Eleições 2014
Por que Levy Fidelix fala o que quer e nada acontece
É porque o governo cancelou o programa "Escola sem homofobia", é porque o Congresso se omite , é porque a candidata Marina jogou no lixo seu programa LGBT
por Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro
O "combate contra essa
minoria" que o candidato Levy Fidelix propôs ontem na TV Record já começou
a dar frutos: num comentário publicado na web da Folha de São Paulo, um sujeito
chamado Alan Whitney (esse é o nome que ele usa na rede social, não sei se é verdadeiro
ou um alias) me ameaça de
morte: "Temos que destruir isso na raíz e matar Jean Wyllys", ele
disse, fazendo referência à apelação de Fidelix. Não é a primeira vez que eu
sou ameaçado e já teve um caso de um criminoso fascista e homofóbico com um plano
para me matar
que foi desarticulado pela Polícia Federal, que o apreendeu.
Mas agora
eu peço a vocês que fechem os olhos e imaginem a seguinte cena: durante o
debate presidencial, ao vivo, um dos candidatos diz, referindo-se aos judeus:
"Nós somos a maioria e vamos combater essa minoria". Ou então,
referindo-se aos negros, alude ao excremento: "Aparato excretor não
reproduz". Em rede nacional! Qual teria sido a reação do moderador do
debate? E a dos outros candidatos? A plateia teria rido, como riu ante-ontem
quando o candidato Levy Fidelix usou essas expressões para se referir aos homossexuais,
como se fosse engraçado? Qual seria a manchete dos jornais de hoje? O Ministério Público teria feito alguma
coisa? E a justiça eleitoral? Ele seria convidado ao próximo debate?
A
história tem exemplos práticos que mostram as consequências dessa prédica.
Adolf Hitler também achava que os judeus eram uma minoria nojenta que devia ser
"combatida" e
isso custou uma guerra mundial e mais de seis milhões de mortos — tanto judeus
quanto homossexuais, ciganos, comunistas, deficientes e outros grupos que o
nazismo escolheu como inimigos públicos
do povo alemão. Não aprendemos nada?
A
naturalização do discurso de ódio e da incitação à violência contra a população
LGBT é assustadora. E ainda tem gente que acha que tudo isso é liberdade de
expressão ou opinião. Enquanto isso, assistimos ao recrudescimento da violência letal contra gays, lésbicas,
travestis e transexuais. Nas últimas semanas, foram vários casos. Um candidato
gay do PSOL do Amapá recebeu ameaças homofóbicas e, dias depois, uma pedrada na
cabeça, e acabou no hospital. Um menino gay de 19 anos foi sequestrado,
torturado e queimado vivo durante
um "ritual de purificação" em Betim, Belo Horizonte. Sobreviveu, foi
socorrido por amigos que o levaram ao hospital e acharam ao lado dele, que
estava inconsciente, uma nota que dizia que o grupo que o atacou faria
"uma limpeza em Betim (para) trazer o fogo da purificação a cada um que andar nas ruas declarando seu ‘amor
bestial’. Outro jovem gay de 19 anos, em Interlagos, São Paulo, foi
espancado e sofreu uma tentativa de estupro.“Você quer ser mulher? Então agora
vai apanhar como mulher”, falaram para ele. Tudo isso em uma semana.
O
"combate" que Levy Fidelix propôs durante o debate presidencial não
é, como ele diz, da "maioria heterossexual" contra a "minoria
homossexual", porque a maioria dos heterossexuais não tem o pensamento doentio desse canalha. Quem agride,
espanca, mata e espalha ódio é uma minoria
fundamentalista e fascista — minoria, felizmente, mas altamente
perigosa — que se sente legitimada pelo discurso de ódio de pessoas como Levy,
Feliciano, Bolsonaro, Malafaia e outras figuras caricatas como eles.
O problema não é a estupidez deles, mas a omissão daqueles que
deveriam reagir desde o governo, o parlamento e a justiça. Se o discurso de Levy Fidelix
consegue ser pronunciado em rede nacional sem causar as reações que
deveria numa sociedade civilizada, é porque o Brasil não tem políticas públicas
de promoção da igualdade, afirmação dos direitos civis da população LGBT e
combate ao preconceito que se abate sobre ela.
É porque o governo federal cancelou o programa "Escola sem homofobia", é porque o Congresso
ainda se omite da sua
responsabilidade na aprovação das leis de casamento igualitário e identidade de
gênero (ambos os projetos de minha autoria junto com a deputada Érika Kokay), é
porque a candidata Marina
jogou no lixo o programa que seu partido tinha elaborado com excelentes
propostas para a comunidade LGBT, é porque o candidato Aécio não se posiciona
diante dos escandalosos projetos homofóbicos de
deputados do PSDB, como o projeto de "cura gay" de João Campos, é
porque os grandes partidos fazem alianças com os fundamentalistas em troca de
apoio eleitoral, palanques e tempo de TV. A maioria da classe política
brasileira não tem coragem de enfrentar o discurso de ódio e continua refém da chantagem dos vendilhões do templo.
Com relação a Levy Fidelix, meu mandato vai entrar na justiça,
junto com a candidata Luciana Genro, para que seja punido de acordo com a
legislação eleitoral. A prédica de ódio não cabe na democracia. Mas não podemos
reduzir o problema a essa figura caricata e estúpida. Toda a dirigência
política democrática do Brasil deveria fazer já, agora mesmo, um pacto nacional
contra o preconceito e a favor da cidadania da população LGBT, com uma agenda
positiva de afirmação de direitos e políticas públicas que comprometa o próximo
governo e a próxima legislatura, independentemente de quem resultar vencedor
das eleições de 5 de outubro. É urgente e
não dá mais para tolerar a omissão de quem tem responsabilidades e poder para
acabar com esta loucura.
Atenção: as palavras na cor vermelha constam originariamente no
texto, mas os destaques são deste BLOGUEIRO
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