'É NECESSÁRIO DESCONTRUIR
OS MITOS E AS MENTIRAS EM TORNO DA VENEZUELA', AFIRMAM DEBATEDORES
Foto: Felipe Bianchi
Os conflitos sociais na Venezuela e a
cobertura da mídia internacional foram temas de debate na noite do sábado (17).
A atividade, parte da programação do IV Encontro de Blogueiros e Ativistas
Digitais, contou com as presenças de João Pedro Stédile, coordenador do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Breno Altman, diretor
editorial do Opera Mundi; e Igor Fuser, professor da Universidade Federal do
ABC (UFABC), que defenderam os avanços sociais obtidos no país desde a primeira
eleição de Hugo Chávez e criticaram a campanha midiática permanente contra este
processo.
por Felipe Bianchi
Segundo Fuser, não se trata de uma
mera disputa entre o campo chavista e as forças conservadoras, mas de uma luta
internacional e, especialmente, latino-americana. “Não apenas por uma
identidade de valores, mas porque há uma inter-relação muito grande entre o que
ocorre em cada país”, explica. “Nos últimos 15 anos, conformou-se um amplo
campo progressista no continente e, mesmo com todas as críticas que podemos ter,
é inegável que ocorre uma priorização dos interesses das maiorias
desfavorecidas e a busca da autonomia política, econômica e integracionista,
expressos na Unasul e no Celac, por exemplo”.
Ele prossegue argumentando que, no
contexto do continente, os atores transcendem suas próprias fronteiras. “Os
avanços e as derrotas do campo progressista em cada país”, para Fuser,
“fortalecem ou debilitam o campo progressista dos outros países”. Não é por
acaso, sublinha, que pouco tempo depois do início da crise venezuelana
proprietários de jornais dos Diarios de Las Americas (mais de 50 veículos)
lançam campanha de apoio à oposição venezuelana. Cada um desses veículos se
comprometem a atacar diariamente o governo de Maduro.
“Não é jornalismo, não há cobertura
de acontecimentos noticiáveis, com critérios definidos; é campanha”, denuncia o
professor. “O Estado de S. Paulo, a Globo e seus congêneres fazem parte deste time.
Não é apenas jornalismo conservador, é campanha com objetivos, prazos e
métodos. É isso que vemos na imprensa brasileira e internacional”.
Uma das razões para tal articulação,
na ótica de Fuser, remete à ligação umbilical da grande imprensa brasileira com
os interesses dos Estados Unidos. “São agentes de seus interesses”, coloca, e
questiona: “Em qual questão, nos últimos 10, 20 ou 50 anos, a imprensa
brasileira adotou posição conflitante em relação a Washington?”.
O temor das famílias que monopolizam
a mídia no país seria de que, se essas experiências revolucionárias dão certo e
se consolidam ainda mais na Venezuela, transformariam-se em exemplo a ser
seguido pelo Brasil.
“É um processo cheio de solavancos,
tem imperfeições, contradições, mas a construção que está sendo feita no
imaginário em relação a Venezuela é totalmente falsa”, dispara. “Mídia alternativa
e ativistas digitais têm de desconstruir as falsas narrativas sobre a Venezuela
e produzir informação que reflita a realidade do país para os maiores
interessados no processo: o povo”.
Conforme explica, o que está em jogo,
comparando com outros momentos da história, é a construção do socialismo dentro
da democracia representativa e do contexto eleitoral. Fuser lembra da Espanha
na década de 30 e do Chile, na década de 60. “Campanha contra Salvador Allende,
que culminou em sua morte, era muito similar ao que é a campanha contra Chávez
e agora Maduro”, descreve. “Até hoje lamentamos as derrotas tanto na Espanha
quanto no Chile, mas na Venezuela ainda não perdemos. Está em disputa e não
podemos perder esta luta”.
Stédile, que esteve na Venezuela pela
última vez em abril deste ano, fez um relato da conturbada situação política
que encontrou no país. Para ele, os conflitos derivam de uma conjunção de
fatores internacionais, como a situação da Síria, a crescente tensão na Ucrânia
e, também, a proximidade das eleições na Colômbia. “Esses elementos atiçaram os
ânimos da direita venezuelana, que aposta todas as fichas na derrubada do
governo de Maduro”, diz.
Stédile lembra que há mais de 200
paramilitares colombianos presos em território venezuelano, pegos com armas e
bombas dentro das fronteiras do país de Maduro. “Vale recordar que mais de 20
paramilitares foram presos em flagrante armando bombas em torres de alta tensão
no último processo eleitoral, em uma clara tentativa de provocar o caos no
país”.
Segundo ele, há três correntes
conservadoras interessadas em estremecer a revolução bolivariana. “Corina e
Leopoldo, ex-deputados, encabeçam a ultradireita que prega a violência para
convulsionar o país”, diz. “São financiados pela direita latina de Miami, que
tem tanto controle sobre o canal CNN En Español que a emissora mudou seu
escritório de Atlanta, nos Estados Unidos, para Caracas”.
O MUD (Mesa da Unidade Democrática),
comandado por Henrique Capriles, derrotado nas urnas por Maduro, também tem
interesse em derrubar o chavismo, "mas aceitam o jogo eleitoral e sabem
que, se o país entrar em guerra civil, sairão perdendo". Por fim, Stédile
acrescenta o governo dos Estados Unidos nesta lista: “A tática é sangrar o
governo, colocando-o na defensiva e impedindo mais avanços progressistas. O
acirramento dos ânimos é a aposta estadunidense para evitar que a Venezuela
hegemonize o continente”.
Na avaliação de Stédile, Maduro
acertou na resposta aos ataques sofridos pelo governo. “Não caíram na
provocação e reafirmaram decreto de Chávez de que nenhum soldado pode ir pra
rua com arma letal”, pontua. “Ele também atuou, de forma inteligente, na
divisão da oposição, dialogando com quem aceita dialogar e isolando quem quer o
caos”.
Democratização da mídia, um fator
decisivo
Breno Altman traçou um panorama
político do país que, de acordo com ele, investiu fortemente nas mídias
alternativas a ponto de os veículos populares e comunitários fazerem frente aos
grandes meios de comunicação. “A direita venezuelana, à época da primeira eleição
de Hugo Chávez [1998], estava totalmente fragmentada e em decomposição política
e moral”, ressalta. A grande mídia, assinala Altman, ocupa o espaço que os
partidos oligárquicos perdem.
“Estes meios tornam-se,
gradativamente, o principal elo militante de uma nova direita do país, atuando
em bloco contra o chavismo”, diz. Apesar disso, ele lembra que esse alinhamento
é posterior à eleição de Chávez, que chegou a contar com apoio de alguns desses
meios. “A ruptura ocorre quando Chávez ignora os favores políticos exigidos
pelos proprietários dos veículos em troca do apoio e, mais ainda, em um segundo
momento de sua gestão, quando rompe de vez com o modelo econômico neoliberal”.
Ao contrário do Brasil, onde a pauta
da democratização da mídia esbarra, principalmente, na inércia do governo em
debatê-la, a Venezuela enfrenta o histórico monopólio a partir do fomento
intensivo aos meios alternativos. “O que Chávez faz é estimular, de forma até
silenciosa, uma gigantesca rede de rádios e TVs ligadas aos movimentos sociais
e populares”, pontua Altman. “O governo deu apoio técnico e promoveu cursos,
palestras e oficinas de capacitação para este setor carente de voz na
sociedade. Chávez apostou alto e construiu uma relação de forças na qual a
esquerda edificou seu próprio sistema de comunicação”.
A rede criada por Chávez, de acordo
com o jornalista, é a grande articuladora da resistência ao golpe desferido, em
2002, contra o então presidente do país. “O que houve foi um grande pacto
midiático: meios de comunicação que se mobilizam para construir uma narrativa
antichavista permanente, amplificando os interesses da direita – e cumprem esse
receituário metodicamente até convocarem o golpe”.
O que os donos da mídia venezuelana
não esperavam, segundo Altman, foi a reação imediata e a criação de uma massiva
rede de resposta ao golpe, protagonizada por um amplo sistema de comunicação
construído nos “subterrâneos” da sociedade venezuelana.
Por fim, ele lembra que, ao contrário
do mito apregoado de forma insistente pela mídia privada internacional de que
há censura e cerceamento da liberdade de expressão na Venezuela, Chávez e
Maduro não fecham nenhum canal privado - que são, em grande maioria, contra o
processo revolucionário. O emblemática caso da RCTV, único meio que perdeu o
direito à concessão pública de radiodifusão, tem a ver com uma sonegação fiscal
acumulada durante décadas, que seus proprietários recusaram-se a regularizar.
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