Temer reclama de ser “grampeado”. Mas ele ajudou a inaugurar o “vale tudo”
Charge do Laerte
Michel Temer ficou irritado com gravações que teriam sido feitas pelo
então ministro da Cultura Marcelo Calero de conversas entre os dois sobre a
pressão realizada pelo, agora, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da
Presidência da República Geddel Vieira Lima. Ele queria a liberação pelo
patrimônio histórico da construção do prédio onde ele terá um apartamento de
luxo. Depois de pedir demissão, Calero denunciou a pressão de Geddel e envolveu
a cúpula do governo federal.
''Eu, com toda franqueza, acho gravar
clandestinamente é sempre algo desarrazoável, quase indigno. Eu diria mesmo
indigno'', afirmou Temer neste domingo (27).
Do ponto de vista jurídico, há limites para a validade de gravações que
podem incriminar alguém feitas sem o seu conhecimento ou
consentimento. Policiais e procuradores, por exemplo, devem coletar provas
obedecendo à lei sob o risco de invalidar toda uma investigação ao passar
por cima dos direitos do investigado.
O mesmo não se pode dizer de uma gravação feita de forma escondida para
fins jornalísticos ou de denúncia social. Pois, não raro, essa é a única forma
de trazer à tona um fato de interesse público que alguém ou alguma instituição
quer, sistematicamente, manter às sombras. Isso não necessariamente serve como
prova – ou não deveria servir – mas vale como um pontapé inicial para
abrir uma investigação e, a partir daí, coletar provas de acordo com o que
prevê a lei.
Suponhamos, porém, que Michel Temer tenha razão em sua reclamação. E
vamos esquecer que ele e a cúpula de seu governo não negaram o teor das
conversas com o ex-ministro da Cultura (o esforço deles até aqui tem sido o de
vender uma outra interpretação para o conteúdo, do tipo: ''quando dissemos que
o céu é azul, quisemos dizer, a bem da verdade, que ele é verde'', como se todo
mundo não fosse capaz de entender o que aconteceu).
O fato é que em um ambiente de equilíbrio institucional e de bom
funcionamento da democracia, não consigo imaginar um ministro de Estado
gravando um presidente da República para se proteger de ataques do próprio
governo e denunciar desvios de função.
Mas vale tudo em um país em que se
construiu uma narrativa com malabarismos técnicos para cassar uma presidente.
Vale lembrar que Dilma não estava sendo julgada por seu governo (ruim) ou por
seus correligionários e aliados (corruptos), mas pela emissão de decretos de
crédito suplementar sem autorização legislativa. Que, por ter sido adotado por
vários outros administradores públicos sem a mesma punição, mostrou-se apenas
uma ferramenta de ocasião.
Ou seja, a forma como foi tocado o impeachment, a fim de tira-la de lá
rapidamente, optando por atalhos questionáveis e passando-se por cima das
instituições, abriu-se a porteira para que muita coisa fosse possível dali
em diante.
De certa forma, por ter conspirado contra sua companheira de chapa para
ocupar seu lugar (independentemente de você considerar que foi golpe,
impeachment ou granola, há de convir que Temer atuou abertamente pela queda de
Dilma e não se manteve em silêncio paciente como fez Itamar Franco em sua
época) o, agora, presidente ajudou a enfraquecer as instituições da República.
Agora, o processo dá o troco.
O problema é que, iniciado o processo de derretimento das instituições,
ele não pode ser freado do dia para a noite. Demanda nova pactuação política e
social, aliada a muito suor em articulações para a construção de consensos. Ou
seja, a dúvida que fica é se a reação em cadeia não é inevitável e nos levará
inexoravelmente para o buraco.
Por fim, antes que eu me esqueça: parabéns a todos os envolvidos.
Fonte: Blog do Sakamoto
Fonte: Blog do Sakamoto
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