
Orgulho-me de ter percebido no então presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos uma liderança capaz de transcender o papel que então
desempenhava. FHC também percebeu, mas isto não o alegrou. A segunda lembrança
confirma a primeira. O episódio começa pela conversa telefônica Rio-São Paulo
que costumava manter com Raymundo Faoro nas manhãs de domingo. O amigo
caríssimo gostaria de galgar o palanque da Vila Euclydes e eu propus: “Venha,
será uma honra escoltá-lo”.
À
chegada de Faoro no Aeroporto de Congonhas um estranho indivíduo surgiu em
cena. Emissário de FHC, e até hoje não sei como soubera dos propósitos do meu
amigo. Convidou-nos para parar, a caminho de São Bernardo, na casa da mãe do
sociólogo, onde o próprio nos esperava e onde tomamos um chá em louça de
Sèvres. Ele sugeria que Faoro desistisse do seu intento. Não o convenceu, e ao
cabo nos comunicou que uma assembleia de autoridades nos aguardava no Paço
Municipal de São Bernardo. Fomos. Sentado à cabeceira de uma longa mesa
perfeitamente encerada, FHC reeditou seu apelo. Levantei-me e disse: “Esta
conversa não me diz respeito, eu estou aqui para cobrir um evento relevante e
vou cumprir minha tarefa”. Faoro seguiu-me, sem pronunciar uma única, escassa
palavra.
Aquele
que, 18 anos após, compraria votos de parlamentares para conseguir sua
reeleição à Presidência da República, esforçava-se com insólita paixão para
impedir a presença de uma personalidade do porte de Faoro no epicentro da
greve, a avalizar a ascensão de Lula. Passados 34 anos, FHC aí está, sombra
compacta por trás de Aécio Neves. Condescendente, generoso, ao esquecer uma
frase fatídica de vovô Tancredo: “Fernando Henrique é o maior goela da política
brasileira”. Não sei, aliás, se ao adversário de Dilma Rousseff convém citar o
ilustre avô: ele não tinha especial apreço pelo tucanato.
Imaginar o retorno a FHC, em caso de vitória de Aécio, é inevitável.
De lancinante obviedade. Donde a ameaça da tragédia, e creio não exagerar em
vaticiná-la. Trágico seria o retorno ao passado, com a vitória da reação mais
medieval do mundo, empenhada em manter de pé a casa-grande e a senzala. No
debate de terça-feira 14, Aécio pretendeu que os adversários insistissem no
conflito entre dois Brasis. São os tucanos, no entanto, que proclamam a
desinformação dos pobres no mesmo instante em que avulta a desinformação dos
ricos. Ou a hipocrisia. E, de todo modo, clamorosamente, o ódio de classes.
Uma vitória de Aécio significaria o enterro de uma política social nunca
dantes praticada, por mais insuficiente. De uma política exterior habilitada a
desatrelar o Brasil dos interesses de Washington em proveito dos nossos. Bem
como o retorno a uma política econômica de desbragada inspiração neoliberal,
com todas as implicações, a começar pelo corte do salário mínimo e a alteração
da CLT, de resto já anunciadas pelo candidato a ministro da Fazenda de Aécio,
Armínio Fraga, presidente do BNDES no governo do eterno goela. E já que se fala
de ameaça a uma herança getulista, não nos obriga a espremer as meninges
imaginar o triste destino reservado à Petrobras, que o ex-presidente sociólogo
pretendia privatar quando no poder, e ao pré-sal, de súbito lotizado.
Há, nisso tudo, exercícios de puro humorismo.
Muitos, a bem da verdade factual. Citaria um apenas, retumbante. Sustenta o
aludido Armínio que a crise econômica global arrefeceu de cinco anos para cá.
Confia na ignorância dos nativos abastados. Se houver dúvidas, sugiro uma
investigação elementar junto às Bolsas de todo o mundo diante do
recrudescimento de uma situação encerrada, conforme o ex-discípulo de George
Soros e Fernando Henrique Cardoso. O qual entende de economia como eu de
numismática.
Mino
Carta
Na Revista semanal CartaCapital
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