Em
entrevista exclusiva ao Site 247, o governador do Maranhão, Flávio Dino, que é
um dos quadros políticos mais lúcidos do País, faz ponderações que merecem a
reflexão urgente da classe política e de toda a sociedade.
Aos 47 anos, o
governador do Maranhão, Flávio Dino, vive uma situação atípica na política
brasileira. Após 14 meses à frente do Palácio dos Leões, ele é aprovado por
praticamente 70% da população maranhense. Os dois clãs políticos que são seus
principais adversários, os Sarney e os Lobão, foram atingidos pela Operação Lava
Jato. E ele, que foi juiz federal antes de ser político, tendo passado em
primeiro lugar no mesmo concurso prestado por Sergio Moro, hoje reúne as
condições políticas e jurídicas para fazer uma leitura precisa do quadro atual.
O Brasil vive hoje um momento
inédito de confrontação política e está às vésperas dos protestos de 13 de
março. Qual a sua leitura do quadro atual?
Flávio Dino – É um momento gravíssimo e todas as forças
comprometidas com a democracia têm duas tarefas urgentes. A primeira é evitar
confrontos que descambem em violência no dia 13. A segunda é discutir o que
fazer no dia seguinte. Hoje, a conjuntura é totalmente distinta da de 1992,
quando houve o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Naquele momento, o
processo foi conduzido pelo Congresso e pelas forças políticas organizadas.
Hoje, nem se pode dizer que o sistema político implodiu. Ele foi explodido por
um novo agente político, chamado Lava Jato, que está muito longe de exaurir seu
dinamismo.
O maior empreiteiro do País,
Marcelo Odebrecht, acaba de ser condenado. Além disso, há sinais de que o
ex-presidente Lula poderá ser implicado. Não seria um sinal de que se estaria
chegando ao topo e, portanto, ao fim da narrativa?
Dino – Seguramente, não. A energia vital dessa
operação adquiriu força própria e corresponde a um ethos social, de combate à
corrupção, muito presente no Brasil e no mundo. Pode haver algum temperamento,
alguma modulação dos seus efeitos, mas não o seu fim. Além disso, existem
muitos fatos a ser apurados, que não poderão ser engavetados. O ponto é que a
Lava Jato corresponde ao ápice da chamada judicialização da política, um
fenômeno que vem desde o mensalão. A Lava Jato também se tornou um ator que
ganhou estatura e hoje tumultua o jogo político-institucional.
Como a presidente Dilma
Rousseff poderia conter essa instabilidade?
Dino – O erro cometido pelo governo federal foi
acreditar que a política estabilizaria a economia. Todos os movimentos de
reforma ministerial, por exemplo, foram nessa direção de ampliar a base de
sustentação no Congresso. No entanto, sempre que se atinge uma certa paz, vem a
Lava Jato e tumultua novamente o processo. Portanto, a lógica deve ser
invertida. É a economia que deve estabilizar a política para que a presidente
Dilma Rousseff reconquiste a credibilidade e volte a ser condutora do processo
político.
Uma primeira medida, para
ampliar o crédito imobiliário pela Caixa Econômica Federal, acaba de ser
anunciada.
Dino – É um passo ainda muito pequeno e não inserido
numa política ampla de retomada do crescimento. Hoje, a presidente Dilma
precisa de uma política econômica mais corajosa e mais ousada. É o que eu faria
se estivesse no lugar dela.
Voltando à instabilidade
política, como o sr. avalia a condução coercitiva do ex-presidente Lula na
última sexta-feira?
Dino – Todas as medidas coercitivas ou mesmo as
prisões processuais classicamente devem obedecer ao princípio da
proporcionalidade. Não se pode fazer o uso imoderado da força. Isso vale tanto
para o guarda da esquina como para qualquer juiz. O ex-presidente Lula foi
intimado várias vezes. Em todas elas, compareceu ou respondeu por escrito – o que
é um direito seu. Portanto, não entendi a adequação e a necessidade da medida
adotada pelo juiz Moro.
A tensão da última sexta-feira
era previsível?
Dino – É evidente que sim. Qualquer agente público,
como diria Weber, tem que pensar na ética das consequências, ou na ética da
responsabilidade. O que se conseguiu foi criar muito barulho para o mesmo
resultado jurídico. Teria sido possível alcançar processualmente o mesmo
resultado sem o caos da última sexta-feira. E, por sorte, não aconteceram coisas
mais graves.
Qual é a sua avaliação sobre a
escalada do ódio na sociedade brasileira?
Dino – É assustador. A tradição brasileira sempre foi
a capacidade de resolver conflitos por meio do diálogo e da conciliação. Esse
novo traço do brasileiro tem um traço muito preocupante, que é a falta de
razoabilidade. O ódio que já havia nas redes sociais transbordou para as ruas e
o nome disse é fascismo. Tiraram o gênio do fascismo da garrafa e agora não
sabem como colocá-lo de volta.
A oposição contribui para esse
estado de coisas?
Dino – Olha, me causa muita estranheza que partidos
que participaram da luta democrática, como é o caso do PSDB, contribuam para
esse caldo de cultura. O PSDB foi um ator importante da luta democrática e hoje
contribui para esse caos, que abre as portas para o imponderável.
No fim de semana, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sinalizou a disposição de dialogar.
Dino – Espero que isso realmente ocorra. Não há saída
fora do jogo institucional, que convencionamos chamar de Estado Democrático de
Direito.
O quadro atual, muitos dizem,
só favorece outsiders como o deputado Jair Bolsonaro.
Dino – Fora da institucionalidade, tudo pode
acontecer. O que me espanta também é a irresponsabilidade da classe dominante
brasileira, representada pelo capital financeiro e pelas empresas de mídia, que
não se deram conta disso.
Como assim?
Dino – O Brasil tem hoje uma classe dominante
subversiva, que decidiu atear fogo às próprias vestes. Quando digo classe
dominante, eu me refiro aos grupos dominantes de mídia. Parafraseando Marx, que
dizia que o partido seria a vanguarda da classe operária, os grupos de
comunicação são a vanguarda da classe dominante, daquele 1% que controla a
riqueza do País. E estes grupos decidiram jogar o Brasil numa conflagração que
vai contra seus próprios interesses.
Alguns imaginam que o eventual
impeachment da presidente Dilma será um passeio no parque.
Dino – Imagina! Essa é a pior de todas as soluções
possíveis. O impeachment, longe de estancar o processo de conflagração social,
agudizaria a situação. É preciso ser dito com clareza: o impeachment não seria
um ponto final, mas o marco zero de um longo ciclo de vinganças, retaliações e
violência política, que arrastaria a economia para uma depressão ainda maior.
Isso não é bom para ninguém, nem para os interesses de classe da elite
dominante, que hoje está fomentando a desorganização completa de tudo. Quem
ganha com isso? Você vai para imprevisibilidade. E o discurso econômico
dominante prega que a previsibilidade é essencial para a retomada do
crescimento.
O MST já falou em fechar
estradas, a CUT lançou movimentos de resistência democrática e há sinais de que
um golpe branco demandaria um regime de força. O sr. concorda?
Dino – É evidente. É o que aconteceria se houvesse
essa insanidade do impeachment. É algo tão irresponsável, tão absurdo, que eu
não consigo imaginar que isso passe a sério pela cabeça de alguém.
Abordando outro tema que
movimentou o noticiário político: existe delação premiada do senador Delcídio
Amaral?
Dino – Do ponto de vista técnico, não. Ela só
existirá quando vier a ser homologada – e se for homologada. O que existe hoje
é um suposto delator que nega o teor das informações que vazaram. E que pode
até se retratar caso tenha dito algo. Aparentemente, não houve nenhum ato
jurídico formal.
Mas embora não exista ato
jurídico, a suposta delação foi tratada como verdade por alguns meios de
comunicação.
Dino – Isso é próprio do clima geral que vivemos, que
vai levando a uma irracionalidade coletiva, onde o absurdo se transforma em
verdade. Um tema que não está posto juridicamente se transforma em tema de
debate.
Mas já que se transformou em
tema de debate, há algo que aponte para um crime de responsabilidade da
presidente Dilma?
Dino – Nada. O que se diz é que ela teria influído na
escolha de um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Ora, se a indicação é
uma prerrogativa da presidência da República, onde está o crime de
responsabilidade? A escolha foi feita de acordo com as regras constitucionais.
Se uma escolha foi partidarizada, como dizem, todas foram. A regra é clara: o
presidente da República indica e o indicado é sabatinado pelo Senado. Ao ser
sabatinado, ele dialoga com todos os senadores. Ou seja: não há nada de anormal
nisso. Só há crime de responsabilidade, quando há infração à Constituição. Como
o ministro foi escolhido sob as regras constitucionais, não há nada.
Depois do dia 13, será possível
construir a paz política no País? O empresário Abilio Diniz, por exemplo,
sugeriu que Dilma, Lula, FHC e Michel Temer se tranquem numa sala até encontrar
a saída. O sr. concorda?
Dino – Eu tenho insistido nisso há algum tempo. E
cabe à presidente Dilma Rousseff convocar esse entendimento. Mas isso envolve
uma premissa. Que todos reconheçam que há um momento adequado para o enfrentamento
político, que é a eleição de 2018. Ou seja: cabe à oposição esta concessão
democrática. Reconhecer que o calendário eleitoral é 2018 – e não agora. E cabe
à presidente Dilma ampliar o diálogo, passando a ouvir todas as forças
políticas. Ninguém pode se apegar a dogmas diante de uma crise tão profunda.
Antes de ser governador do
Maranhão, o sr. foi presidente da Embratur, que tem a missão de vender o Brasil
para os turistas estrangeiros. Hoje, a cinco meses da Rio 2016, o Brasil se vê
à beira de uma conflagração social. O que o sr. faria se hoje estivesse na
Embratur?
Dino – Num determinado momento, a sociedade
brasileira, incluindo suas forças políticas e empresariais, avaliou que seria
bom para o País sediar os Jogos Olímpicos. Portanto, agora, é hora de
corresponder a essa decisão tomada lá atrás com coerência e responsabilidade.
Será vergonhoso para o País chegar a agosto de 2016, na abertura de um evento
que celebra a união dos povos, em clima de conflagração interna. Sem falar no
risco que isso implica para quem vem. Se retomarem a proposta do impeachment,
que é a pior das alternativas institucionais, isso não será – repito – um ponto
final. Será o início de um processo de retaliações múltiplas, num processo que
levaria décadas para cicatrizar. Estão brincando com o País, mas ainda acredito
que razão irá imperar em algum momento.
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