Pepe Mujica recebe Medalha
da Inconfidência
A 65ª cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, na
cidade de Ouro Preto, interior de Minas Gerais, aconteceu na manhã da
quinta-feira (21), e foi entregue ao ex Senador e ex Presidente do Uruguai, o
excepcional e querido Pepe Mujica. A solenidade começou às 10h, com a chegada
do governador Fernando Pimentel, juntamente com Mujica, e foram recebidos com
honras militares. Hinos nacionais do Brasil e do Uruguai foram executados pela
Orquestra Sinfônica da Polícia Militar de Minas na abertura da cerimônia. As
autoridades foram ovacionadas pelo público com manifestantes gritando “não vai
ter golpe" e "liberdade ainda que tardia, nós vamos lutar juntos para
acabar com a burguesia". José Pepe Mujica estava acompanhado de sua esposa
a senadora Lucía Topolansky.
Mujica ressaltou em seu discurso a importância
do fortalecimento da democracia brasileira
Discurso EMOCIONATE de Mujica após o recebimento da Comenda
"Mineiros e mineiras, a vida me ensinou algumas coisas. Os únicos
derrotados são os que deixam de lutar. Mas vocês têm de saber que não há um
prêmio no final do caminho.
O prêmio é o caminho mesmo, é o andar mesmo. Nossa luta é muito velha.
São falsos os términos. Esquerda e direita são inventos da Revolução Francesa.
Na realidade, são caras permanentes da condição humana, como as caras de uma
moeda, e fluem e refluem permanentemente na história.
E penso que talvez seja uma luta eterna com fluxos e refluxos, com
pontos de partida, com quedas e voltar-se a levantar. Há que se aprender que,
na vida, as causas nobres necessitam de coragem sempre para voltar e começar.
Eu sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do
planeta.
Ser do sul não é uma posição geográfica, é um resultado histórico.
E venho ao Brasil, tenho cultivado amigos no Brasil, porque a América
será livre com a Amazônia ou não será. Porque é enorme o conhecimento e ciência
que nos tiraram o mundo central.
Porque perdemos nossos melhores filhos, porque lhes pagam melhores
salários no mundo central, porque estamos entrando em uma outra era,
globalizada, de comunicações, onde a fronteira é mais de negócio do que de
amparo e justiça aos povos.
E todos sabemos que a democracia nunca será perfeita, e não pode ser,
porque é uma construção humana e os seres humanos não são deuses. Não.
Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos em lugares diferentes, porque pertencemos a classes diferentes, porque geneticamente temos matizes em nossos programas. Porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira pelo que foi.
Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos em lugares diferentes, porque pertencemos a classes diferentes, porque geneticamente temos matizes em nossos programas. Porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira pelo que foi.
Os homens são semelhantes, mas cada um é particular, diferente, e como
não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos.
Não podemos viver sozinhos, somos sociais. Ninguém pode viver sozinho.
Precisamos de um cardiologista, de um mecânico, de um professor para nosso
filho. Precisamos de alguém que dirija o ônibus, de alguém que nos ampare na
vida, de uma parteira quando nascemos e de alguém quando morremos.
Porque somos sociais e temos defeitos, porque somos diferentes, há
conflitos. Por isso, precisamos da política. Tem razão Aristóteles: o homem é
um animal político, porque a função da política não é gerar corrupção e
acomodar gente. A função da política é colocar limite à dor e à injustiça.
A função da política é lutar por um mundo melhor e também buscar
permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é aplastar.
A função da política é negociar as inevitáveis diferenças que se apresentam na
sociedade.
Porque insisto nesse ponto? Porque o pior resultado que se pode ter para
as novas gerações é o conflito que se está vivendo no Brasil, e que pode fazer
com que muitos jovens cheguem à conclusão de que a política não serve para
nada, e são todos iguais.
E caso essa juventude se recolha e que cada um for cuidar apenas de si,
é o mesmo que construir a selva. Todos contra todos. Há que salvar a política.
Há que dar estatura à política, e isso não é um problema de partido, é um
problema do Brasil. Pior que as derrotas é o desencanto.
Viver é construir esperanças, esperanças de um mundo melhor. O que
seria da vida sem sonho, sem esperança, sem utopia, sem alegria de viver, o que
seria da nossa existência? Um negócio calculado, uma mercadoria que se compra e
que se vende.
Não, a espécie humana é outra coisa, é contraditória mas tem sentido e
tem sentimento. Se você tem um casal de filhos de três ou quatro anos e leva um
jogo só para um, verá que você tem um problema. Porque o outro sente que você
não o tratou com igualdade.
Porque, companheiros, a igualdade a gente tem dentro de nós,
antropologicamente. Não se toma a igualdade como desejo de ser tudo igualzinho,
como tijolo, todos alinhados.
O sentimento de igualdade é ter o direito às mesmas oportunidades na
vida, e quanto nos falta, latino-americanos, para poder dar oportunidade aos
milhões que ficam à margem do caminho da nossa pobre América!
Com minha companheira, estivemos 30 anos presos, mas a vida nos deu o
prêmio de viver e nada é mais bonito que a vida. Mas sobretudo os jovens devem
saber: há que se cuidar da vida, há que semeá-la, há que colocá-la a serviço de
uma causa nobre. Aprendam a viver, e tem de trabalhar para viver, porque senão
viverás às custas dos outros.
A vida não é só trabalhar. Tem de assegurar tempo para viver, amor,
filhos, para os amigos, que nesta vida não é felicidade acumular dinheiro. O
problema é acumular carinho e servir para algo. A diferença é como vemos a
vida, se a vida é só egoísmo ou a vida é também solidariedade, “hoje por mim,
amanhã por você”.
Mineiros, o Brasil é muito grande, muito forte, mas tem muitas feridas.
Há que defendê-lo, mas há que se entender que já não estamos no século passado
e o desafio é outro. Estão construindo unidades mundiais de caráter gigantesco,
como a comunidade econômica europeia, e que se os latino-americanos não
conseguirem uma voz comum no concerto internacional, não seremos nada.
Do mundo que nos vê em cima, os frágeis têm de se unir com os frágeis
para ser menos frágeis. É isso que temos de começar a entender. A burguesia que
conduz a economia não pode sair a colonizar. Há que juntar aliados, porque essa
batalha é no mundo inteiro.
Eu me sinto muito uruguaio, e sou brasileiro porque sou americano,
porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina. Meus
irmãos, todos os pobres esquecidos da América Latina. Os que não chegaram em
nenhum lugar, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos,
os esquecidos, porque democracia não é só votar a cada quatro ou cinco anos.
Democracia é acrescentar o sentimento de igualdade da realidade e
igualdade básica entre os homens.
Com vocês até sempre. Obrigado, mineiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário