão e que acham que mulher de boa família é aquela que “se faz”, anda “decentemente” vestida e não usa o próprio corpo para a própria diversão seguem sendo uma maioria avassaladora e agressiva.
A quem pensa assim, durante a Copa e a invasão estrangeira, meu recado é o mesmo da maravilhosamente controversa – e, que ironia, cujas músicas cheias de safadeza a boa sociedade gaúcha adora dançar e cantar em respeitáveis festas de família –, Valesca Popozuda: keep calm and deixa de recalque.
 

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