ROBERTO REQUIÃO
Senador (PMDB-PR) e ex-governador do Paraná
O que o governo espera da
PEC 241/55
O ministro Henrique Meirelles mandou
para o Congresso uma peça de ficção de 26 páginas artisticamente encadernadas e
com um longo anexo de perguntas e respostas a fim de justificar a PEC-55.
Qualquer pessoa que tenha um mínimo
de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e concentrar-se exclusivamente na página 21, sob o título "Como o
reequilíbrio das contas ajudará na retomada do crescimento econômico".
Vejamos, um a um, cada efeito que
Meirelles anuncia em relação à nova PEC. No total são seis consequências.
Na essência, trata-se do que o
governo espera da aprovação da medida. É claro que se alguma delas não
funcionar, mas outras funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos sabemos, não é uma ciência exata.
Entretanto, que tal se todos os
resultados são a mais acabada falácia, produto exclusivo da imaginação de
Meirelles? Veja-se uma a uma.
1. Primeiro efeito da PEC, segundo
Meirelles: "Aumento da confiança"
Nada mais falso.
Não é o reequilíbrio das contas que
ajudará na retomada do crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na economia, isto é, o fato de
os consumidores terem renda, emprego e disposição para comprar.
O investidor produtivo tem em vista o
mercado, não as intenções do Meirelles ou sua demagogia
neoliberal e mistificadora.
Enfim, confiança empresarial é efeito
do crescimento econômico, não a causa.
2. Segundo efeito: "Retomada do
investimento privado."
Outra ficção.
Como eu, investidor, vou investir se a economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois anos, a taxa de
desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda?
Vou investir em produção e quem vai
comprar? Na verdade, a confiança que se está construindo é exclusivamente para os especuladores
financeiros que
não dependem de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do governo de
pagar juros escorchantes sobre a dívida pública, objetivo último da PEC.
3. Terceiro efeito: "Crescimento
econômico."
Não há a mais remota possibilidade de
algum crescimento econômico resultar de um regime fiscal de congelamento de
gastos correntes e de investimento. Crescimento econômico, numa situação de
depressão como a em que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, sejam gastos correntes, sejam
de investimentos.
Essa é a primeira lição de uma
economia estimulada por métodos keynesianos. O efeito de crescimento do déficit
fiscal é imediato, como se reconhece no próprio documento de Meirelles, só que
mascarado por um raciocínio falacioso sobre o aumento da dívida, que na verdade
cai como relação ao PIB.
4. Quarto efeito: "Emprego e
renda."
Outra absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de uma economia
em crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de expansão quando fruto de uma política deliberada de gastos
públicos deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais.
Já o crescimento derivado da
ampliação de gastos públicos deficitários contribui para a expansão do emprego
e da renda, gerando um círculo virtuoso de crescimento da economia, e reduzindo
a relação dívida/PIB.
5. Quinto efeito: "Mais recursos
disponíveis para investimento e consumo."
É inteiramente falso!
Na medida em que o setor público
congela os gastos orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e
serviços do próprio setor público sobre a economia privada, congelando as
oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros.
Se a economia está em depressão, como
é o nosso caso, o setor privado, mesmo que tenha recursos disponíveis para
investimentos – como de fato tem, aplicados na dívida pública -, não realiza investimentos reais porque não tem
demanda, conforme mencionado.
6. Sexto efeito: "Queda de juros
estrutural."
Esta é a mãe
de todas as falácias. A taxa básica de juros, chamada Selic, nada deve às
forças de mercado ou mesmo ao regime fiscal proposto por Meirelles.
Ela obedece exclusivamente às determinações do Copom, que por sua vez
condiciona as decisões do Banco Central.
É o Banco Central, em última
instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele obedece às
determinações do mercado financeiro especulativo, comandado pelo Itaú e
Bradesco. Afirmar que a taxa de juros
"estrutural" – aliás, não se sabe o que é isso – vai cair por conta
do regime fiscal proposto é enganar a sociedade brasileira.
E preservar uma política monetária
criminosa.
Conclusão:
Se as postulações de Meirelles são
todas falsas, quais são, afinal, os objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em
síntese, trata-se de dar o passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante
sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de
Washington. Para isso, é fundamental destruir o incipiente Estado de Bem-estar
Social que construímos a fim de garantir espaço para a especulação financeira. Isso se constata pela proposição de
congelamento valor real dos direitos sociais previstos na Constituição, com o
silêncio absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema
financeiro.
Embutido nessa PEC está igualmente o
propósito de reverter o processo de industrialização
brasileira de forma a nos tornar uma economia exclusivamente agroexportadora,
com o mínimo de mão de obra e salários relativamente mais baixos.
Isso se daria com fraca contribuição
ao mercado interno que, de outra parte, se considerará dispensável tendo em
vista a forte concentração de terras (inclusive em mãos estrangeiras) e
produção a ser exportada.
A manipulação financeira, ao final,
há de coroar, no modelo Meirelles, a desestruturação da indústria como consequência de uma política
cambial assassina da produção.
Diante da obsessão com o tema, convém
considerar que o valor absoluto da dívida pública não é relevante para a
avaliação da saúde financeira de um país.
Relevante é a relação dívida/PIB, ou seja, a dívida como proporção do
produto interno bruto.
Mais importante que a própria relação
dívida/PIB é a taxa de juros que remunera a dívida pública, normalmente fixada
pelo Banco Central.
Uma taxa de juros baixa aplicada a
uma dívida pública elevada – por exemplo, a japonesa ou americana – não traz
qualquer complicação ao gerenciamento de um país.
Entretanto, uma taxa de juros alta
aplicada a uma dívida mesmo baixa implica uma tremenda transferência de renda do setor público, ou dos
pobres em geral, para os especuladores financeiros. Vejamos a situação
brasileira e americana. Nos Estados Unidos, os títulos públicos são remunerados
no máximo a 3%.
No Brasil, a 12%. Com isso pagamos
relativamente muito mais juros sobre dívida pública que os americanos, embora a
dívida deles seja da ordem de 16 trilhões de dólares e a nossa de 4 trilhões de
reais.
ô-XENTE, CUIDADO, pois
as palavras na cor vermelha constam
originariamente no texto, mas os destaques e ênfases são deste BLOGUEIRO.
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