Atriz Fernanda Montenegro (Foto: Rovena
Rosa/Agência Brasil)
A lucidez questionadora da dama do teatro
A atriz
Fernanda Montenegro "enfrentou a censura em várias épocas de sua carreira
de mais de 70 anos, deixou claro que apesar da idade continua firme na defesa
dos seus princípios de liberdade e do Estado Democrático de Direito",
escreve Florestan Fernandes Jr., do Jornalistas pela Democracia, ao lembrar os
90 anos da artista. "O Brasil e a cultura agradecem"
A primeira dama do teatro brasileiro completa hoje 90 anos de idade.
Para comemorar a data, Fernanda Montenegro lançou recentemente sua biografia:
"Prólogo, Ato, Epílogo".
No lançamento do livro no Teatro Municipal em São Paulo, Fernanda, que
enfrentou a censura em várias épocas de sua carreira de mais de 70 anos, deixou
claro que apesar da idade continua firme na defesa dos seus princípios de
liberdade e do Estado Democrático de Direito.
“Sistema nenhum vai nos calar.
Este é um livro sobre uma mulher de teatro e, de repente, passou a ser um ato
de resistência. Estamos unidos aqui, hoje, em torno da liberdade de expressão”.
Em junho de 2000 conheci pessoalmente Fernanda Montenegro. O encontro
foi no apartamento dela no Rio. Fui até lá para gravar um depoimento para o
documentário, que depois virou livro, "Histórias do Poder". Ao me
apresentar, falei da emoção que sentia em conhecê-la pessoalmente. Abrindo um
enorme sorriso, Fernanda me respondeu: "Eu também estou emocionada. Quando
soube que era você que viria fui correndo contar ao Fernando. Tenho o maior
respeito e admiração pelo seu trabalho como jornalista. Além disso, eu e o
Fernando somos, há muito tempo, grandes admiradores do seu pai."
Depois desta troca de afagos, Fernanda deu um dos mais importantes
depoimentos sobre o teatro, a televisão e a política brasileira no século XX.
Separei um trecho bem divertido sobre a censura no Brasil no período da
ditadura militar.
"Você só sabia que o espetáculo não ia passar quando você
apresentava. Quando você apresentava o espetáculo, já estava com a corda no
pescoço. Quando fizemos a "Volta ao Lar", de Harold Pinter, tem uma
coisa que pouca gente sabe. A peça tinha muitos palavrões. Tinha uma hora em
que a peça muda de tom, que o Ziembinski tinha que dizer para o irmão, que era
chofer de táxi em Londres: "olha aqui, você não consegue diferenciar uma
caixa de máquina do olho do cú". Aí tinha uma pausa que o autor pede, por
que o clima mudou. E os censores cortaram todos os palavrões da peça. O
Ziembinski não sei como não morreu, disse: "Não, não pode cortar. Pode
cortar tudo, mas não pode cortar 'o olho do cú'. Não pode... Então foram ele e
o Fernando barganhar os palavrões. E o Ziembinski entrou com o raciocínio
dramático dele, razões dramáticas para o palavrão. Ele dizia: "minha
senhora, a senhora tire tudo, mas não tire 'o olho do meu cú'. Porque isso é
fundamental para o meu papel. Essa hora é a hora em que eu paro de ser o
pseudo-educado e jogo no ventilador... Liberaram. Quando a peça estreou, foi um
escândalo! Teve artigo de jornal, editorial do Globo contra os
termos."
No seu livro biográfico, a atriz, que foi indicada ao Oscar pela
magistral interpretação de Dora, uma ex-professora que ganha a vida escrevendo
cartas para pessoas analfabetas no filme: "Central do Brasil",
resumiu seu sentimento sobre a finitude: "O que lamento é a vida durar
apenas o tempo de um suspiro. Mas, acordo e canto". Que esse suspiro dure
ainda alguns bons anos. O Brasil e a cultura agradecem.
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