Bresser-Pereira:
Judiciário e PF saíram do controle e viraram perigo para o Brasil
Nada
é mais simples do que transformar a moral em um sistema de regras absolutas
sobre as quais não há qualquer possibilidade de compromisso.
Muitos
adotam a retórica da moralidade, da moralidade perfeita, a qualquer custo. O
farisaísmo é sempre um tranquilizador perfeito da consciência.
Será
razoável o que fazemos com o Brasil ao adotar essa "filosofia"?
Primeiro, temos os abusos da Lava Jato. A operação começou moralizando
o país, mas em seguida desrespeitou direitos básicos. Está destruindo nossas
grandes empresas de construção.
Houve
corrupção na Petrobras? As práticas corruptas são antigas nas obras públicas?
Valeu a pena encontrar os culpados e puni-los? Sem dúvida. Mas faz sentido usar
da coerção para extrair delações e "vazar" imediatamente seu conteúdo
para a imprensa?
Faz
sentido não distinguir o caixa dois, já parte dos usos e costumes do
financiamento de campanhas no Brasil, das propinas (oferecer obras ou emendas
legislativas em troca de dinheiro)? Vale a pena desmoralizar todos os políticos
brasileiros? Vale a pena realizar uma cruzada contra as empresas, ao invés de
apressar e simplificar os acordos de leniência?
Definitivamente, não vale.
E
agora tivemos a Operação Carne Fraca. Faz sentido a publicidade que a Polícia
Federal deu a ela? Faz sentido anunciar ao mundo que a produção de carne do
Brasil não está sendo devidamente fiscalizada?
É
provável que de fato ocorram problemas na fiscalização. A ação escandalosa da
Polícia Federal, no entanto, vendeu a ideia de que as grandes empresas
exportadoras de carne -patrimônios da sociedade brasileira, assim como as
construtoras- são todas corruptas. Isso também não faz o menor sentido.
Pode
fazer, contudo, para os defensores da moralidade absoluta.
Sim,
precisamos de moralidade. Sim, precisamos punir a corrupção. Mas de maneira
razoável, pragmática, sem violência. Na vida social -e, mais ainda, na
política-, os valores são fundamentais.
A Operação Lava Jato representou uma conquista enquanto processava
e punia políticos, lobistas e funcionários envolvidos diretamente em propinas.
Transformou-se depois em ameaça quando assumiu caráter partidário. Tornou-se
ameaça ainda maior quando revelou que as propinas não eram relacionadas apenas
ao PT.
Quando
a Constituição de 1988 deu independência e poder ao Ministério Público, encarei
como uma vitória. Quando a Polícia Federal foi reformada e prestigiada no
governo Lula, igualmente comemorei.
Vejo
agora, todavia, que o Poder Judiciário e a Polícia Federal estão saindo do
controle da sociedade. Transformaram-se em poder perigoso para os destinos da
democracia e do desenvolvimento brasileiro.
Sim, queremos mais honestidade na condução da vida empresarial e
da vida pública, mas os padrões éticos são uma construção social, como também o
são a construção da nação e do Estado.
Uma
construção que está hoje ameaçada pelo ressentimento, pelo radicalismo e pelo
ódio.
Não
destruamos o Brasil. A moralidade é um valor maior, mas não o único, e não pode
ser assegurada a qualquer custo.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da
Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e
Tecnologia (governo FHC)
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