Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
Ciro Gomes
continua devendo explicações ao povo brasileiro
Em entrevista, o pedetista Ciro Gomes atacou o jornalista Paulo Moreira
Leite, que em sua coluna rebateu: "No permanente esforço para tentar fugir
do esquecimento em que foi colocado pelo povo brasileiro através de sucessivas
derrotas eleitorais, Ciro Gomes decidiu me colocar como alvo de seu esgoto
verbal"
No permanente esforço para tentar fugir do esquecimento em que foi
colocado pelo povo brasileiro através de sucessivas derrotas eleitorais, Ciro
Gomes decidiu me colocar como alvo de seu esgoto verbal divulgado em recente
entrevista ao UOL.
"Moreira Leite foi demitido do grupo Abril, onde fazia picaretagem
a serviço da pior direita corrupta do Brasil", disse ele. É uma calúnia,
recurso clássico de quem não se conforma com a liberdade devida a todo
profissional de imprensa interessado em acompanhar nossa vida política com
espírito crítico.
Como jornalista há quase meio século, fiz e espero sempre fazer as
críticas que considerar necessárias. Na campanha de 2018, por exemplo,
publiquei uma reportagem que mostrava que Ciro Gomes tinha uma proposta de
reforma da previdência sob medida para agradar os banqueiros. Incluía até
capitalização individual. Será que errei? Ou incomodei?
Antes de desmascarar essa patética e criminosa tentativa de Ciro Gomes
para atingir minha honra, vamos falar do que interessa de um país às voltas com
ataques ao bem estar do povo e à democracia. O ponto obrigatório, aqui, é
recordar o lamentável papel de Ciro na vitória de Bolsonaro -- pois este é o fato
essencial de sua história política recente.
No final do primeiro turno, quando recebeu uma votação pífia para quem
ambicionava chegar à segunda fase de qualquer maneira, fiz parte do coro de
jornalistas e blogueiros que traduziram a indignação de milhões de brasileiros
e brasileiras diante da reação do candidato do PDT na hora do perigo. Fugindo
para Paris, recusou-se a construir uma unidade que poderia ter impedido a
catástrofe que todos já avistavam em horizonte próximo.
Este é o problema real. O país inteiro sabe que Ciro Gomes foi um aliado
objetivo da vitória de Bolsonaro, o que torna as críticas ao atual governo --
que ocupam todas as entrevistas recentes -- um exercício vergonhoso de
oportunismo, de quem pretende esconder suas responsabilidades na tragédia.
Portando-se como velhos coronéis que dominavam a política brasileira no
século passado, o ex-governador do Ceará jamais prestou contas deste ato
irremediavelmente obsceno.
Este é o testemunho que incomoda Ciro Gomes, a razão para seu ataque ao
247, a Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, a outros que descreve
mentirosamente como "picaretas".
Com limites e imperfeições, naturais a toda atividade humana, somos
olhos e ouvidos de um país que resiste e luta. E, mais uma vez, Ciro Gomes faz
o jogo útil ao adversário que finge combater.
No que diz respeito à minha atividade como jornalista -- em breve
completo 50 de profissão -- cabe registrar o mais importante. Além de fazer
acusações de caráter criminoso, Ciro Gomes deixa claro que nem sabe do que está
falando.
Tive duas passagens pela VEJA, de onde sempre saí por vontade própria.
Na primeira vez, deixei a revista para me dedicar em tempo integral ao
jornal O Trabalho, um dos muitos veículos da imprensa alternativa que combatiam
a ditadura militar num tempo em que Ciro Gomes frequentava círculos da
juventude simpática ao regime dos generais.
Encerrei minha segunda passagem pela VEJA após 17 anos, onde ocupei
posições como editor executivo e redator chefe. Saí ao aceitar um convite para
ser correspondente em Washington da Gazeta Mercantil, o mais respeitado jornal
econômico da época. Pedi demissão por uma razão sabida por toda redação --
minha discordância absoluta com a orientação política que a VEJA assumira após
uma mudança na direção.
Mas como disse antes, meu destino pessoal não tem importância diante da
tragédia que abate sobre o país. É esta a explicação que Ciro Gomes deve a 210
milhões de brasileiras e brasileiros.
O resto é esgoto verbal.
Alguma dúvida?
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